Anarquia no céu, tristeza na terra: morre o Comendador da Ordem do Macaco Torrado

Raymundo Mário Sobral ascende aos 86 anos de idade e deixa um legado que ninguém haverá de contestar até a eternidade.

13/02/2025, 11:15
Anarquia no céu, tristeza na terra: morre o Comendador da Ordem do Macaco Torrado
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jornalista e cronista Raymundo Mário Sobral, imortal pela Academia Paraense de Letras era, sobretudo, dono do bom humor tão inabalável que se autointitulou Comendador - Comendador da Ordem do Macaco Torrado. O criador do Dicionário Papachibé e da Pensão da Cotinha, entre tantas “vidas e vivências”, morreu na noite de quarta-feira, 12, aos 86 anos, em consequência de uma pneumonia, em Belém. Nesta reportagem, a Coluna Olavo Dutra presta sua homenagem ao velho Sobral dos tempos de “A Província do Pará", certo de que Ubiratan Porto e outros companheiros de época que também se foram o aguardam. 

Raymundo Mário Sobral morreu ontem, aos 86 anos, vítima de pneumonia. Que bom que é imortal/Fotos: Divulgação.
Sobral nasceu Raymundo Mário no bairro do Umarizal e foi casado com dona Léa desde 1959. Trabalhou em jornais da capital paraense e, até pouco tempo antes de falecer, continuava desfiando seu humor sarcástico e afiado através da tradicional ‘Coluna Jornaleco’, no jornal “Diário do Pará”

Pensão da Cotinha  

Em 1979, Sobral fundou o tabloide PQP - Um Jornal Pra Quem Pode - isso mesmo: PQP, entenda -, no qual acentuou seu estilo muito pessoal usando o falar típico do paraense como forma de comunicação.  

É nesse pequeno jornal que Sobral desvenda as aventuras na Pensão da Cotinha, com os personagens que frequentavam a casa, além da dona do empreendimento, como Maria Canhotinha e o impagável Ocrides Candiru que, de tão famoso, mereceu homenagem em uma música de carimbó do também impagável cantor Pinduca, lançado com imenso sucesso. 

As histórias na Pensão da Cotinha e outras atividades tornaram possível uma homenagem da Escola de Samba Quem São Eles, escola do coração de Sobral, que, em 1987, fez dele tema da com enredo “O Escambau Ilustrado do Comendador”. 

Dicionário papachibé

Mas é no traduzir do linguajar paraense que faz de Sobral um dos nomes mais conhecidos da literatura no Pará, com o “Dicionário Papachibé - A Língua Paraense”, cuja primeira edição é de 1996, e teve mais cinco reedições revisadas e ampliadas e uma edição para crianças. Além dessas edições, ele escreveu mais dez livros, dois deles tendo como personagem principal o “Ocrides”.  

No dicionário, Sobral se esmera em traduzir expressões, verbetes e gírias paraenses, especialmente dos que vivem em Cametá, no baixo Tocantins, em uma missão que sempre se prolongava em estudos da cultura e do cotidiano paraense, visto que a linguagem é sempre dinâmica.  

Sobral também criou o famoso “Baile do Bumbum”, realizado sempre na época do carnaval que lotou, por muitos anos, o salão principal do emblemático “O Lapinha”, de José de Alencar, no bairro da Condor. Além disso, em quase todos os consultórios médicos de Belém era possível encontrar - e folhear - a revista Chá de Cadeira, também criada por ele, com diversões e passatempos para as longas horas de espera nas salas de recepção. 

Uma versão da Pensão da Cotinha chegou ao teatro e foi encenada por toda Belém.  Em 2016, Sobral sofreu um AVC, mas ainda que com os movimentos comprometidos e chegando a usar cadeira de rodas, não deixou de escrever.  

Réquiem para ele

A notícia da morte do Comendador Raymundo Mário Sobral foi recebida com grande tristeza por todos os que o conheceram, a família, amigos e os muitos fãs.  

