A Organização Mundial da Saúde
(OMS) agora recomenda que os países incluam o lenacapavir — um
medicamento recém-aprovado para prevenção do HIV — como ferramenta
nas estratégias de combate à infecção pelo vírus, especialmente para os grupos
mais vulneráveis e em regiões onde a carga do HIV ainda é alta.
A recomendação global foi
anunciada nesta segunda-feira (14) durante a Conferência Internacional de AIDS,
realizada em Kigali, Ruanda. Ela surge cerca de um mês após a aprovação do
lenacapavir pela Food and Drug Administration (FDA), agência reguladora dos
Estados Unidos, como uma injeção semestral para a prevenção do HIV.
O medicamento já havia sido
aprovado em 2022 para o tratamento de infecções específicas por HIV e, em estudos voltados à prevenção, demonstrou
reduzir drasticamente o risco de infecção, oferecendo proteção quase total
contra o vírus.
“Essas novas recomendações foram
pensadas para aplicação no mundo real. A OMS está trabalhando de forma próxima
com os países e parceiros para apoiar a implementação”, afirmou a Dra. Meg
Doherty, diretora do Departamento de Programas Globais de HIV, Hepatites e
Infecções Sexualmente Transmissíveis da OMS, durante uma coletiva de imprensa.
“A primeira recomendação é que o
lenacapavir, uma injeção de ação prolongada, seja oferecido como mais uma opção
de prevenção para pessoas em risco de HIV, como parte de uma estratégia
combinada de prevenção. Trata-se de uma recomendação forte, com nível moderado
a alto de certeza nas evidências”, explicou Doherty. A segunda diretriz
recomenda o uso de testes rápidos — como os testes caseiros — para triagem de
HIV no início, durante ou ao interromper o uso de medicamentos de prevenção de
longa duração, conhecidos como profilaxia pré-exposição (PrEP).
O HIV é transmitido
principalmente por meio de relações sexuais sem proteção ou pelo
compartilhamento de agulhas. O vírus ataca o sistema imunológico e, sem
tratamento, pode evoluir para a síndrome da imunodeficiência adquirida (Aids). Segundo a OMS, cerca de 40 milhões de pessoas viviam
com HIV no mundo até o fim de 2023.
Preocupações com o financiamento
global da resposta ao HIV
A PrEP já é usada há anos na
prevenção da infecção pelo HIV. Nos Estados Unidos, essa prevenção pode
envolver medicamentos em comprimido, como o Truvada (uso diário), ou injeções,
como o Apretude (a cada dois meses).
Mas a injeção semestral de
lenacapavir, também chamada de LEN, surge como uma nova opção na “caixa de
ferramentas” da prevenção — não apenas para os EUA, mas para o mundo todo.
“O LEN é uma opção injetável a
cada seis meses e pode ser especialmente atraente para pessoas que preferem
menos visitas à clínica ou que enfrentam dificuldades com a PrEP oral diária.
[...] Ele pode melhorar a adesão e alcançar mais pessoas que precisam de
prevenção contra o HIV, inclusive grávidas e lactantes”, disse Doherty.
A diretora informou ainda que a
OMS está oferecendo assistência técnica a países interessados em adotar o LEN e
estratégias de testagem simplificadas, em coordenação com parceiros globais
como o Fundo Global, o UNAIDS e outras organizações e financiadores. “Apelamos
para que governos, financiadores, gestores e a sociedade civil trabalhem juntos
para implementar e integrar o LEN aos programas de HIV. Acreditamos que o
momento de agir é agora”, afirmou.
Há uma crescente preocupação com
o enfraquecimento do financiamento para ações globais de prevenção ao HIV.
Segundo a ONU, 80% dos programas
de prevenção nos países de baixa e média renda dependem de assistência
internacional. Nos últimos seis meses, porém, os Estados Unidos reduziram de
forma significativa o financiamento de parte dessa ajuda externa.
A administração Trump desmantelou
a Agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional (USAID) e reduziu o
financiamento ao PEPFAR — o Plano de Emergência do Presidente dos EUA para o
Alívio da AIDS —, que representa o maior compromisso já feito por um país no
combate a uma única doença.
