onta a história que uma das estações da Estrada de Ferro Belém-Bragança foi edificada no Distrito de Tauari, na cidade de Capanema, nordeste paraense. O prédio histórico da estação ferroviária está até bem conservado, mas o que anda “fora dos trilhos” pela região dos Caetés são os atos da Câmara de Vereadores de Capanema.
São, por assim dizer, tão fora dos trilhos que entraram na
mira das investigações da Polícia Civil, iniciadas em 2023, após uma série de
denúncias que colocaram à prova a gestão do presidente da Casa, o vereador
Pedro Paulo Leão da Silva, do DEM. Paulo e o ex-vereador Rubens Oliveira
Alcelmo, ex-presidente, foram indiciados por crime de peculato, que tem pena
prevista de dois a 12 anos de reclusão.
Contra eles pesam fatos relacionados a desvio de
recurso, formação de quadrilha e lavagem de dinheiro, situação que colocou como
investigados também outros vereadores, da atual e da legislatura passada.
Oficialmente, Pedro Paulo Leão e Rubens Oliveira, na condição de ordenadores,
foram indiciados em janeiro deste ano. No caso do ex-vereador Rubens, que
presidiu a Câmara entre os anos de 2015 a 2018, as investigações demonstraram
materialidade e indícios de crime diante do uso indiscriminado de combustível e
demais irregularidades administrativas relacionadas.
Anatomia da corrupção
O quebra-cabeça de corrupção começou a ser montado pela
Divisão de Repressão à Corrupção e ao Desvio de Recursos Públicos da PC em
2023. Os indícios demonstram uma real engenharia de irregularidades com cheiro
de peculato e demais crimes contra a administração pública. Um dos rastros sob
suspeita de corrupção foi o gasto de mais de R$ 1 milhão em combustível entre
2019 e 2022, mesmo a Câmara não possuindo demanda necessária e nem frota
veicular para abastecer, senão uma motocicleta. E pior: sem poder justificar o
consumo de combustível, em 2020, em plena pandemia da covid-19, ao valor de R$
359 mil, quando inexistiu atividade legislativa. Em 2021, incríveis R$ 390 mil
foram gastos durante a rotina parcial, ainda reflexo da pandemia.
Uma frota fantasma
Essas e outras informações fazem parte de duas
notícias-crime formuladas em denúncia pela Associação de Mototaxistas e
Motoqueiros de Capanema (Asmmotix), e apresentada à Polícia Civil em fevereiro
de 2023, reforçada com informações coletadas do Portal de Transparência do
próprio Legislativo municipal. Na denúncia, o Auto Posto Capanema se tornou
fornecedor da Câmara, em processo supostamente fraudulento, que originou uma
“farra” de abastecimento de veículos de vereadores, mostrando o uso do bem
público para fins particulares. Além disso, foi denunciada ainda a falta de
prestação de contas de serviços prestados à Câmara por diversas empresas, desde
o fornecimento de água, lavagem de cadeiras, de transporte, a obras prediais.
Para mim, para o sultão
A escalada do patrimônio e de “laranjas” aponta
incompatibilidade do patrimônio do chefe do Legislativo, que cumpre o terceiro
mandato. Conforme as informações declaradas à Justiça Eleitoral em 2012, Pedro
Paulo Leão, que atualmente mantém um salário bruto de vereador de R$ 8 mil,
possuía um automóvel Fiat Siena com valor estimado de R$ 35 mil. Já em 2016,
além do Siena, declarou outro veículo e um terreno, que elevaram o patrimônio
do vereador a R$ 180 mil. Em 2020, o salto foi para R$ 278 mil: uma casa de
240m², avaliada por ele no valor de R$ 200 mil e um único veículo, avaliado em
R$ 78 mil.
A Polícia avançou e constatou a inexistência de
qualquer veículo no nome do parlamentar, que tem 40 anos de idade e é natural
de Belém. Todavia, na notícia-crime, os denunciantes afirmaram que o vereador
utiliza um veículo Corolla Cross GRS, cor vermelha, no valor de R$ 169 mil, ano
22-23, que não consta em seu nome, expondo a figura de um possível “laranja” -
Francisco Arão de Oliveira, 38, morador do bairro Campinho, em Capanema, ouvido
no inquérito.
Pomar de “laranjas”
No inquérito surge o nome da companheira do vereador
Pedro Paulo Leão, a servidora da Secretaria de Finanças de Capanema, Dayane
Vilela, 33, que, apesar de receber um salário de R$ 2.800, possui um veículo
avaliado em 124 mil, um VW Nivus, 21-22. O curioso é que o único veículo
registrado no nome de Dayane é um Fiat 500, ano 11-12, avaliado em R$ 40 mil. O
automóvel de uso da esposa de Pedro Paulo, o VW Nivus, foi registrado em nome
de Rodrigo Lima do Nascimento, 35, levando mais uma suspeita de ocultação de
bem e lavagem de dinheiro. Assim como Francisco, Rodrigo pode ser outro
“laranja” em ação, uma vez que as investigações constataram 21 veículos em seu
nome.
Transações erradas
Na devassa feita nos processos de pagamentos entre
2019 e 2022 dos valores relativos aos contratos de aquisição de combustíveis de
três postos, seja por meio de licitações ou contratação, ficou demonstrado o
desvio de verba pública. A Câmara registrava o pagamento em suas contas.
Todavia, em 2019, o Posto Guajará, apesar de manter o contrato com o Poder
Legislativo, não viu a cor dos R$ 65.800 mil referentes ao fornecimento de 20
mil litros de óleo diesel, segundo a empresa, e certificado durante o
cruzamento com informações do Tribunal de Contas dos Municípios (TCM).
O Posto Pacheco foi utilizado para justificar o pagamento
de R$ 402,5 mil por 95 mil litros de gasolina comum e aditivada, valor
relativo ao pregão de 2018 e, em 2019 e 2020, um total de R$ 293,9 mil. Dos 15
pagamentos feitos em 2019, que totalizaram R$ 240 mil, oito foram feitos em
processo de dispensa de licitação, totalizando R$ 145,8 mil. E ao analisar
fundo as notas fiscais, a investigação comprovou que foi fornecido apenas
gasolina comum, mas em nenhum comprovante de valores abaixo de R$ 3 mil foi
registrado em notas fiscais e apresentado à autoridade policial pela empresa.