Nas eleições da Ufra, da cintura para baixo tudo é canela, enquanto o MPF dorme o "sono dos justos"

Situação imposta pela Comissão Eleitoral é alvo de protestos da comunidade acadêmica, que grita sozinho, na ausência do "fiscal da lei".

25/03/2024 08:00

Diretoria “pro tempore” do Instituto da Saúde e Produção Animal fez campanha aberta, “mostrando serviço”, mas foi “eleita” somente com a inversão do resultado/Fotos: Divulgação.


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situação na Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra), que já era ruim, está pior. Depois de uma sucessão de denúncias ao Ministério Público Federal (MPF) para a reitora Herdjânia Lima retirar os diretores nomeados de forma pro tempore há quase três anos e convocar eleições internas de diretores de campi do interior e institutos, uma série de manobras permitiu a impugnação de urnas e garantiu a escolha de “candidatos de confiança”, os mesmos pro tempore.

 

Dias atrás, a Reitoria da Ufra divulgou um extenso comunicado atacando a Coluna Olavo Dutra, a quem acusa de publicar falsas notícias a respeito do processo eleitoral e, ao fim e ao cabo, sobre tudo que se refere à Universidade. A coluna tentou contato com o gabinete da magnífica reitora, mas não obteve resposta e tampouco recebeu o comunicado, aparentemente restrito à comunidade universitária.

 

A quem interessar possa, os fatos narrados a seguir não foram produzidos por uma mente fértil durante o fim de semana. Circulam dentro da Universidade e nas redes sociais e sobretudo denunciados por pessoas que se julgam prejudicadas pela gestão e, neste caso, pela Comissão Eleitoral, acusada de “práticas duvidosas”.

 


A prova dos nove

 

A prova são os protestos de docentes e acadêmicos, que gritam sozinhos, tamanha a passividade do MPF em não realizar qualquer acompanhamento do pleito eleitoral, mesmo após as denúncias de professores divulgadas pela imprensa.

 

As manobras atribuídas à Reitoria são as mais diversas, entre as quais a aprovação de regimentos para as próprias eleições que contrariam outros documentos; portarias feitas em conselho em que os membros são pro tempore e impugnação de urnas onde a votação ocorreu de acordo com as próprias diretrizes definidas pela Comissão Eleitoral.

 

Inusitadas, no mínimo...

 

Esta comissão, em decisões no mínimo inusitadas e ferindo todo o regimento da Universidade sobre as eleições, elegeu “chapas brancas” com anulação de inscrições sem justificativa e até decisões contra a própria comissão, mas com o suposto objetivo final de atender aos interesses de manter a reitora com maioria dos mesmos diretores - que eram ­pro tempore -, e que agora serão oficializados como “eleitos”.

 

Inicialmente, após a apuração, dos nove cargos em votação, a Reitoria conseguiu eleger candidatos em três. Outros três foram de chapas únicas, e em mais três ganharam chapas da oposição. Mas a alegria dos candidatos com esse resultado durou pouco, já que, como a abertura dessas urnas contrariou os interesses da Reitoria, a professora Herdjânia se reuniu com a sua chapa perdedora para elaborar um plano, qual seja, impugnar uma urna de servidores da Fazenda Escola de Igarapé-Açu, justamente a que daria a vitória à chapa de oposição.

 

Impugnações convenientes

 

Curiosamente, a Comissão Eleitoral impugnou a urna virtual criada por ela mesma, sob a alegação de que somente depois da apuração se deu conta de que ela, a comissão, não poderia ter autorizado o uso do mecanismo virtual. Ocorre que a impugnação mudou dramaticamente o resultado das eleições do Instituto da Saúde e Produção Animal onde, sem surpresas, acabou vencedora a chapa da atual diretora, ocupante do cargo indicada de forma pro tempore.

 

Segundo informações de professores, a titular da chapa vencedora e seu vice-diretor, também indicado, são fiéis apoiadores da reitora, com bolsas de coordenação em projetos institucionais como o Forma-Pará e o Projeto Amapá, no qual o marido da atual diretora recebe uma bolsa no valor de R$ quase 7 mil.

