Articulação

Cenário geopolítico vira desafio para negociações na COP30, em Belém

Crise de confiança em relação a acordos multilaterais e saída dos EUA do Acordo de Paris eleva nível de dificuldade para o encontro.

13/04/2025, 12:00
Cenário geopolítico vira desafio para negociações na COP30, em Belém

Belém, PA - Não é leve a carga de expectativas que pesa sobre a COP30. Primeira conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas a ser realizada no Brasil, o encontro de Belém tem uma lista grande de tarefas para serem conduzidas, em um cenário geopolítico inóspito.


A crise de confiança nos acordos multilaterais, a saída dos Estados Unidos - o segundo maior poluidor mundial - do Acordo de Paris e a dura realidade do aumento já registrado de 1,5ºC na temperatura média global em 2024 tornam ainda mais complexa a missão do Brasil na condução das negociações.


A COP de Belém terá de apresentar caminhos para ampliar o financiamento climático, depois do resultado considerado pífio em Baku, no Azerbaijão, na COP29, quando as partes concordaram em direcionar US$ 300 bilhões/ano em repasses para que os países em desenvolvimento façam sua transição energética.


Porém, o volume mínimo de recursos necessários é da ordem de US$ 1,3 trilhão/ano até 2035. Para tanto, a presidência da COP30 elabora, junto com a presidência da COP29, um relatório com possíveis estratégias para se alcançar essa cifra - a ideia é propor uma reforma do sistema financeiro global, de modo que bancos de desenvolvimento e instituições financeiras tenham um papel mais ativo no financiamento climático.


Outra atribuição da presidência da COP30 será a coordenação de um relatório sobre as NDCs (sigla em inglês para Contribuições Nacionalmente Determinadas, os compromissos dos países perante o Acordo de Paris) para avaliar o quanto estão alinhados ao objetivo de 1,5ºC como teto para o aquecimento global.


Hoje, se todas as NDCs fossem implementadas, as emissões de gases de efeito estufa cairiam 2,6% em 2030 em relação a 2019, resultado bem aquém do corte proposto de 43% das emissões até o final da década.


Tanto destravar o financiamento climático quanto mover os países signatários do Acordo de Paris na direção de uma ação mais ambiciosa frente à mudança do clima são tarefas que dependem de cooperação e articulação política e esbarram em uma crise de confiança no multilateralismo, instigada pela ascensão ao poder de líderes populistas que confrontam a globalização.


Exemplo é a retirada, pela segunda vez, dos EUA do Acordo de Paris pelo presidente republicano Donald Trump, que vem acompanhada de corte generalizado de recursos à pesquisa da ciência do clima.


“O maior desafio hoje é o da cooperação. Ela está ferida de morte, com a maior economia do mundo fazendo uma virada de 180 graus na direção contrária”, diz Eduardo Felipe Matias, especialista em direito internacional.


Adaptação e negacionismo


Além de rechaçar o livre comércio global com seu tarifaço recém-anunciado, Trump é contrário à participação dos EUA em diferentes organismos de cooperação internacional. Também às voltas com lideranças à extrema direita que endossam o negacionismo climático, a União Europeia vem trocando sua posição progressista nas negociações por maior reticência, especialmente em relação à transferência de recursos.


O aumento dos gastos com defesa do bloco em razão dos conflitos em curso, sobretudo na Ucrânia, reduzem o espaço fiscal para o clima.


A diplomacia brasileira tem ainda o desafio de avançar na agenda de adaptação climática. O Objetivo Global de Adaptação, também estabelecido pelo Acordo de Paris, teve progressos nas duas últimas COPs, com a construção de uma estrutura e indicadores. Em Belém, espera-se que os países entreguem seus Planos Nacionais de Adaptação - NAPs, na sigla em inglês.


O Plano Clima, em elaboração pelo governo federal, contempla uma estratégia nacional de adaptação, com diretrizes tanto para cidades quanto para 16 setores da economia.


“O Brasil tem a chance de entregar um resultado concreto e promissor sobre adaptação, que precisa estar presente em decisões de energia, agricultura, orçamento público e setor financeiro”, diz Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa, organização dedicada à política climática.


Limitar o lobby dos combustíveis fósseis também é uma preocupação de mais de 260 organizações e cientistas de diversos países que assinaram uma carta, enviada à presidência da COP30 e à ONU, cobrando mecanismos contra conflitos de interesses. Na última COP, no Azerbaijão - grande produtor de petróleo e gás - mais de 1,7 mil lobistas do setor estiveram presentes, o que motivou protestos.


“Faltam regras sobre conflitos de interesse nas COPs. Essa lacuna permite que representantes da indústria fóssil atuem para enfraquecer os compromissos climáticos”, diz Olivia Ainbinder, coordenadora do programa de integridade socioambiental da Transparência Internacional, signatária da carta.


Foto: Agência Pará

(Com O Globo)

Mais matérias Cidades