Não se pode negar que a pesca industrial, ícone importante da geração de riquezas em várias regiões do planeta, tem um potencial significativo no Brasil, dada a vasta extensão da costa nacional - com cerca de 8.500 km - e sua notável diversidade de recursos marinhos. Porém, dramáticos pontos de estrangulamento atrapalham o seu pleno desenvolvimento.
Em primeiro lugar, a falta de estatísticas confiáveis sobre os (reais) estoques pesqueiros tem sido apontado como algoz na precarização da gestão eficiente do setor. Fragmentada como em poucos lugares do mundo, a gestão da pesca no Brasil abriga a sobreposição de competências entre órgãos federais, estaduais e até municipais. É muito cacique para pouco índio, inclusive porque, lá na ponta, paira uma inexplicável multiplicação de entidades representativas dos atores, classificadas em colônias, associações, cooperativas, sindicatos e federações. O fato mais tumultua que edifica caminhos para o efetivo fortalecimento da atividade econômica.
Outra questão crucial é a sobreexploração das espécies comerciais, escrutadas à quase exaustão em razão da ausência de regulamentação específica e fiscalização eficiente. Ou seja, como a pesca predatória acabou banalizada, pouco ou quase nada combatida, a captura de espécies jovens acaba comprometendo a renovação dos estoques, comprometendo o futuro da atividade pesqueira.
Essa dramática situação - a fiscalização inexistente ou insuficiente -, fruto da falta de recursos humanos, financeiros e tecnológicos, mas também da pouca vontade política, retroalimenta um cenário de absurda impunidade àqueles que perseguem o lucro a qualquer custo.
O outro lado da mesma moeda é que a a pesca ilegal, não declarada e não regulamentada, há muito deixou de ser "privilégio" de áreas remotas, já tendo assumido a responsabilidade por volumes gigantescos comercializados livremente, sem qualquer tipo de intervenção oficial. Vide a bizarra situação da "pedra" do Ver-o-Peso, de onde saem quantidades absurdas de pescado - fala-se lá em 100 toneladas/dia -, 80% disso para alimentar a Ceagesp/SP, sem qualquer tipo de processamento, controle sanitário ou fiscal.
Outra questão relevante diz respeito à infraestrutura, capenga, sofrível, deficiente: portos e instalações de desembarque são insuficientes e mal equipados, comprometendo a conservação, qualidade e a comercialização do pescado. A cadeia de frio é tão precária que há registros de constantes perdas pós-captura.
Em outro aspecto, não há como ignorarmos os impactos ambientais impostos pela pesca industrial ao ecossistema marinho - como a captura incidental de espécies não-alvo e a destruição de habitats. Muito menos as polêmicas geradas com a concorrência da pesca artesanal, que têm rendido conflitos sociais e econômicos aparentemente insanáveis, justamente por falta de políticas que equilibrem os interesses das partes.
A dependência de equipamentos e tecnologias importadas é outro ponto nebuloso, responsável por robustecer os custos, reduzindo a competitividade da pesca nacional. A timidez das inovação e o quase nenhum investimento em pesquisa e desenvolvimento, só retardam as ações mitigadoras e o descortinar de horizontes mais promissores.
Por sua vez, as exigências Internacionais, traduzidas em barreiras sanitárias e fitossanitárias, igualmente dificultam a exportação de pescado brasileiro, notadamente para a União Europeia. Aí nem se pode dizer que a culpa seja "dos gringos", pois é sabido que a falta de certificações internacionais limita a competitividade no mercado global.
Então, que ações seriam compatíveis com uma gestão sustentável dos recursos pesqueiros brasileiros?
Em primeiro, segundo e terceiro lugares, o Brasil precisa conceber planos de manejo pesqueiro baseados em dados científicos e, em casos especiais, implementar cotas e períodos de "defeso" confiáveis, a fim de garantir a renovação e sustentabilidade dos estoques.
Isto, é claro, não trará resultados sem o fortalecimento da fiscalização, investimento substanciais em tecnologias de monitoramento - inclusive com satélites e drones - para combater ostensivamente a pesca ilegal.
Finalmente, o Brasil precisa promover o consumo interno de pescado - que ainda é baixo -, através da diversificação de produtos como filés, enlatados e processados que agreguem valor à proteína.
Está mais que na hora de o governo parar de adiar políticas que promovam, efetivamente, a coexistência sustentável entre a pesca industrial e a artesanal, definindo nítidas fronteiras e critérios coerentes a cada atividade. Também precisa monitorar os impactos das mudanças climáticas sobre os estoques pesqueiros, adaptando as práticas de pesca sempre procurando minimizar os efeitos do aquecimento global com foco na sustentabilidade.
Por fim, faz-se crucial que o Brasil construa uma narrativa positiva sobre a sua pesca, destacando seu compromisso com a sustentabilidade e a qualidade dos produtos. Com políticas públicas eficientes e a colaboração intersetorial, a pesca industrial brasileira pode restabelecer sua antiga robustez, contribuindo para a segurança alimentar e o desenvolvimento do País.
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*José Croelhas é economista, consultor, escritor e palestrante.