 

Além disso, a regra mudada nesta eleição tem outro fator grave: quebrar a paridade prevista no regimento e tão buscada pelos docentes e discentes durante a convocação apressada das eleições, que, desde o início, com prazos apertados e sem os debates regimentais previstos, parecia anunciar as manobras.

 

Só não vê quem não quer

 

Professores, técnicos e discentes, estes sim, viram tudo. E avisaram, mas não teve jeito. Assim, a quebra da paridade fez com que a chapa da Reitoria ganhasse também no campus de Capitão Poço. Foi um resultado raquítico e misterioso, apontando apenas 26 votos de alunos em um campus que tem mais de 800 estudantes e que, pelo menos no quesito eleições, aparenta não ter nenhum professor e nenhum técnico administrativo da Universidade.

 

Como esse quadro não parece verdadeiro e reflete grandes sinais de fraude eleitoral, as manifestações em Capitão Poço começaram no mesmo dia da eleição, dia em que não havia sequer energia elétrica no campus para a realização do pleito. O corte da energia, suspeita-se, teria ajudado no afastamento de toda uma comunidade estudantil e de técnicos, garantindo o resultado favorável à Reitoria, já que uma consulta com o campus lotado seria de alto risco, uma vez que a reitora e seus apoiadores não são muito populares por lá.

 

Passo a passo das manobras

 

A eleição, ocorrida no último dia 18, começou contrariando o calendário eleitoral, já que, somente no último dia 22, a comissão divulgou e imediatamente inverteu os resultados com os recursos contra as urnas virtuais, um erro da própria comissão que, agora se sabe, de forma calculada, solicitou ao Tribunal Regional do Pará (TRE-PA) apenas 27 urnas eletrônicas, ou seja, contemplando apenas os campi. Lá pelas tantas, no meio do processo, a comissão deve ter se lembrado da existência das fazendas-escolas e as incluiu no sistema Votanet, que também é do TRE-PA. Contudo, a comissão, também estranhamente, esqueceu de atualizar a resolução que dizia que somente poderiam votar pelo sistema alunos de turmas especiais.

 

Com esse “esquecimento”, a comissão recuou e optou, de forma arbitrária, por anular todos os votos das fazendas-escolas de Igarapé-Açu e Castanhal. Não bastasse, a comissão induziu os servidores ao erro, quando publicou e criou urnas eletrônicas em separado para eles - votos que foram eliminados de forma arbitrária após a contagem final.

 

Na “cara dura” mesmo

 

O mais escrachado é que essas decisões foram tomadas após a conferência dos votos, já com o conhecimento de que todos os votos da Fazenda Escola de Igarapé-Açu (Feiga) foram para a Chapa 1, que fazia oposição à reitora Herdjânia Lima. O resultado, como em Capitão Poço, foram protestos dos estudantes e servidores pelo “cerceamento do direito ao voto”.

 

Com esse cenário, tudo indica que os próximos capítulos do processo eleitoral será uma disputa judicial, com denúncias formalizadas já a partir de hoje, segunda-feira, 25, para que a Justiça, talvez - quem sabe -, faça valer a vontade real da comunidade acadêmica.

 

Descuido ou conivência?

 

A coluna, naturalmente, consultaria o MPF se as informações escritas aqui não tivessem adentrado a noite da última sexta-feira, 22. Porém, diante de todos os fatos ocorridos, e devidamente registrados, está bem claro que o MPF não moveu um dedo na direção do que informou à coluna há duas semanas, ante a cobrança de um posicionamento sobre as denúncias em relação às arbitrariedades já em andamento na ocasião, dentro do processo eleitoral.

 

Nota do “fiscal da lei”

 

“Diante das informações apresentadas pelo portal do jornalista Olavo Dutra, o Ministério Público Federal vai analisar quais novas medidas irá tomar para confirmar a existência ou não de descumprimento de obrigações legais e/ou de compromissos assumidos pela Ufra com o MPF”.

 

Pelo visto, a análise do MPF não foi concluída a tempo de evitar o pior na Ufra, da mesma forma que parece não ter nada a “analisar” em outro grande campus universitário da Região Metropolitana de Belém.

 

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