Prefeito de Belém é tetra no “Amigo da Criança”; pena que faltou combinar com a etnia Warao

Premiação é baseada em informações oficiais das prefeituras e, no caso de Belém, não contempla visita às ruas da cidade, nem aos abrigos de indígenas oriundos da Venezuela.

Por Olavo Dutra | Colaboradores

15/06/2024 08:09
Prefeito de Belém é tetra no “Amigo da Criança”;  pena que faltou combinar com a etnia Warao
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m Edmilson Rodrigues feliz, sorridente, leve e solto era visto na última quarta-feira, 12, em Brasília, espremido em um paletó cinza escuro, gravata vinho e uma vistosa faixa verde no pescoço. Sentado de pernas abertas - sem preocupação com a etiqueta -, mantinha a mão esquerda repousada sobre a perna correspondente. A mão direita parecia um campo de batalha entre dois dedos, um friccionando a unha do outro. À altura do estômago, porém, a disputa envolvia o botão superior do paletó cinza e uma barriguinha adquirida com os anos.


Cena comum em Belém: crianças indígenas vítimas da falta de políticas e de atendimento do poder público/Fotos: Divulgação-Arquivo-Redes Sociais.

Nesse cenário, a Fundação Abrinq estendia o tapete vermelho pelo qual o prefeito de Belém voltou a receber o título do Programa Prefeitas e Prefeitos Amigos da Criança, correspondente a 2021-2024.  

 

Detalhe: a observação segundo a qual os dedos da mão direita do alcaide pareciam brigar entre si deve ter sido um ataque de pareidolia do redator - que a ciência explica, no português claro, como um fenômeno psicológico que faz as pessoas verem “chifre em cabeça de cavalo”. Na verdade, Edmilson contava nos dedos o número de títulos conquistados nessa categoria, o que faz dele um tetracampeão, ora bolas!

 

Dignidade às crianças

 

“Recebo pela quarta vez a premiação, sendo que apenas duas cidades que são capitais tiveram essa distinção. É um reconhecimento da Abrinq ao prefeito da cidade que promove políticas voltadas à garantia dos direitos das crianças, em políticas que buscam dar dignidade a todas as crianças”, destacou o chefe da comuna esboçando o conhecido sorriso.

 

A cada dois anos, a Fundação Abrinq abre um processo seletivo para que organizações da sociedade civil que atendem diretamente crianças e adolescentes possam participar do programa Nossas Crianças.  Em 2021, assim que tomou posse, Edmilson Rodrigues, que já fora premiado por três vezes nos dois mandatos, entre 1997 e 2004, assinou novamente um convênio com a entidade. Essa oferta de convênio da Abrinq é feita a outras prefeituras e entidades.

 

Informações “oficiais”

 

Com o convênio assinado, a prefeitura passou a fornecer informações sobre projetos que visam à implantação, ampliação e qualificação do atendimento a crianças e adolescentes no município. O processo seletivo é composto por etapas de análise de documentos e requisitos de participação da organização e do projeto; análise do projeto; visita aos projetos selecionados; e avaliação dos finalistas e aprovação dos projetos. As organizações aprovadas recebem assessoramento durante dois anos, assim como também passam a integrar a Rede Nossas Crianças.

 

Crianças nas ruas

 

Aqui reside a questão: a Fundação Abrinq analisa os projetos que são encaminhados pelas próprias prefeituras. No caso de Belém, é possível que os integrantes da Fundação Abrinq não tenham dado uma volta pelas ruas da cidade, em especial em algumas esquinas da capital, onde mães oriundas da etnia Warao, da Venezuela, ficam com suas crianças pedindo ajuda em dinheiro aos que passam.

 

Essas crianças não estão em escolas ou creches e não fazem parte de projetos da Prefeitura de Belém. E esse problema se arrasta sem solução visível desde 2017, quando teve início a migração dos Warao para o Brasil e Estados da Região Norte.

 

Então, do que sorria o prefeito de Belém celebrando o tetra? A invisibilidade dessas crianças não parece constar de nenhum projeto da Prefeitura de Belém.

 

Filhos da Escola Circo

 

Entre os anos de 1997 e 2004, quando foi prefeito de Belém, ainda militando no PT, Edmilson Rodrigues tinha orgulho de ter criado a Escola Circo, no bairro da Cremação, que ensinava as artes circenses a crianças e adolescentes. Com base também nesse projeto, ele foi eleito pela Abrinq para o programa Prefeitas e Prefeitos Amigos da Criança por três vezes. O que nunca ficou claro foi o direcionamento que se daria a quem se formava na Escola Circo. O que se viu por muito tempo nas ruas foram crianças e adolescentes praticando artes circenses aprendidas na escola em troca de alguns trocados nos sinais de trânsito da cidade.

 

Outros premiados

 

O da Abrinq reconheceu 100 gestores municipais que fizeram parte do programa. No total, 58 gestores do Nordeste, 22 do Sudeste, dez do Sul, oito do Norte e dois da região Centro-Oeste receberam a honraria.

 

Do Pará, os contemplados, além de Edmilson, foram Francineti Maria Rodrigues Carvalho, de Abaetetuba; Maria Lucidalva Bezerra Carvalho, de Almeirim; André Rios de Rezende, de Pacajá; Nélio Aguiar da Silva, de Santarém; Celso Lopes Cardoso, de Tucumã, destaque nacional da região; e Márcio Viana Rocha, de Vitória do Xingu.


O programa foi criado em 1996 e busca mobilizar gestores municipais em todo o País visando apoio técnico aos municípios na implementação de ações e políticas que garantam os direitos das crianças e dos adolescentes, com acompanhamento próximo, seminários e oficinas. Não são previstos prêmios em dinheiro e cada contemplado recebe troféu, diploma e o título.

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