A Academia Paraense de Letras, da qual Sobral era membro desde 2022, publicou nota de pesar: “O jornalista Raymundo Mário Sobral encerrou sua jornada terrestre, levando consigo a chama incandescente de uma vida devotada à palavra. Membro ilustre da Academia Paraense de Letras, percorreu por décadas incontáveis os meandros do jornalismo, com a paixão de quem sabe que a verdade, ainda que incômoda, é um alicerce da história. Estrela fulgurante da imprensa, erigiu seu nome entre os grandes da escrita, levando à cultura obras memoráveis e um dicionário regionalista, o ‘Dicionário Papachibé’, que eternizou a alma linguística do Pará. Entrincheirado no jornalismo crítico, lutou até o fim com a pena afiada e o espírito indômito. Conhecido como Comendador, sua verve permanece, reverberando como eco perene e imortal nas páginas que escreveu e no coração do povo, que o amava e o admirava. Paz à sua alma e conforto à sua esposa Lea e demais familiares”, diz a nota. 

O jornalista Walter Pinto se despediu assim do amigo e parceiro: “Raymundo Mário Sobral foi um jornalista criativo e original, que abriu espaço para os cartunistas contemporâneos paraenses". O ‘Jornaleco’, que publicou até antes da morte, sempre tinha uma charge como ilustração. Foi muito inspirado no humor do Pasquim, ao qual adicionou o tempero paraense, a pimenta de cheiro, a fala popular, a gíria da rua e, em um jornal conservador como “A Província do Pará”, imagens de mulheres seminuas, como fazia, no Rio de Janeiro, o ídolo Stanislaw Ponte Preta. Além de anos de coluna, na qual se pode ver a cidade por um ângulo irreverente. É um tema para estudos acadêmicos que se oferece de forma gritante. Que Deus o receba no céu, onde encontrará o Chembra e o Roberto Jares, amigos dos bons tempos”. 

J. Bosco, cartunista de “O Liberal” e “Amazônia”, também se despediu: “Descanse em paz meu amigo e grande entusiasta do humor gráfico paraense. Você deixa um grande legado literário e anárquico com seu imortal Jornaleco, com quase 54 anos de existência. Sou orgulhoso por tudo que você me ensinou e incentivou quando cheguei na TV Marajoara, em 1980, com meus desenhos toscos, e você me abraçou, me lançou no mercado. Sou grato por tudo, meu nobre amigo, Comendador do Macaco Torrado, seus livros e seu grandioso PQP estão guardados em casa, com muito carinho. Você é a cara de Belém”, disse.  

O corpo de Sobral está sendo velado no Salão Barão de Guajará, da APL, desde às 5 horas desta quinta-feira, 13, onde irá receber muitos “rapapés e salamaleques”, como ele costumava saudar a todos.  

Papo Reto

·A Polícia Federal entrou em campo nos últimos dias em Belém para investigar suposta tentativa de atentado contra a vida do presidente Lula (foto), que desembarca hoje no Pará para cumprir compromissos oficiais.

·Além da capital, o presidente tem agenda no Pará. Em Parauapebas, por exemplo, Lula participa do anúncio do Projeto Novo Carajás, da mineradora Vale, que prevê investir R$ 70 bilhões na exploração de ferro e cobre.

·Lula vai lançar programas no auditório do Basa, hoje, onde funcionários considerados de esquerda ficarão no prédio - e estão até colaborando na arrumação do evento - e os identificados como de direita foram liberados do serviço o dia todo.

·Aliás, uma candidata ao cargo de conselheira federal do Conselho Federal de Engenharia e Agronomia no Pará também entrou na mira da PF.

·As investigações apontam suposta manipulação de dados e votos em duplicidade, segundo fontes do Conselho em Belém.

·Chega a notícia de que ventos de esperança começaram a soprar pelas bandas do Ophir Loyola, depois que a nova direção, como forma de enfrentar a crise interna, começou a "chamar para o diálogo" cada setor do hospital.

·O governador de Minas Gerais, Romeu Zema, do Novo, “embarcou” nas gozações públicas sobre a alta do preço dos alimentos ao divulgar vídeo comendo banana com casca, para economizar.

·O gosto não é lá muito bom, disse, mas pode ajudar. Zema teve o acompanhamento de uma nutricionista.

·O post mereceu pronta reação do ministro dos Transportes, Renan Filho, atribuindo a postagem a “uso político” por parte do governador que, dizem, também quer ser presidente da “República das Bananas”.  

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