arte expressiva da universidade brasileira precisa, urgentemente, descer do telhado escorregadio das “certezas” em que se encontra para, com os pés firmes no chão, voltar a mover-se com o desejável fito da dúvida criativa, própria do métier e do habitus acadêmico; uma atitude sempre condicionada ao aconselhável distanciamento do observador de seu objeto de análise, sem cujo “estranhamento” não existe a possibilidade de profícuas descobertas - e, no caso, da necessária autocrítica face aos contrabandos ideológicos das vãs “convicções”.
Sim, porque conhecimento científico - com os seus inerentes pré-requisitos - não se confunde com religião ou ideologia. Tem método próprio; lógica intrínseca - e não se guia pela “cegueira” da fé, mas pela “iluminação” da dúvida.
Apenas visto de longe é que o telhado
se oferece à retina numa perspectiva mais dilatada de seus contrastes com
a paisagem do entorno, sem o que não adquire caracterização distintiva
(identidade específica), ou discernimento inteligível (inteligibilidade
significativa). De cima dele, sem o imprescindível e recomendado
espaçamento, toda visão carece de uma melhor e mais fecunda angulação, de
vez que ausente o stand point adequado para a devida amplitude
da observação aconselhada.
As “certezas absolutas”, quando
manifestas num ambiente acadêmico, ou são equívocos (reprováveis), ou
primitivismo (indesculpável), ou má fé (abominável) - sobretudo se
alicerçadas em indisfarçáveis facciosismos ideológicos, travestidos de
falsa fidedignidade. No limite, viram “doutrina”, à medida que já
antecipam os resultados da “investigação” ao sabor das pré-noções e das
crenças, adaptando ou reduzindo a “realidade” às conveniências das suspicazes
premissas - e não o reverso, submetendo-se as hipóteses ao confronto dos
fatos.
A ideologização do conhecimento e a
sua afirmação como “verdade inconteste” (ou “pensamento único”) é o maior
desserviço que uma instituição universitária pode fazer à sociedade, que a
sustenta. Neste caso, trata-se de um engodo; de uma cilada; de uma
enorme trapaça, a condenar à inutilidade toda uma geração de jovens que,
ali ingressos, candidatos ao progresso cognitivo e à autonomia
intelectual, terão sido simplesmente reduzidos - sob o azáfama da ditadura do
dogma - ao papel de meros (e eunucos) acólitos de ardilosas
seitas, restando-lhes, ao final da trajetória, nada mais que falsos
diplomas de papel sem lastro, enrolados por fitas de brilho fictício - e
uma provável incapacidade profissional.
Arrogância insustentável
Ao negar-se à dúvida, à investigação
isenta, ao pluralismo de ideias, à convivência civilizada dos contrários
- enfim, à autêntica e genuína dialética do conhecimento -, a
Universidade desliza, perigosamente, no próprio telhado de vidro em que
se colocou, acometida por “vertigem” súbita, advinda da “falta de ar”,
privativa de quem se encontra nas incautas “alturas” da insustentável
arrogância, desprovida de equipamento intelectual adequado à ambientação
de nível superior, ao que é recomendada.
Urgentemente, de modo igual, a
universidade brasileira precisa se engajar nos prementes e árduos
enfrentamentos do desenvolvimento nacional - únicos e singulares em sua
complexidade e substância -, não se eximindo de colaborar com os desafios da
inovação (tanto no setor público, quanto no da iniciativa privada) e superando,
de uma vez por todas, a fantasmagoria de que tudo é “privatização”, como
se o conhecimento colocado à serviço da solução efetiva dos problemas que
afligem a sociedade e que obstaculizam os avanços econômicos fosse uma
capitulação imperdoável aos “malditos” e “gananciosos” imperativos do
capital - o “diabo” sob a forma de classe social.
Um mundo paralelo
Esquivam-se, os inautênticos
“progressistas”, de admitir que nenhuma instituição histórica
pode sobreviver num mundo paralelo ou numa “bolha” imaginária, impermeável
às naturais contradições das conjunturas e das épocas, como se estivesse
numa “ilha da fantasia”, voltada exclusivamente para dentro de si,
alienada da inescapável historicidade de vínculo e apartada da
intransponível realidade de inserção. Olvidam-se, outrossim, de reconhecer -
talvez para não “despertar” os mais ingênuos - que grandes universidades,
como a alemã e a francesa, sempre lideraram as revoluções científicas e tecnológicas
em seus países (e no mundo) em parceria com a iniciativa
privada (!), nem por isso perdendo o caráter público de
sua razão social e patrimonial, mas afirmando-o e legitimando-o na justa
medida de sua eficiente e estratégica utilidade, demonstrada perante as
respectivas pátrias por meio dos resultados palpáveis de suas atuações.
