o término da Segunda Guerra Mundial, os EUA eram indiscutivelmente a maior potência econômica do mundo e acreditavam que suas forças armadas eram igualmente poderosas e, portanto, invencíveis. No entanto, após pelo menos oito anos de luta, apesar de comprometer vastos recursos em dinheiro e homens no conflito, os EUA foram derrotados pelas forças do Vietnã do Norte e seus aliados guerrilheiros, os vietcongues. As cenas de americanos fugindo dependurados no helicóptero marcaram o fim melancólico.
Como
a principal potência militar do mundo perdeu uma guerra para uma insurgência
esfarrapada, que improvisava bombas e roubava armas, lutando descalça ou
calçando sandálias, apoiada em um estado recém-formado - Vietnã do Sul - no
empobrecido sudeste da Ásia? Até hoje especialistas, autores e acadêmicos têm
debatido e concordado: foram pelo menos quatro os fatores da derrota.
1. A tarefa era grande e cara demais. Empreender
uma guerra do outro lado do mundo exigia uma logística inédita, onerosa e
lenta. No auge da guerra, os EUA tinham mais de meio milhão de soldados no
Vietnã. Um relatório do Congresso dos EUA estimou que o gasto total com a
guerra foi de US$ 686 bilhões - mais de US$ 950 bilhões em valores atuais.
2. As forças dos EUA eram inadequadas para este
tipo de combate. Os filmes americanos retratam jovens soldados ianques penando
para sobreviver em um ambiente de selva, úmido e permanentemente chuvoso, ao
mesmo tempo em que insurgentes vietcongues navegam habilmente pela densa
vegetação rasteira, usando túneis cavados no chão para lançar ataques de
surpresa contra jovens soldados atônitos.
3. Os EUA perderam a batalha da aprovação pública. Este conflito é frequentemente denominado "a primeira guerra televisiva" e o grau de cobertura da mídia foi sem precedentes, jogando, com razão, a opinião pública de encontro ao governo e a empreitada bélica sanguinária do outro lado do mundo.
4. Os vietcongues tinham mais apoio
popular. O uso de armas químicas de modo indiscriminado assustou o mundo e
missões de "busca e destruição" mataram inúmeros civis inocentes em
eventos como o massacre de My Lai, em 1968, e esses fatores viraram a opinião
pública de modo decisivo a favor do lado mais fraco.
Investimento de risco
Desde então, empreitadas militares ou políticas arriscadas ou mesmo suicidas são chamadas de “Vietnã” quando fadadas ao fracasso. No Pará, a luta do poderoso Helder Barbalho contra Dr. Daniel Santos, prefeito de Ananindeua, nas eleições deste ano, tem tudo para terminar com as tropas do rei dependuradas no helicóptero. Vencer Daniel é uma empreitada considerada pelos observadores “impossível”.
É
curioso que os fatores que resultaram no fracasso dos EUA no Vietnã se repetem
agora, na anunciada “Guerra de Ananindeua”: a tarefa é grande e cara demais para
Helder, que tem muitas frentes para cuidar. Deslocar ou macular um prefeito com
mais de 80% de aprovação seria tarefa dispendiosa e exigirá um foco que o
governador se arrisca a não ter; as forças de Helder são inadequadas para este
tipo de combate - lançar Miro Sanova, derrotado na última eleição e em meio a
um litígio desgastante com o PT, e Antônio Doido, bilionário que perdeu a
reeleição na pequena São Miguel do Guamá, para disputar Dr. Daniel é
“risível”; Helder perdeu a batalha da aprovação pública em Ananindeua e Daniel
tem, localmente, mais apoio popular, em torno de 80% de ótimo e bom. Se somar o
regular positivo, passa de 90%.
O “drible da vaca”
Outro fator a considerar é a velocidade
e mobilidade desconcertantes da guerrilha empreendida por Dr. Daniel. Ao
formalizar sua entrada no PSB, partido de centro-esquerda, o chefe do Executivo
de Ananindeua, antes vinculado ao MDB, protagonizou um movimento inesperado -
semelhante à manobra esportiva conhecida como "drible da vaca", onde
a bola é jogada por um lado e o jogador contorna o adversário pelo outro para
retomá-la. Isso pegou os observadores da cena política de surpresa.
Sobretudo,
surpreendeu o governador, que antecipava seu alinhamento com uma sigla mais à
direita ou de menor poder de fogo. Ao se aliar à legenda associada a Geraldo
Alckmin, o vice-presidente, Dr. Daniel executou um jogo de habilidade política
notável. Essa escolha impactou profundamente os círculos políticos,
especialmente aqueles próximos a Helder Barbalho, que reagiu intensamente à
saída do ex-aliado do MDB, promovendo a exoneração de todos os seus aliados.
A
adesão de Daniel Santos ao partido fundado por Miguel Arraes foi em grande
estilo. Na sede nacional do PSB, a ficha foi formalmente validada por Carlos
Siqueira, o presidente nacional do partido, que enalteceu a filiação como um
ganho significativo para a agremiação. Em breve, o prefeito da segunda cidade
mais importante do Estado tem viagem marcada para Brasília a fim de engajar-se
em compromissos com o vice-presidente Geraldo Alckmin, o ministro do
Empreendedorismo e ex-governador Márcio França, bem como com senadores e
deputados federais da legenda. Assim, Dr. Daniel se desvencilha dos canais
privativos de Helder com o governo Lula para construir seu próprio caminho.
