Brasília, 07 - As denúncias de assédio que
recaem sobre o agora ex-ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, revelam
um comportamento nocivo comum na administração pública. Levantamento realizado
pelo Estadão mostra a escalada de processos disciplinares instaurados pela
Controladoria-Geral da União (CGU) nos últimos 20 anos para apurar casos de
"conduta de conotação sexual", terminologia usada pela pasta e que
incluiu o assédio.
As denúncias de práticas assediadoras atingiram o seu auge durante os anos de
mandato do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), mas as tendências indicam que a
gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vai ultrapassá-lo no curto
prazo e estabelecer um novo recorde. A CGU e o Ministério das Mulheres foram
procurados para comentar os números, mas não se manifestaram.
Em apenas dois anos de mandato, o governo Lula já contabiliza 75 processos
disciplinares para apurar denúncias de assédio e outras condutas sexuais
impróprias em ministérios, e 764 casos em todos os órgãos federais. A gestão
Bolsonaro ainda detém o recorde de ações do tipo, com 85 episódios na Esplanada
e 822 em toda a administração federal em quatros anos - ou seja, Lula se
aproxima dos dados de Bolsonaro mesmo antes de chegar à metade do mandato.
Com os dois anos iniciais cumpridos, Bolsonaro contabilizava 361 processos
instaurados, 299 concluídos e quase 140 responsabilizações registradas em todos
os órgãos federais. Entre 2019 e 2020, 50 pessoas sofreram sanções expulsivas.
A situação mudava de figura nos Ministérios, onde 22 ações foram concluídas, ao
menos três resultaram em alguma forma de ajustamento de conduta e duas pessoas
foram suspensas.
As pilhas de processos disciplinares instaurados pela CGU para apurar
importunações sexuais são um fenômeno relativamente recente na administração
pública federal. Até 2016, apenas 33 casos haviam sido contabilizados pelo
painel Correição em Dados, criado em 2004. A escalada de episódios registrados
começou no governo do ex-presidente Michel Temer (MDB), que teve 181 processos
em dois anos de mandato, explodiu sob Bolsonaro e deve bater recorde com Lula.
Para Marina Ganzarolli, fundadora da organização Me Too Brazil, que denunciou o
ministro Silvio Almeida, os dados da CGU revelam, na prática, a diminuição da
subnotificação dos assédios
"As pesquisas mostram que nove em cada 10 mulheres nunca denuncia",
afirmou.
"Não é que houve um aumento dos casos, houve uma diminuição da
subnotificação. O que significa dizer que, muito provavelmente, a política de
escuta, acolhimento, denúncia - o pipeline de política de consequência - está
sendo melhor divulgado, melhor, mais estruturado e articulado", completou.
A ONG Me Too reuniu relatos de mulheres que teriam sido vítimas de assédio
sexual praticado pelo ministro Silvio Almeida, conforme revelado pelo site
Metrópoles.
O aumento no número de casos registrados nos sistemas da CGU, contudo, não se
traduz em altas taxas de responsabilização dos supostos agressores e
denunciados. Das 75 ações administrativas instauradas durante o atual mandato
de Lula para apurar denúncias nos Ministérios, 37 foram concluídas e apenas uma
resultou na assinatura de um termo de ajustamento de conduta (TAC). O processo
teve 92 dias de tramitação desde o recebimento da denúncia.
Já no restante da administração federal, que abrange os 764 casos, foram
concluídos 457 processos, que culminaram em aproximadamente 265 TACs. A CGU
também informa que ao menos 11 pessoas foram expulsas do serviço público.
No governo Bolsonaro, foram concluídos 652 processos relacionados a todos os
órgãos federais e, desses, 312 resultaram em algum tipo de responsabilização. A
gestão anterior teve 90 pessoas expulsas do funcionalismo público. Dentre os
assédios ocorridos nos ministérios, 77 casos foram concluídos tendo como
resultado 24 TACs ou outras formas de sanção, além de três pessoas terem sido
expulsas da administração.
Fonte: Estadão conteúdo
Foto: Joédson Alves/Agência Brasil