Legado sob ameaça
A universidade brasileira, de longas
lutas e heroicos sacrifícios, não pode perder todo esse majestoso legado por
injunções obscurantistas de ocasião. Não deve permitir que as artimanhas dos
arrivistas de plantão, que se contrapõem ao restante sadio do tecido acadêmico,
imponham-se ao conjunto da instituição como falsos axiomas, de tóxicos e
lesivos efeitos intelectivos, mas de miúda e indefesa sustentação. Pois o
desafio do conhecimento - o maior patrimônio da humanidade - exige,
impreterivelmente, honestidade intelectual e esforço de isenção (que não é
“neutralidade”), ancorados, como fundamento perene, no exercício rigoroso e
fiel da ética do mérito e, por tabela, da convicção sobre
qualquer outro tipo de inconsequente ou oportunista devaneio.
Ciência não é ilação, achismo ou
oportunismo - sempre insidiosos em suas sonegadas (e suspeitas)
motivações. Muito menos doutrinação - com sua costumeira (e induzida)
imputação de preconceitos pérfidos. Ciência - longe dessas coordenadas
cavilosas - é disciplina, esforço, experimento; é observação atenta dos
fatos em suas reais (e não imaginárias) conexões de sentido, o que supõe
compromisso ético (com a “verdade”) e probidade intelectual - que
se negam, terminantemente, aos atalhos menos diligentes da lançadiça
enganação.
Trajetória sem atalhos
São caminhos distintos, o da
ciência e o da farsa - e de destinos diametralmente opostos, por inteiro.
Não há “atalhos” ou “desvios” possíveis - tampouco descanso - na sinuosa
e interminável trajetória pela busca incessante da “verdade” - de
eloquentes custos e heroicos sacrifícios. Entre um roteiro e outro, movida
em seus próprios trilhos, a universidade brasileira terá de transitar ou
na direção de um novo ciclo de renovação, mantidas suas valorosas marcas da
tradição; ou, perdendo-as, no rumo da inevitável e fatal obsolescência -
inviabilizando-se, paradoxalmente, justo no limiar da chamada “Era
do Conhecimento”, que demarcará o itinerário civilizatório do novo
milênio.
No jogo inescapável da virtù e
da fortuna (do mérito e das circunstâncias), não adianta
a Academia mirar no que é efêmero e fugaz; isto é, em fatores que não
dependem de suas iniciativas e/ou escolhas - conjunturas políticas, governos
temporários, financiamentos voláteis -, delegando unicamente à sorte ou acaso o
seu rumo e destino - o que representaria uma atitude pouco
“científica”.
A melhor aposta sempre será aquela da
solidez do mérito, da ciência competente, única
virtude capaz de imputar longevidade e legitimidade a uma instituição que,
não por acaso - e justo pela excelência do conhecimento abrigado (sempre
requisitado!) -, foi capaz de atravessar os séculos em ininterrupto
progresso, e sobreviver a todas as intempéries das épocas, com o apoio e
o reconhecimento de seu principal e mais decisivo mantenedor e fiador: a
sociedade.
O mérito e o embuste
É a autenticidade da prova do
mérito, e não o embuste da “cola” da tapeação, o único roteiro seguro - e o
melhor distintivo - para uma universidade, em qualquer tempo ou lugar. Ou
é assim, ou ela será absolutamente inútil, estéril, tanto para o capitalismo,
quanto para o socialismo (seja isso o que for) - ou qualquer outra ficção
societária que se projete, com toda a liberdade de pensamento (ou
fantasia), desde o presente.
A natureza do fim
Definitivamente, a Universidade não é
(não pode ser) partido político, igreja ou sindicato. Ela é (deve ser),
simplesmente, universidade: uma instituição dedicada (por função
social) ao ensino superior e à pesquisa, pautada no mérito e na
qualidade do que lhe compete - ao invés de divergentes e
descabidos adereços. E assim terá de ser, se quiser remanescer
pulsando, rejuvenescendo-se e recriando-se, continuamente, no tempo e no
espaço.
Esta é, aliás, a sua única e
verdadeira autonomia a ser incansavelmente buscada, cultivada
e preservada - ao contrário de outras impróprias e inadequadas pretensões.
Todo o resto é contrabando irracional, armadilha mental, arapuca
doutrinária; no limite, um lento suicídio coletivo, a caminho do abismo,
eivado por comorbidade doentia e deletéria de absoluta e dissipada
irresponsabilidade.