Governo do Estado recua, mas ‘projeto-bomba’ de reformulação da máquina causou estragos

A proposta estava em análise na Comissão de Justiça até segunda-feira, quando iria a plenário, mas teria sido retirada por “ordem direta do governador”, por conta da repercussão negativa.

12/12/2024, 08:14
Governo do Estado recua, mas ‘projeto-bomba’ de reformulação da máquina causou estragos
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m documento de 180 páginas encaminhado pelo governo do Estado à Assembleia Legislativa explodiu na manhã de ontem como uma bomba administrativa, mas sinais anteriores já sinalizavam a medida - conforme a Coluna Olavo Dutra antecipou -, sem, contudo, prever efeitos tão dramáticos e devastadores.


Presidente da CCJ, deputado Eraldo Pimenta não sabia da decisão do governador, confirmada pelo secretário Jarbas Vasconcelos, até o final da tarde/Fotos: Divulgação.

Trata-se da proposta de reformulação da estrutura administrativa do Estado que, entre outros órgãos, implode a Fundação de Telecomunicações do Pará, a Funtelpa, criada há 47 anos, tornando-a mero “puxadinho” da Secretaria de Comunicação do governo. No bojo da proposta, que esmaga serviços relacionados a direitos humanos, grupos vulneráveis, jovens, idosos e outros segmentos, até ribeirinhos ficam órfãos, com a extinção sumária da Companhia de Portos e Hidrovias.

 

Meia volta, afinal?

 

Em meio à grita generalizada, porém, principalmente na Funtelpa, a noite de quarta-feira trouxe um alento: a informação de que, por uma razão qualquer, o governo havia retirado a proposta da Comissão de Constituição e Justiça da Assembleia, onde quatro analistas se debruçavam sobre o documento com a promessa de encaminhá-lo à presidência da casa na próxima segunda-feira. Essa informação não foi confirmada pela Comissão até o encerramento desta edição, embora veiculada por pessoas com expertise na Casa.  

 

Em contato com telefônico com a coluna, o presidente da Comissão, deputado Eraldo Pimenta, do MDB, confirmou apenas que o documento estava em análise até segunda-feira, contém 180 páginas e sugere uma “mexida importante” do governo na máquina administrativa, inclusive comentando a necessidade de “enxugamento” de algumas secretarias que não apresentam produtividade suficiente. Pimenta citou, hipoteticamente, o caso da Secretaria de Obras, que antes operava com dez projetos no Estado e que agora, com 50, não teve sua capacidade de pessoal aumentada. Em contato seguinte, sobre a retirada do projeto da Comissão pelo governo, prometeu “checar” - e mais não disse até o momento.  

 

Em grupo de mensagens, o titular da Secretaria de Igualdade Racial e Direitos Humanos, Jarbas Vasconcelos confirmou a retirada da pauta “por determinação pessoal do governador”.

 

Efeito demolidor

 

Pelo sim, pelo não, o projeto de Lei nº 701/2024 é um exercício de demolição de alguns setores considerados importantes no serviço público, da forma como está posto. Seus efeitos demolidores se multiplicam ante a noção geral de que, pelo buraco da agulha da Assembleia Legislativa, todo camelo passa, o que não parece o caso, a se confirmar a retirada do projeto.

 

Na prática, a reforma administrativa ou reorganização administrativa na proposta apresentada pelo governo estadual extingue órgãos, provoca fusão de unidades administrativas e absorve secretarias dentro de outras secretarias, o que leva os observadores de plantão a especular sobre a criação de 'supersecretarias'.


Redução de custos

 

No texto do projeto, o governo justifica a mudança sob a alegação de enxugar a máquina para “reduzir custos com energia, água, telefonia, bens de consumo e serviços contratados” e se justifica em números: redução de 348 cargos comissionados, com economia anual estimada de R$ 139,1 milhões, e despesas de custeio, dentre outros, com expectativa de queda de R$ 240 milhões.


Na abordagem da comunicação pública e o papel da Funtelpa no contexto da reforma administrativa, sabe-se que a Secretaria de Comunicação absorverá a Fundação. Na página 20 do texto, o Executivo lança o papel da pasta de comunicação no processo da reforma administrativa, o que gera o grande debate público e o sentimento de indignação diante da possibilidade da redução do papel da Funtelpa na política relacionada à comunicação pública no Pará.


O que será o amanhã?

 

Em sete artigos - do 27 ao 34 -, a redação do projeto institui o caminho futuro da Funtelpa. Os artigos 28 e 29 definem a redistribuição dos servidores para a Secom. No artigo 31, cria-se o cargo de secretário-adjunto, que passa a integrar o quadro de cargos da Secretaria de Comunicação. E no artigo 32, que passa a integrar o anexo III da lei de criação da Secom (7.056/2007), criam-se também 24 cargos comissionados vinculados à Secretaria. Sabe-se que atualmente existem 91 comissionados na estrutura da Funtelpa. A Fundação dispõe de um Plano de Carreiras, Cargos e Remuneração dos Servidores e conta com um quadro de 393 cargos.