No
contexto de disputas narrativas, vozes favoráveis ao governo têm sugerido que a
desfiliação de Dr. Daniel se deu por demandas específicas relativas a uma
nomeação no Tribunal de Contas dos Municípios para seu círculo íntimo. No
entanto, a realidade não é exatamente essa.
Evidentemente,
espera-se que a sequência dos dias traga um aumento na disseminação de
informações distorcidas, próprio do acirramento dos ânimos que se instaurou a
partir do Palácio dos Despachos.
Propostas do governador
Há algum tempo, a relação entre o
governador e o prefeito mostrava sinais de tensão. Isto porque Helder Barbalho
tem planos de posicionar sua vice, Hana Ghassan, como sua sucessora, enquanto
Daniel nutre, com legitimidade, aspirações de concorrer ao governo estadual,
apesar de manter abertura para negociar outras trajetórias, dada sua juventude.
O prefeito de Ananindeua tem apenas 37
anos. Neste panorama, durante negociações mediadas
pelo deputado Chicão, presidente da Alepa, e pelo chefe da Casa Civil, Luiziel
Guedes, Helder insistiu na indicação de um vice para a chapa municipal de Dr.
Daniel na próxima eleição, chegando a propor uma lista de quatro nomes de
sua plena confiança, todos secretários de Estado: Luiziel Guedes, chefe da Casa
Civil; Adler Silveira, secretário de Transportes; Eliete Braga, secretária de
Planejamento e Ualame Machado, secretário de Segurança Pública. Daniel recusou
as propostas.
Em
face da resistência do prefeito, o presidente da Alepa, deputado Chicão, do
MDB, em nome do governador, apresentou uma nova oferta: uma vaga no Tribunal de
Contas dos Municípios. O governador, porém, condicionava tal oferta à retirada
de Dr. Daniel da cena política estadual, o que o prefeito declinou, preferindo
permanecer ativo na política.
Contraposta de Daniel
Uma última esperança surgiu quando
Daniel sinalizou disposição para evitar o rompimento, buscando entendimento
através do deputado Chicão, aceitando a possibilidade de indicar outra pessoa
de seu grupo para o Tribunal de Contas e encontrar um vice de consenso para sua
chapa, mas sem sucesso frente às exigências de Helder. Como disse um
interlocutor de Daniel, “o governador não debate, ele decide e você acata ou
não. Daniel não acatou”.
Ruptura definitiva
Recentemente,
um gesto premonitório do que estava por vir se materializou com a publicação no
Diário Oficial do Estado do descredenciamento do Hospital Santa Maria, de
Ananindeua, ligado a Daniel e à mulher dele, a deputada federal Alessandra
Haber, além da exoneração de diretores escolares alinhados a ele, refletindo o
agravamento da crise institucional.
Daniel,
contudo, não esgarça relação. Em Brasília, após sua filiação ao PSB, fez
questão de visitar o Ministério das Cidades para um encontro com Jader Filho,
líder estadual do MDB, onde comunicou pessoalmente sua decisão de deixar o
partido. A conversa transcorreu de maneira cordial, como se espera de dois
homens públicos maduros. Contudo, de volta ao Pará, o Diário Oficial fez hora
extra, exonerando colaboradores de Daniel, evidenciando, da parte de Helder, a
ruptura definitiva.
Ponto de convergência?
Jacinto
Neto, analista político, aposta que a guerra que se precipita pode ser o ponto
de convergência para algum tipo de acordo. “Algo interessante a se observar
será a organização política que Daniel e seu grupo conseguirão atingir nos
próximos meses. Embora o lugar de opositor pareça propício, a possibilidade de
um bom acordo com a Torre ainda no final deste ano ou em meados de 25 existe e
pode ser vantajoso para Daniel e Alessandra”, afirma.
A
análise de Neto parte da premissa de que “a política aglutinadora e de
esvaziamento de oposição de Helder, praticada nesses últimos seis anos”, não
tem motivação na realidade para se tornar diferente, especialmente diante da
emergência da 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP30), a ser
realizada em Belém, em novembro de 2025. “A necessidade de máxima estabilização
do cenário político local para realização da COP se impõe”.
Um novo personagem
Até 2022, Helder não tinha inimigos
públicos ou opositores visíveis. Um voo de cruzeiro era a previsão de todos os
observadores, vendo da Torre ou mesmo do chão. Mas tudo mudou quando o
governador decidiu, em um palanque montado em Ananindeua, anunciar a escolha de
sua vice, Hana Ghassan, para sucedê-lo, chocando a platéia pelo tom agressivo.
Sem combinar com ninguém. Muito menos com o prefeito mais popular do Estado,
que recebeu de maneira impassível o anúncio intempestivo.
Assim, por sua livre e espontânea
escolha, o governador desceu num pântano de onde não sairá sem máculas. Esse
movimento se dá simultaneamente com outros, onde o governador habilidoso do
primeiro mandato acabou por dar lugar a um personagem de trato difícil, que
cria para si arestas que tendem a crescer até 2026, enquanto Daniel, sem atirar
uma única pedra em direção a ele, se torna o ímã que atrai todos os opositores,
descontentes e incrédulos que divergem da solução, para muitos insegura e
incerta, que seria Hana Ghassan, que o governador criou em seu próprio
laboratório para sucedê-lo e que, supõe, todos devem assimilar. Aqui, mais uma
vez, os planos se chocam contra os fatos.
Ou para citar um sábio improvável, Mike
Tyson: “Todos têm um plano, até levar um soco na boca”.