A farmacêutica Gilead Sciences,
fabricante do lenacapavir, anunciou na quarta-feira (10) que firmou um acordo
com o Fundo Global para fornecer o medicamento para prevenção do HIV sem fins
lucrativos. Pelo acordo, o preço do lenacapavir refletirá apenas os custos de
produção e distribuição.
“Estamos fornecendo o medicamento
sem lucro para a Gilead e em quantidade suficiente para alcançar até dois
milhões de pessoas em países de baixa e média renda antes que versões genéricas
do lenacapavir estejam disponíveis”, afirmou o presidente da empresa, Daniel
O’Day, em comunicado. O valor exato do medicamento, no entanto, permanece
confidencial.
Nos EUA, até o momento o único
país a aprovar o lenacapavir para prevenção, o preço de tabela anual do
medicamento é de US$ 28.218. Segundo a Gilead, esse valor é semelhante ao de
outras opções de prevenção disponíveis.
O lenacapavir pode “mudar
fundamentalmente a trajetória da epidemia de HIV”, mas isso só será possível se
chegar a quem mais precisa, afirmou Peter Sands, diretor executivo do Fundo
Global. “Nossa meta é alcançar 2 milhões de pessoas com PrEP de longa duração.
Mas só conseguiremos se o mundo contribuir com os recursos necessários. Este é
um momento decisivo — não apenas para o combate ao HIV, mas para o princípio de
que inovações que salvam vidas devem chegar a quem mais precisa — onde quer que
vivam, e quem quer que sejam.”
"É uma bomba-relógio"
Um relatório da ONU divulgado na
quinta-feira (11) alerta que milhões de pessoas podem morrer por causas
relacionadas ao HIV até 2029 caso o financiamento dos programas desapareça de
forma permanente.
Entre os 60 países de baixa e
média renda analisados, 25 indicaram que pretendem aumentar seus orçamentos
nacionais para a resposta ao HIV no ano seguinte. Mas, segundo o relatório,
isso pode não ser suficiente para compensar a perda da ajuda internacional da
qual esses países ainda dependem fortemente.
“Sabemos que o PEPFAR havia se
comprometido a investir US$ 4,3 bilhões em mais de 50 países em 2025, e esse
apoio foi abruptamente encerrado em janeiro de 2025”, disse Mary Mahy, diretora
do departamento de Dados para Impacto do UNAIDS, em coletiva de imprensa.
“Se nenhum financiamento
substituir o do PEPFAR, podemos esperar cerca de 4 milhões de mortes adicionais
entre 2025 e 2029, e mais 6 milhões de novas infecções”, afirmou. “Sabemos
também que pode haver surgimento de resistência aos medicamentos em pessoas que
deixarem o tratamento.”
Segundo Mahy, alguns países já
estão enfrentando os efeitos da redução dos recursos. Na Nigéria, centros de
saúde relataram que cerca de 40 mil pessoas receberam PrEP ao menos uma vez no
fim de 2024. Esse número caiu para menos de 7 mil em abril de 2025, conforme
dados do UNAIDS.
Tendência semelhante foi
observada no Quênia, onde houve queda no número de mulheres vivendo com HIV que
deram à luz recentemente e receberam medicamentos para reduzir o risco de
transmissão ao bebê. Cerca de 3 mil mulheres haviam recebido os medicamentos e
quase 900 iniciaram o tratamento em outubro de 2024. Em abril, esses números
caíram para aproximadamente 300 em acompanhamento e apenas 100 começando o uso
dos medicamentos.
“Não se trata apenas de uma
lacuna de financiamento — é uma bomba-relógio. [...] Vimos serviços
desaparecerem de um dia para o outro. Profissionais de saúde foram dispensados.
E pessoas — especialmente crianças e populações-chave — estão sendo deixadas de
lado”, alertou Winnie Byanyima, diretora executiva do UNAIDS, em comunicado.
“Ainda há tempo para transformar essa crise em oportunidade”, concluiu. “Países estão se mobilizando com recursos próprios. Comunidades estão mostrando o que funciona. Agora, precisamos de solidariedade global para acompanhar essa coragem e resiliência.”
Fonte: CNN
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