Manaus, AM - O ritmo das águas sempre conduziu a vida de comunidades
indÃgenas na Amazônia. Por isso, a alteração dos ciclos de enchente e vazantes dos rios por eventos climáticos extremos tem causado impactos nas esferas social e econômica desses grupos, com prejuÃzos na alimentação, na forma de se locomover e até mesmo no tempo para estudar.
Antes um fenômeno natural da vida da região, o perÃodo de seca nos últimos anos foi tão prolongado que encurtou o calendário escolar, interrompeu o processo de aprendizagem das crianças e deixou professores dessas escolas sem trabalho e salário por meses.
"O nosso calendário escolar depende da vazão dos rios, porque só conseguimos chegar à escola de barco. Cada ano é de um jeito, sempre foi assim. Mas, nos últimos dois anos, as aulas tiveram que acabar mais cedo. Muito mais cedo do que em qualquer outro ano", conta Valdenilza Maia, 37, diretora da escola indÃgena Maria do Carmo, em Careiro, municÃpio na região metropolitana de Manaus.
A escola fica em um igarapé no Paraná do Castanho Mirim, um braço do rio Castanho. A única forma de chegar até ela é com pequenos barcos, que em tempos normais conseguem navegar pelo curso d’água. Já nos perÃodos de seca, o trajeto à escola se torna intransponÃvel, tanto por embarcações quanto a pé.
A escola tem 60 alunos, que estão matriculados do 1º ao 9º ano do ensino fundamental, mas conta com apenas cinco professores. Assim, a partir do 4º ano as turmas se tornam multisseriadas, ou seja, juntam crianças de idades e séries diferentes.
Precariedade total
Além de ficarem quase cinco meses sem aula, as crianças também não têm em casa livros ou materiais escritos para treinar enquanto estão longe da escola. Os professores enviam lições para as férias e tentam desenvolver atividades de forma remota, mas esbarram na dificuldade de conexão da região.
Como o tempo de aprendizado é escasso, os professores priorizam nas aulas aquilo que poderá ser mais usado pelos alunos fora da escola. O ano letivo mais curto também prejudica os professores. O municÃpio de Careiro está há mais de 14 anos sem fazer concurso público para docentes, assim quase todos são contratados de forma temporária.
Situação generalizada
Um levantamento feito pelo QEdu, em parceria com o Iede (Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional), sugere que essa é a realidade da maioria das escolas indÃgenas que ficam na Amazônia Legal. O estudo identificou que nessa região apenas 11% das unidades escolares de zonas rurais têm o Ideb calculado para os anos iniciais do ensino fundamental. E apenas 17% para os anos finais.
"Quase 90% dessas escolas não são avaliadas, o que significa que o poder público não as acompanha. E assim, não sabe quais são as dificuldades enfrentadas para poder formular polÃticas que as ajude a superá-las", diz Luana Bunese, coordenadora do QEdu.
O levantamento mostra ainda que o desempenho escolar nessa região é inferior à média nacional. Em 2022, por exemplo, o paÃs tinha 51% de seus estudantes do 5º ano com aprendizado adequado em português. Na Amazônia Legal, essa proporção cai para 37% e chega a 34% para a população indÃgena.
No 3º ano do ensino médio, apenas 1% dos alunos indÃgenas da Amazônia Legal atingem o nÃvel considerado adequado em matemática.
Segundo o Censo da Educação Básica de 2022, o paÃs tinha 129.574 crianças indÃgenas matriculadas nos anos iniciais. O número de matrÃculas cai para 96.049 nos anos finais e despenca para 44.103 no ensino médio - ou seja, apenas um terço chega na última etapa da trajetória escolar.
Foto: Redes Sociais
(Com a Folha)