elém nem sonha com que está acontecendo em áreas de proteção ambiental da cidade. Atento observador da Coluna Olavo Dutra se diz assustado e muito preocupado com o que viu - e, pior, sem a menor fiscalização dos órgãos competentes. O relato é de quem está habituado a fazer trilhas de bicicleta, a partir do Parque Estadual do Utinga, buscando caminhos entre a mata densa da região já bastante frequentada.
Um dos pontos de referência atende
pelo nome de “Point do Lulu”, que era quase inacessível, especialmente na época
de chuvas mais abundantes. Quatro anos depois de “descoberto”, o
“point” virou um grande balneário, com muitas opções de lazer, às margens do
rio Aurá. É como visitar um dos badalados restaurantes da Ilha do Combu, sem
precisar atravessar o rio.
Nos fins de semana, o “Point do
Lulu” bomba, graças às melhorias introduzidas para atrair visitantes. Tal qual
os restaurantes do Combu, até piscina tem por lá, além de rampas de
madeira para banho no rio e bares. Quem ainda não sabe que há uma
forma de acessar o “Lulu” por meio de carro, vai de bicicleta, porque foram os
ciclistas que deram fama e notoriedade ao “point” nos últimos
tempos.
Desbravando a mata
Tem até sinalização nas trilhas.
Talvez por isso há pessoas que encaram os quatro quilômetros a pé,
caminhando por dentro do Parque do Utinga, a partir do qual, com mais
três quilômetros de trilha, acessar o “point”, perfazendo algo em torno de 14
quilômetros, ida e volta. Ninguém reclama. Afinal, trata-se da essência do
contato com a natureza.
A questão da ocupação de espaços urbanos por
moradores é séria, mas ninguém parece se importar, mesmo porque o “Point do
Lulu” ainda é o único balneário nesse ponto do rio Aurá, um afluente
acanhado do Guamá, não se sabe até quando.
Em nome de Jesus
Uma comunidade ocupa uma das margens
ao longo do rio Aurá, com uma escola municipal e uma onipresente igreja
evangélica que, ainda em construção, celebra cultos regularmente, enquanto o
“Point do Lulu” aumenta seu espaço bucólico.
A estrada e o porto
O caminho para o “Point do Lulu” se
cruza com os caminhos que dão acesso a locais importantes para a população
de Belém. A trilha atravessa o caminho da imensa adutora de captação de
água no rio Guamá para os lagos Bolonha e Água Preta, que abastecem
Belém, sob gestão da Cosanpa. Passa pela área de pesquisa da fazenda de
búfalos da Embrapa e chega nas imediações do Porto da Ceasa.
A trilha segue diretamente por uma
Área de Proteção Ambiental e Histórica. Na parte histórica é onde se encontram
as ruínas do Engenho do Murutucu, onde está uma das capelas projetadas pelo
arquiteto italiano Antônio Landi. Na parte ambiental, há árvores de grande
porte que estão sendo derrubadas para a passagem da chamada avenida
Liberdade, cujas obras não param nem nos finais de semana.
Liberdade, liberdade
O que se sabe sobre essa avenida é
muito pouco. Apenas que será uma alternativa para escoar o trânsito de Belém, a
partir da avenida Perimetral, até a Alça Viária. As obras avançam a cada
dia, silenciosamente, mas, em agosto deste ano, já havia 20% das obras
completas. Ao todo, a avenida Liberdade terá 13,3 quilômetros de
extensão, duas faixas de tráfego em cada sentido e acostamentos amplos, além de
faixas exclusivas para ciclistas e iluminação solar. Ambientalistas de
plantão em Belém já se arvoram em apontar “crime ambiental em
progresso” nas obras da avenida, mas ninguém parece se importar.
Desfile macabro
Outro ponto de preocupação é a
estrada de acesso ao Porto da Ceasa. Nas décadas de 1980 e 1990, um projeto
almejou fazer do porto um local para que ribeirinhos e pequenos
agricultores descarregarem seus produtos sem precisar alcançar a
Ceasa via terrestre. Era um “voo de galinha”: a estrada foi
abandonada, o asfalto sumiu e o trapiche afundou.
Esse porto, aliás, foi palco de um
crime supostamente envolvendo agentes da Polícia Militar do Pará, que teriam
executado “Paulo Mapará”, no Bengui, e “desovado” o corpo nas adjacências
do porto. No momento em que consideraram adequado, os PMs retiraram o corpo do
local, colocaram sobre o capô de uma viatura e desfilaram macabramente com o
cadáver pelas ruas de Belém. Corria o ano de 1995.
Desordem e progresso
Ao longo da estrada que leva ao Porto
da Ceasa, mesmo em condições precárias, ora muita lama, ora muita poeira,
algumas famílias se estabeleceram e construíram casas. A calma do local
era visível, mas, em quatro anos, tudo por lá está revirado, com
as obras da avenida Liberdade de um lado, e a construção de pelo menos
quatro grandes balneários do outro lado, até chegar às margens do rio
Guamá.
É o mesmo “modus” que permitiu ao
“Point do Lulu” se estabelecer e progredir: para que atravessar de barco se é
possível chegar a balneários às margens dos rios Guamá e Aurá em pleno contato
com a natureza, a pé ou de bike? Na estrada para o Porto
da Ceasa, o barulho do som alto e estridente é perturbador. Há pessoas que
chegam de carro levando motos aquáticas e se atirando no rio, o que remete à
pergunta: onde anda a fiscalização e o controle, até pela segurança dos
frequentadores?
Resumo da ópera
A forma indiscriminada com que a ação
humana avança sobre as áreas de proteção ambiental deveria ser observada como
regra, não como exceção, mas quem sabe melhor são os órgãos de fiscalização.
Desde que “licença ambiental” virou “´potoca”, os empreendedores se sentem
livres para agir em defesa dos próprios interesses, em detrimento da maioria
silenciosa. Nada contra o “Point do Lulu” e seus frequentadores.