Moradores da Grande Belém fazem peregrinação diária para tentar receber "Cheque Moradia"

Por todo o Pará, companhia escolhe beneficiários do programa Sua Casa, antigo Cheque Moradia, mas, em Belém, entrega leva até dez anos.

24/07/2024 12:00

“Bondade” chega mais rápido por intermédio de políticos, que aparecem distribuindo cheques em Belém e no interior, onde as denúncias são mais graves/Fotos: Divulgação.


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odos os dias úteis, a fila que se forma na porta da do prédio da Companhia de Habitação do Pará, a Cohab, é tão grande que já criou em torno de si um considerável comércio informal. As calçadas da instituição agora contam com barquinhas de venda de café da manhã, bicicletas cargueiras com lanches e até uma barraca com produtos que vão da venda de sombrinhas à comercialização de carregadores de telefone celular.

 

Esses vendedores atendem a pessoas que chegam à companhia entre 3 horas e 4 horas na esperança de conseguir atendimento. São homens e mulheres oriundos de diferentes bairros e cidades, mas que possuem a mesma razão para encarar um martírio tão sofrido: receber o tão desejado cheque Sua Casa, antigo Cheque Moradia, entregue a famílias de baixa renda para reformas ou pequenas construções de moradias.


Programa viciado

 

A Cohab pode ser considerada um caso de sucesso com esse notório programa que, no passado, rendeu dissabores políticos e pessoais, mas se reinventou e segue operando nas sombras, desde que o Ministério Público se mantém quedo e mudo diante de um volumoso dossiê de denúncias. Na gestão passada da companhia, por exemplo, denúncia formulada por um deputado estadual estacionou na mesa de um promotor do Estado porque a direção da Companhia simplesmente ignorou os questionamentos iniciais do MP - e o parlamentar entendeu, segundo sugeriu à coluna, que a companhia está “blindada”.

 

Senhas selecionadas

 

A pressa para chegar à passagem Gama Malcher, no bairro do Souza, em Belém, onde está a sede da instituição, é pelo número limitado de senhas distribuídas um pouco antes de a Cohab começar a funcionar. E, mesmo quem chega nesse horário corre o risco de não ser atendido por outras razões que a instituição faz questão de não esclarecer - só Deus sabe...

 

É o caso da dona Regina Raimunda, ouvida pela Coluna Olavo Dutra em uma das manhãs de sufoco na porta da companhia. “Eu cheguei aqui hoje 4 (horas) da manhã e não vou ser atendida porque a assistente social não veio. São cinco assistentes sociais aqui (na Cohab). Eu não acredito que hoje não veio nenhuma. Aí eu vou ter que ir pra minha casa sem ser atendida”.

Ela conta que se habilitou ao programa em 2014, mas afirma que foi excluída do sistema durante a transição de governo, em 2019. “Tá aqui minha casa, toda rachada. Eu tenho fotos da Defesa Civil de Ananindeua. Minha casa não é de invasão. Eu tenho título. Isso não é marmelada, não. Não tô mentindo e ninguém tá me pagando pra gravar isso aqui não”, denuncia indignada, ao mesmo tempo em que exibe os documentos.


Outro caso ouvido pela coluna foi o da dona Jacirema Silva, que não consegue receber o benefício nem mesmo como PCD, o que lhe garantiria prioridade por lei. “Já passei pela entrevista com a assistente social, a engenheira já foi em casa, e nada. Há três anos eu espero por esse benefício. Eu me sinto cansada, porque a gente vem pra cá de madrugada, chega 4 horas, 3 horas da madrugada e quando chega 8 horas da manhã a pessoa olha pra gente e diz que não vai ter atendimento”.


Caminho das pedras

 

Em mais um dia de peregrinação pelo benefício, Jacirema conta que pessoas cadastradas por centros comunitários e associações possuem mais facilidade para conseguir o cheque. Teoricamente, porque sempre há o apoio ou intervenção de algum político, o que não é o caso dela. “A gente já tá cansada de tá 'pra lá e pra cá', levando porta na cara”, desabafa.


Além do atraso e da “enrolação” na entrega do benefício, as pessoas ouvidas pela reportagem também relataram outros problemas graves enfrentados por quem procura a instituição. A grosseria dos atendentes, o favorecimento de quem é indicado por algum político, a ausência de profissionais para atendimento e os “barracos" feitos por quem vê a paciência ir embora são alguns deles.


Explique-se se puder

 

Assim como em situações registradas em cidades do interior, onde a entrega de cheques associada ao envolvimento político do benefício tem gerado confusões recorrentes, a Coluna Olavo Dutra aguarda pela manifestação da Cohab sobre os casos apresentados pela reportagem, em Belém. O espaço segue aberto para possíveis manifestações.

 

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