Após 16 dias de ocupação da Seduc, governo do Pará não fecha acordo com os indígenas

Governador Helder Barbalho reuniu com 40 lideranças do movimento, mas não arreda pé e as discussões não avançam, apesar das repercussões negativas no ano da COP em Belém.

29/01/2025, 08:30

Encontro tenso e cheio de restrições impostas pelo governo fechou o tráfego na Almirante Barroso, mas indígenas relataram dificuldades de acordo/Fotos: Divulgação.


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dia 28 de janeiro foi o ápice da crise que o governo do Pará enfrenta com a ocupação da Secretaria de Educação por lideranças indígenas, até agora. O fato é que não se sabe o rumo que a ocupação irá tomar depois de uma reunião sem acordo entre as lideranças e o governador Helder Barbalho que varou a madrugada de hoje no Palácio dos Despachos.

Depois de muita pressão com a ocupação, que hoje a 16 dias, o governador aceitou fazer a primeira reunião com cerca de 40 lideranças indígenas do movimento. A reunião seguiu até quase meia-noite, e praticamente nada avançou.

Diálogo azedou

O que seria uma oportunidade de acordo, aumentou o tamanho do impasse diretamente com o chefe do Executivo estadual que, embora tenha ordenado o confisco dos celulares das lideranças que entrariam na reunião. Mas pessoas falam, e os relatos foram unânimes em afirmar que o governador deixou de responder a diversos questionamentos levantados pelas lideranças e, para piorar o que já estava ruim, recusou-se a atender a principal reivindicação do movimento, que é a revogação da Lei 10.820.

Cristian Arapiun, comunicador do Conselho Indígena Tapajós e Arapiuns, o Cita, liderança indígena que tem sido uma das vozes do movimento, relatou as dificuldades de negociação entre o governador Helder Barbalho e as lideranças indígenas. “A pauta principal - a revogação da Lei 10.820 - não está sendo atendida; ao contrário, está sendo ignorada, e o governador mantém o foco apenas em outras questões relacionadas à educação indígena, ignorando o impacto dessa legislação em outras comunidades”, disse o porta-voz.

Mais tarde, ele gravou um vídeo cercado de lideranças detalhando a reunião e citando que o governador Helder Barbalho demonstrou irritação e aborrecimento em vários momentos do encontro. Arapiun também relatou sobre o confisco dos celulares e da desconfiança em deixar os aparelhos em posse dos seguranças, já que alguns caciques e cacicas sequer usam senhas em seus aparelhos.

Alta blindagem

A segunda reivindicação desde o início, que é a demissão do secretário de Educação, também foi solenemente ignorada. Rapidamente, à medida que as notícias vazavam do interior do Palácio do Governo, ganhou a internet a pergunta “Quem segura o secretário”? “Que tipo de blindagem faz com que haja tamanha resistência da parte do governo”?

Mas, depois do difícil 28 de janeiro, uma pergunta também cabe: quem segura a teimosia do governador do Pará, que prefere colocar em risco sua imagem e capital político a recuar? Se tivesse sido feito na hora certa, revogar uma lei que já nasceu contrariando direitos da educação indígena, teria sido até um ato heroico e republicano.

Dia difícil na cidade

Em um único dia, as lideranças aceitaram se reunir no Palácio do Governo, depois de um primeiro cancelamento. Com a reunião ainda cancelada, o governador decidiu ir com a vice-governadora Hana Ghassan para inaugurar uma Usina da Paz em Castanhal, no aniversário da cidade, mas uma chuva diluviana se abateu sobre Belém e impediu a viagem.

Enquanto os indígenas fizeram literalmente a dança da chuva, o governador resolveu retornar do meio do caminho, de onde gravou um vídeo prometendo que retornará nesta quarta-feira, às 10 horas. Anúncio perigoso, já que o outro lado da educação, os professores em greve, organizaram um movimento para ontem que nada impede que seja feito hoje.

Retorno da pauta

Com o retorno do governador, a reunião foi mantida com início às 18 horas, mas, diante de muito medo das lideranças, foram recebidas por várias barreiras do Batalhão de Choque da PM. Para agravar tudo, o cidadão de Belém também “pagou o pato”. Mesmo com a mudança de horário para as 18 horas, desde às 14h o trânsito na avenida Almirante Barroso, no quadrante de entorno do Palácio do Governo, permaneceu bloqueado, causando aborrecimento geral no já congestionado trânsito da entrada e saída da cidade.

Repercussões na COP

Registrada em comentários nas muitas notícias que invadiram a web ontem, uma pergunta merece reflexão. “Se para garantia do direito à educação de qualidade os povos da floresta estão sendo tratados assim, vocês acreditam que serão ouvidos ou chegarão perto dos debates sobre o clima na COP?”.

Embora toda essa barulheira pareça não chegar aos ouvidos dos grandes veículos de comunicação do Pará, nem na TV estatal, e nem mesmo nos grandes veículos nacionais, foi ouvida fora das fronteiras brasileiras.

“Asinhas de fora”

No meio da tarde, o Instituto de Ciências da Educação da UFPA - instituição tida e havida como fora da organização da Conferência da ONU -,   publicou o vídeo em que a atriz e cantora basca Itziar Ituño, da popular série “La Casa de Papel”, que foi vista no mundo inteiro, mandou um recado às lideranças indígenas.

Ao lado de Juanpe Pedro Salvador, Joseba Serna e Rober Figuero, integrantes da sua banda, Itziar e os colegas manifestam apoio aos direitos dos povos originários na ocupação da Seduc. Na fala, a atriz se posiciona contra a Lei 10.820, menciona a Alepa e trata o governo do Pará como “governo brasileiro no Estado do Pará”.

Ou seja, para quem vê de fora, o Brasil ocupa a frente da trapalhada estadual, o que em ano de COP30 deveria ser tratado com muito, muito cuidado.


Papo Reto

·Mau sinal: a Conferência Internacional Infanto Juvenil sobre Educação e Mudanças Climáticas, prevista para acontecer em Belém em março, foi cancelada pelos organizadores. “Motivo de força maior” é a alegação.

·Curioso é que os organizadores passaram praticamente o ano inteiro consultando escolas da rede estadual com vistas a garantir a realização da conferência, um dos eventos que antecedem a COP30.

·O prefeito de Ananindeua, Daniel Santos (foto), encaminhou à Câmara de Vereadores o projeto que reajusta o salário mínimo dos servidores municipais para R$ 1.518,00.

·A mudança já vale para folha deste mês, que será paga sexta-feira agora e vai injetar, segundo a prefeitura, mais de R$ 8 milhões na economia de Ananindeua. 

· Confirmado: o grupo Finama incorporou a Faculdade Conhecimento e Ciência, em Batista Campos, onde passou a oferecer 100 vagas para o curso de Direito, 200 para bacharelado em Educação Física e 50 vagas para graduação em Gestão Desportiva e de Lazer.

·Vêm aí as novas regras para os vales refeição e alimentação, visando "aumentar o poder aquisitivo dos trabalhadores e diminuir os custos de transação", diz o governo federal.

·Todas as perícias agendadas para médicos em estado de greve serão automaticamente reprogramadas pela Dataprev para outro perito que não tenha cruzado os braços, garante o INSS.

·Agora foi a Justiça quem determinou que a 99 e Uber Moto suspendam imediatamente o serviço de mototáxi em São Paulo.

· Acredite, de cada dez diagnósticos de câncer de cabeça e pescoço no Brasil, oito são identificados já em estágio avançado, segundo pesquisa do Instituto Nacional do Câncer, publicada na revista científica internacional The Lancet Regional Health Americas.

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