Exploração de áreas de proteção ambiental avança em Belém, mas fiscalização passa batida

Trilhas escancaram ocupações que se estabelecem e progridem silenciosamente nas cercanias da capital em nome do contato com a natureza, a partir do Parque do Utinga.

21/11/2024 08:00
Exploração de áreas de proteção ambiental avança em Belém, mas fiscalização passa batida
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elém nem sonha com que está acontecendo em áreas de proteção ambiental da cidade. Atento observador da Coluna Olavo Dutra se diz assustado e muito preocupado com o que viu - e, pior, sem a menor fiscalização dos órgãos competentes. O relato é de quem está habituado a fazer trilhas de bicicleta, a partir do Parque Estadual do Utinga, buscando caminhos entre a mata densa da região já bastante frequentada.


Entre as “novidades” descobertas o destaque é o “Point do Lulu”, ocupação às margens do rio Aurá, balneário com opções de lazer e até acesso rodoviário/Fotos: Divulgação.
 

Um dos pontos de referência atende pelo nome de “Point do Lulu”, que era quase inacessível, especialmente na época de chuvas mais abundantes. Quatro anos depois de “descoberto”, o “point” virou um grande balneário, com muitas opções de lazer, às margens do rio Aurá. É como visitar um dos badalados restaurantes da Ilha do Combu, sem precisar atravessar o rio.

 

Nos fins de semana, o “Point do Lulu” bomba, graças às melhorias introduzidas para atrair visitantes. Tal qual os restaurantes do Combu, até piscina tem por lá, além de rampas de madeira para banho no rio e bares. Quem ainda não sabe que há uma forma de acessar o “Lulu” por meio de carro, vai de bicicleta, porque foram os ciclistas que deram fama e notoriedade ao “point” nos últimos tempos.  

 

Desbravando a mata 

 

Tem até sinalização nas trilhas. Talvez por isso há pessoas que encaram os quatro quilômetros a pé, caminhando por dentro do Parque do Utinga, a partir do qual, com mais três quilômetros de trilha, acessar o “point”, perfazendo algo em torno de 14 quilômetros, ida e volta. Ninguém reclama. Afinal, trata-se da essência do contato com a natureza.

  

A questão da ocupação de espaços urbanos por moradores é séria, mas ninguém parece se importar, mesmo porque o “Point do Lulu” ainda é o único balneário nesse ponto do rio Aurá, um afluente acanhado do Guamá, não se sabe até quando. 

 

Em nome de Jesus

 

Uma comunidade ocupa uma das margens ao longo do rio Aurá, com uma escola municipal e uma onipresente igreja evangélica que, ainda em construção, celebra cultos regularmente, enquanto o “Point do Lulu” aumenta seu espaço bucólico.

 

A estrada e o porto 

 

O caminho para o “Point do Lulu” se cruza com os caminhos que dão acesso a locais importantes para a população de Belém. A trilha atravessa o caminho da imensa adutora de captação de água no rio Guamá para os lagos Bolonha e Água Preta, que abastecem Belém, sob gestão da Cosanpa. Passa pela área de pesquisa da fazenda de búfalos da Embrapa e chega nas imediações do Porto da Ceasa.  

 

A trilha segue diretamente por uma Área de Proteção Ambiental e Histórica. Na parte histórica é onde se encontram as ruínas do Engenho do Murutucu, onde está uma das capelas projetadas pelo arquiteto italiano Antônio Landi. Na parte ambiental, há árvores de grande porte que estão sendo derrubadas para a passagem da chamada avenida Liberdade, cujas obras não param nem nos finais de semana.  

 

Liberdade, liberdade

 

O que se sabe sobre essa avenida é muito pouco. Apenas que será uma alternativa para escoar o trânsito de Belém, a partir da avenida Perimetral, até a Alça Viária. As obras avançam a cada dia, silenciosamente, mas, em agosto deste ano, já havia 20% das obras completas.  Ao todo, a avenida Liberdade terá 13,3 quilômetros de extensão, duas faixas de tráfego em cada sentido e acostamentos amplos, além de faixas exclusivas para ciclistas e iluminação solar. Ambientalistas de plantão em Belém já se arvoram em apontar “crime ambiental em progresso” nas obras da avenida, mas ninguém parece se importar.  

 

Desfile macabro 

 

Outro ponto de preocupação é a estrada de acesso ao Porto da Ceasa. Nas décadas de 1980 e 1990, um projeto almejou fazer do porto um local para que ribeirinhos e pequenos agricultores descarregarem seus produtos sem precisar alcançar a Ceasa via terrestre. Era um “voo de galinha”: a estrada foi abandonada, o asfalto sumiu e o trapiche afundou.

 

Esse porto, aliás, foi palco de um crime supostamente envolvendo agentes da Polícia Militar do Pará, que teriam executado “Paulo Mapará”, no Bengui, e “desovado” o corpo nas adjacências do porto. No momento em que consideraram adequado, os PMs retiraram o corpo do local, colocaram sobre o capô de uma viatura e desfilaram macabramente com o cadáver pelas ruas de Belém. Corria o ano de 1995.

 

Desordem e progresso

 

Ao longo da estrada que leva ao Porto da Ceasa, mesmo em condições precárias, ora muita lama, ora muita poeira, algumas famílias se estabeleceram e construíram casas. A calma do local era visível, mas, em quatro anos, tudo por lá está revirado, com as obras da avenida Liberdade de um lado, e a construção de pelo menos quatro grandes balneários do outro lado, até chegar às margens do rio Guamá.  

 

É o mesmo “modus” que permitiu ao “Point do Lulu” se estabelecer e progredir: para que atravessar de barco se é possível chegar a balneários às margens dos rios Guamá e Aurá em pleno contato com a natureza, a pé ou de bike?  Na estrada para o Porto da Ceasa, o barulho do som alto e estridente é perturbador. Há pessoas que chegam de carro levando motos aquáticas e se atirando no rio, o que remete à pergunta: onde anda a fiscalização e o controle, até pela segurança dos frequentadores?

 

Resumo da ópera


A forma indiscriminada com que a ação humana avança sobre as áreas de proteção ambiental deveria ser observada como regra, não como exceção, mas quem sabe melhor são os órgãos de fiscalização. Desde que “licença ambiental” virou “´potoca”, os empreendedores se sentem livres para agir em defesa dos próprios interesses, em detrimento da maioria silenciosa. Nada contra o “Point do Lulu” e seus frequentadores.

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