Fala quem conhece

 

Dada a comoção em que o caso afundou funcionários da Funtelpa, a coluna ouviu ex-presidentes da Fundação, ontem. A jornalista Adelaide Oliveira não escondeu a contrariedade à proposta do governo e ressaltou a importância da estrutura pública estadual e toda a rica produção jornalística, audiovisual, além das diversas campanhas atreladas à prestação de serviços públicos, como aquelas relacionadas às pautas de direitos humanos.

 

“No momento em que o mundo discute o combate às fake news, a gente vai extinguir emissoras públicas que têm compromisso com o público?”. “Aí existe uma distinção entre emissora pública e ter autonomia, ter orçamento próprio, virar um apêndice de uma Secretaria da Comunicação e cair na rubrica de publicidade. Eu temo muito pelo futuro da Funtelpa”, lamenta a jornalista, que presidiu a Fundação por duas vezes.

“Eu lamento muito essa decisão. Acho extremamente equivocada, vai na contramão de quando você pensa em uma comunicação pública forte”, diz ela.


Ney Messias, que esteve à frente da Funtelpa entre 2011 a 2013, adotou um tom mais ameno, mas não menos crítico.  “Minha opinião é que antes de fazer juízo de valor, eu preciso entender algumas áreas que não foram explicitadas no projeto, e creio que o governo deve explicar. Não sei como está hoje, mas lembro que toda a produção da TV e da Rádio Cultura, por exemplo, era composta por DAS, em função até da especificidade de cargos, ou por problemas regimentais. Como deve ficar essa área? Isso para falar de apenas de uma área. A produção será terceirizada? Os DAS atuais continuarão prestando esse serviço, sendo dirigidos para outros órgãos?


Nas redes sociais fala-se muito sobre transmissão de Parazão, mas esse já é um evento terceirizado, até onde sei, mas como ficará a transmissão?  A Rádio Cultura, importantíssima para a produção e difusão da produção musical deste Estado, está com sua continuidade de funcionamento garantida? O quadro de produtores, locutores, operadores e programadores vai ser mantido? Se não, com qual material humano a Rádio Cultura irá operar?  Nem falo dos concursados, porque esses, bem ou mal, têm seus direitos garantidos, mas o que farão com os funcionários extremamente competentes que trabalham lá, e que não tem concurso público, mas anos de casa?” Prefiro esperar os esclarecimentos, já colocando essas reflexões, e fico na torcida para que entre erros e acertos, a comunicação pública saia fortalecida”, finaliza Ney Messias.


“Não vai ficar assim”

 

Os Sindicatos dos Jornalistas do Pará e dos Trabalhadores das Empresas de Radiodifusão também se manifestaram contra o projeto e prometem adotar “medidas jurídicas e políticas possíveis para defender a comunicação, os serviços públicos e os servidores da Funtelpa”.

 

Papo Reto

 

· Não basta “anular” e transformar a Funtelpa em “puxadinho”: o que se diz é que a Fundação está em falta no item recolhimento previdenciários dos servidores.

 

· Embora a informação não seja confirmada pela direção da Fundação, fala-se que o calote atinge 40 contribuintes da ativa e outros com tempo para aposentadoria.

 

· De autoria do deputado Eder Mauro (foto), projeto de lei cria mais um tipo de flagrante delito no Código Penal, o flagrante aprovado, que permite o uso de imagens de câmeras para configurar o delito em flagrante.

 

· O flagrante ocorrerá quando o suspeito for encontrado, em até 24 horas após o fato, e reconhecido pela vítima ou por terceiros que o identifiquem por meio de filmagem e foto em ação criminosa. 

 

· Ruídos nos bastidores políticos em Marabá: a Polícia Federal deve fazer uma operação contra candidatos a vereador que usaram e abusaram da estrutura do Estado com a distribuição de cheque moradia.

 

· Organizações de todo Brasil emparedaram o perdulário Ministério da Saúde cobrando a entrega de remédio para Atrofia Muscular Espinhal, que diz aguardar "resposta de laboratório sobre acordo".

 

· O FNDE promete, em 2025, ser absolutamente "implacável" na fiscalização do programa de alimentação escolar, única fonte de boa comida para milhares de alunos brasileiros.

 

· A medida é mais do que oportuna e inadiável, haja vista os raros registros de experiências exitosas e o excesso de denúncias de safadezas com o dinheiro da merenda escolar.

 

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