Mãe e avó choram perdas na Ilha do Marajó, onde a violência impera e as soluções custam a chegar

De Breves, passando por Anajás e Melgaço, ecoam gritos de socorro e por justiça contra abusos de crianças e adolescentes.

08/06/2024 11:00

Dona Marinete tem uma neta de 2 anos de idade desaparecida há oito meses; dona Aldenira perdeu o filho Heron, abusado sexualmente e morto/Fotos: Coluna Olavo Dutra.


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a manhã calorenta da última quinta-feira, 6, em Melgaço, Arquipélago do Marajó, distante mais de 250 quilômetros de Belém, representantes da Comissão de Direitos Humanos do Senado da República e de entidades diversas dividiram a mesma mesa para ouvir relatos de um crime recorrente na região: violência sexual contra crianças e adolescentes.

 Um dos casos mais dramáticos expostos na audiência envolve o desaparecimento da menina Elisa - Elisa Ladeira Rodrigues, de apenas dois anos de idade, oito meses atrás, e sem solução.

Ocorreu em Anajás, distante 360 quilômetros de Belém e há 126 quilômetros de onde se reunia a Comissão do Senado. No início das investigações, dois suspeitos foram presos, mas um morreu na Central de Triagem da Marambaia de mal súbito; o outro segue preso desde março. E ninguém sabe de Elisa.

 Lado negro da ilha

Diferente das páginas dos jornais em tempos de festas e veraneios e das imagens vendidas a turistas no Brasil e no mundo, a maioria dos 16 municípios do Marajó são regiões isoladas, de difícil acesso e pobres de marré, marré - e a pobreza, via de regra, é a chave para os abusos contra as comunidades locais, sejam crianças, adolescentes ou não. A violência atende por vários nomes, mas é marcante qualquer que seja a circunstância, especialmente quando os governos insistem em proselitismos e não mais que isso. Todos fazem.

O desaparecimento da menina Elisa - Elisa Ladeira Rodrigues, de apenas 2 anos, que completou oito meses em maio deste ano, é apenas mais um caso.

"Se eu chorar um pouco, me desculpem, porque vai fazer nove meses que minha neta está desaparecida e eu não sei onde ela está”, relata Dona Marinete, uma avó desolada, em depoimento tão dramático que carregou o clima na sala de audiência. “É muito triste o que estou passando: minha filha, mãe da criança, está sem condições emocionais”, conta, acrescentando que, no desenrolar das investigações, “um homem levou seis crianças para uma área de mata e voltou só com cinco: uma delas teria visto um homem negro levar Elisa”. Dona Marinete pede justiça.

Mãe de 57 anos de idade, Aldenira Machado também dá conta de uma desgraça pessoal e igualmente insuperável. Seu filho Heron, de 11 anos, foi violentado sexualmente e morto na cidade de Breves, não tão distante de Belém, a capital, mas longe de Melgaço e de Anajás. O crime ocorreu cinco anos atrás.

Caminhos tortuosos

Um sábio contemporâneo e amigo da coluna costuma dizer que quando os governos não querem dar solução a um problema criam um comitê, no caso, uma comissão, como a do Senado, com todo respeito aos nobres senadores e demais integrantes. Audiências públicas representam bem menos do que uma ação incisiva de governos, sem viés político, mas direcionada, ficada no “xis” da questão. No caso do Marajó, já não basta ouvir a desgraça que se abate sobre a população pobre, mas urge uma providência capaz de ao menos amenizar as dores de um povo que sofre, chora, reclama e denuncia, mas não obtém resposta. Alguém tratará a menina Elisa de volta à Dona Marinete? E quanto a Heron, os culpados foram identificados e punidos?

Por enquanto, os relatos apenas confirmam as suspeitas: a impunidade impera e o discurso prolifera, em que pese a boa vontade de quem realmente, persegue uma solução.

"Discutir e colaborar"

 “Nosso intuito é discutir a fundo, apurar detalhes dos casos, e buscar subsídios para colaborar pela elucidação, mas também buscar respostas que possibilitem qualidade de vida a crianças, adolescentes, e, especialmente, as mães. Temos que rever leis, mas possibilitar condições de produção da população marajoara”, avaliou o senador Zequinha Marinho, que presidiu e propôs a audiência.

Até chegar ao Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, o relatório deverá ser aprovado na Comissão de Direitos Humanos do Senado, tempo em que Dona Marinete continuará procurando a menina Elisa e Dona Aldenira chorando a perda de Heron.

O caso da menina Elisa está expresso nos números do Conselho Tutelar de Anajás. Um total de 28 crimes contra crianças e adolescentes foi registrado na cidade no ano de 2023, 26 deles relacionados ao sexo feminino. Desse universo, 11 foram contabilizados na zona rural, e 17 na zona urbana. De 2016 a 2023, 149 casos foram identificados, 66% fora da família, e 34% no seio familiar.

Crimes recorrentes

“Esses crimes acontecem na minha cidade acentuadamente: crianças que já foram abusadas por diversos dias seguidos e crianças que tinham que se enrolar na rede para não serem mais violentadas”.

“A menina Elisa, também foi violentada: quando recebemos a notícia, mesmo com toda a estrutura que o Estado deu, até com cachorros farejadores, não conseguimos encontrar. Ela não era dada como morta”, conta Ângelo Menezes, ex-conselheiro tutelar que prestou depoimentos na audiência.

A mão da Justiça

Com uma fala dura, a representante do Instituto Dom Azcona, irmã Henriqueta Cavalcante, apontou a falta de investimentos em infraestrutura das cidades marajoaras, sendo uma das maneiras de se combater o problema da exploração sexual, mas também algumas decisões da Justiça, vista como benevolente com os acusados de praticar os crimes.

“Quando ele deveria ser transferido para Belém, e para o presídio, simplesmente a autoridade daquele município determinou prisão domiciliar, e hoje o cidadão está solto. A gente precisa dizer que um dos problemas graves que temos é a impunidade”, destacou Henriqueta.

 

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