termo pós-verdade se refere a um fenômeno contemporâneo no qual a opinião pública é moldada mais por apelos emocionais e crenças pessoais do que por fatos objetivos. Nesse contexto, a verdade factual muitas vezes perde importância em relação às narrativas que ressoam com as emoções e percepções individuais das pessoas. A disseminação rápida e ampla de informações por meio das redes sociais e outras plataformas têm contribuído para a propagação da pós-verdade na esfera política de maneira vertiginosa.
O cenário pré-eleitoral agrava essa
dinâmica e acelera a difusão de interpretações, que substituem a descrição dos
fatos. Antes, o jornalismo tinha por mister ater-se a fatos, deixando a opinião
para artigos assinados, liberando a chancela dos veículos para assentar
histórias cuja interpretação caberia ao leitor ou telespectador. Agora mesmo,
veículos como o “O Globo”, inesperadamente interessado na política doméstica de
Belém, se aventuram no campo da explícita boca de urna.
O alvo do jornalão é Edmilson
Rodrigues, prefeito de Belém e candidato à reeleição. Em menos de um mês,
enquanto joga pesado contra o prefeito da capital, rasga elogios ao governador
do Estado, Helder Barbalho. Como um jornal menor, chega a cunhar conceitos,
enfatizando que o nome a ser lançado pelo MDB simbolizaria “renovação”. Nessa
linha de demarcação, destacou a pré-candidatura da vereadora Sílvia Letícia,
animada pela “menor das minorias” do Psol, como se diz no partido; deu relevo à
defecção do professor Luiz Araújo, ex-presidente do Psol e irmão do chefe de
gabinete de Edmilson; aventou a hipótese de que o aumento da rejeição de
Edmilson poderia ser usado como arma para atingir a candidatura de Guilherme
Boulos, favorito na disputa em São Paulo e, por fim, em matéria mais recente,
decretou “a neutralidade de Lula” na disputa em Belém, supostamente conquistada
por Helder Barbalho, e que deixaria a candidatura do Psol sem a proteção e o
amparo do PT.
Por trás do palco
A narrativa por trás de toda essa
“cobertura” é uma só: a candidatura de Edmilson estaria sem apoio social -
destacado pela insistente informação sobre a rejeição do alcaide - e sem apoio
político - enfatizado pelo suposto racha do Psol e pela aventada “neutralidade”
de Lula -, enquanto o governo Helder Barbalho seria o oposto simétrico, com
alta aprovação e amplo apoio político.
A vinda do presidente francês,
Emmanuel Macron, a Belém, e as cabeçadas do cerimonial presidencial, que
decretou um corte de toda e qualquer autoridade municipal no evento no qual o
governador levou até o filho mais novo, ajudaram a colocar gasolina na fogueira
em que arde a rearticulação da esquerda em Belém.
O antagonismo que “O Globo” insiste
em marcar e a imprensa local repercute, é entre um Edmilson fragilizado e um
Helder fortalecido. E isso parece fazer sentido para uma parte dos formadores
de opinião política. Mas, um olhar mais centrado nesta dicotomia aponta que ela
não se põe em pé. A disputa que acontecerá nas eleições municipais não será
entre Edmilson e Helder, mas entre os postulantes à vaga de prefeito da cidade.
E Helder não está entre eles.
Garantia de proteção
Ao se movimentar de maneira horizontal
para buscar apoios ao primo escolhido para ocupar a vaga do MDB na disputa,
Helder deixa descoberta a fragilidade de seu candidato. Enquanto os demais
postulantes se movimentam por sua conta, reunindo com parlamentares e
dirigentes partidários, Igor Normando, o escolhido da corte, sequer participa
dos enlaces.
Para uns, isso é uma forma de não se
comprometer em cumprir acordos, na eventualidade de um sucesso. Para outros, é
a certeza de que Normando não tem autoridade para atrair sequer seus pares, os
deputados estaduais com os quais compartilhou uma legislatura inteira.
Outro elemento que se destaca na
análise mais detida desse cenário é a ausência de uma análise de conjuntura que
dá substância ao impressionismo reinante nos bastidores políticos paraenses.
Em tempo
Análise de conjuntura é um
instrumento metodológico da ciência política, que serve para interpretar os
eventos que surgem da ação dos atores em contextos específicos. Ela é produzida
com base em um conjunto de informações contextualizadas historicamente. Essas
informações consideram aspectos econômicos, sociais, culturais e políticos. Sua
utilidade está em permitir identificar tendências que podem influenciar
positivamente - oportunidades - ou negativamente - ameaças - os interesses dos
agentes sociais.
Segundo Herbert José de Souza, o
Betinho, a análise de conjuntura é uma mistura de conhecimento e descoberta.
Ela representa uma leitura especial da realidade, sempre relacionada a alguma
necessidade ou interesse. Portanto, não existe análise de conjuntura neutra;
ela pode ser objetiva, mas está sempre ligada a uma determinada visão dos
acontecimentos. A pergunta central que se deve fazer é: em que conjuntura se
dará a eleição de Belém de 2024? Quais são os elementos da realidade que serão
os indutores centrais do “animus” da população nesse pleito? E que peso terão
os agentes políticos exógenos - externos - na decisão do voto do eleitor?
Abecê da ciência
Em uma conjuntura polarizada, como a
que se vive, o centro político desapareceu, diz Fábio Souza, professor de
ciência política. “O teorema do eleitor mediano sugere que os eleitores são
facilmente conquistados por candidatos mais moderados, posicionados no espectro
de centro - de direita ou de esquerda. Isso explicaria as eleições brasileiras
anteriores a 2014, mas esse fenômeno desapareceu a partir de 2014 e se
aprofundou”. Sergio Santos concorda: “Seria razoável supor que esquerda e
direita em Belém possuem uma reserva de votos na casa dos 40%, metade cativo
para cada força. Sobrariam 60% dos votos, mas temos um índice de brancos, nulos
e ausentes da ordem de 25%. Restariam cerca de 35% dos votos para serem
disputados pelo centro. É esse o público que será disputado por Igor Normando,
Thiago Araujo, Zeca Pirão, Raimundo Santos e Italo Abati. Quem disser que não é
assim, precisa mostrar de onde virão mais votos do que isso para um suposto
centro numa eleição polarizada”.
Impressões pessoais
Durante meses, o governador disse a
interlocutores políticos que faria a escolha do candidato do MDB com base em
pesquisas. Mas as pesquisas insistiram em dizer o que o governador não queria
ouvir: Doxa, em três levantamentos, disse que Zeca Pirão liderava dentre os
nomes do MDB. Mentor, em duas rodadas, e Paraná, em uma, disseram que Úrsula
Vidal liderava como melhor nome na base governista.
Antes de Igor, ainda havia José
Priante, Cássio Andrade e Thiago Araújo. O que ninguém sabia era que, quando o
governador disse que ouviria as pesquisas, estava dizendo que ouviria apenas as
duas linhas que afirmavam que 70% dos eleitores seguiriam uma escolha feita por
ele. O ungido seria, então, automaticamente eleito. Mas o eleitor estava
mentindo.
Voto e transferência
Nas últimas eleições municipais
testemunhou-se um fenômeno: prefeitos e governadores que desfrutavam de altos
índices de aprovação administrativa, mas enfrentaram dificuldades ao tentar
transferir esses apoios para seus candidatos nas eleições municipais.
Esse paradoxo levanta questionamentos
importantes sobre as estratégias de engajamento eleitoral e a conexão entre a
gestão pública e a representação política que, ao que tudo indica, não estão
sendo levados em conta nas projeções feitas nos corredores da Assembleia
Legislativa do Estado, da Câmara de Vereadores, nos escaninhos do TCM ou no
intervalo do futebol da AP, o clube.
A aprovação administrativa de um
governador, por exemplo, reflete a percepção dos cidadãos em relação às
políticas implementadas, à infraestrutura desenvolvida e aos serviços prestados
em suas comunidades por esse gestor especificamente. É um ato pessoalíssimo, um
indicador importante de confiança e satisfação com a liderança. No entanto,
essa aprovação é pessoal; nem sempre se traduz em apoio automático aos
candidatos apoiados pelo governante durante as eleições. O próprio Helder
enfrentou dificuldades em 2020 ao tentar transferir seu prestígio ao outro
primo, José Priante.
Prioridades do eleitor
Uma das razões para essa desconexão
pode residir na complexidade das preferências eleitorais dos cidadãos. Embora
reconheçam os méritos da administração do governador, os eleitores podem ter
diferentes prioridades e expectativas em relação aos candidatos que desejam ver
representando-os futuramente. Além disso, o perfil do candidato desempenha um
papel significativo nas escolhas eleitorais, muitas vezes superando a
influência do apoio do governador. “Igor é jovem demais, sem nenhuma
experiência administrativa e excessivamente tutelado. O fato de ser sobrinho de
um governador que tem uma dúzia de parentes encastelados na máquina pública
também é um fator de desgaste para ambos”, destaca Fábio Souza.
Chantagem eleitoral
A retórica “se você apoiar o meu
candidato vou trabalhar mais pela cidade”, por exemplo, pode soar como
chantagem, já que é obrigação institucional do governador trabalhar pela cidade
independente de quem a governa. “Se pesar a mão nessa fala, o governador pode
se desgastar com um eleitor que é muito mais exigente em suas escolhas
políticas”, ressalta o analista político Jacinto Neto.
Outro fator a considerar, segundo o
analista, é a eficácia das estratégias de campanha. “A simples associação com
um governador bem avaliado pode não ser suficiente para garantir a
credibilidade de um candidato. Um esforço deliberado para comunicar as
realizações da administração é importante, mas não há como ligar essas
realizações ao candidato do governador, que não participou delas.
Por sua tradição de dialogar com o
eleitor da periferia, Edmilson tem mais condições de estabelecer uma conexão
emocional com os eleitores, demonstrando como os objetivos do prefeito e os
interesses da comunidade se alinham”, finaliza.
O tal pós-verdade
Vive-se um momento onde a opinião pública
é moldada mais por apelos emocionais e crenças pessoais do que por fatos
objetivos e essas crenças têm turvado a objetividade com que se deve olhar para
o cenário eleitoral que se avizinha. Em que pese o obituário persistente de “O
Globo”, Edmilson não está morto. Se move com desenvoltura em Brasília e terá o
apoio em bloco de toda a esquerda - PT, PCdoB, Psol, Rede, PDT e PSB - e se
ancora em um eleitorado cativo, que responde à cota progressista na polarização
dicotômica. Quem o dá por morto pode se surpreender ao vê-lo caminhando entre
os vivos. Para chegar ao segundo turno, basta que reconquiste os votos da
esquerda, que perdeu em parte, mas tende a reconquistar.