Conferência do Clima

Ver Amazônia: com os povos da floresta fora das decisões, Amazônia não cabe na COP 30

Os excluídos da COP estão em silêncio. Eles sequer são vistos, apesar de serem os principais afetados nesta e em todas as conferências climáticas anteriores.

Mariluz Coelho/João Ramid | Especial para o POD

15/02/2025, 17:35

Povos tradicionais do Marajó temem o avanço da maré (Vídeo: Ver Amazônia)


A primeira COP do Brasil e da Amazônia será pequena diante da grandeza da maior floresta tropical do planeta e do clamor histórico que vem dos povos habitantes da região. Poucos terão acesso à Conferência do Clima da ONU, enquanto muitos ficarão de fora. É sobre esses muitos que a Ver Amazônia quer falar nesta edição.


Os excluídos da COP estão em silêncio. Eles sequer são vistos, apesar de serem os principais afetados por esta e por todas as conferências climáticas anteriores. Então, a COP não é um espaço de decisão para aqueles que sofrem diretamente os impactos das mudanças climáticas.


Formato fechado


Na COP29, em Baku, Azerbaijão, muita negociação e poucos resultados. (Unfccc/Kiara Worth)


A Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP) é o principal evento mundial para debater ações contra o aquecimento global. Mas quem realmente toma as decisões?


O formato é fechado. Chefes de Estado, ministros e diplomatas negociam acordos que definem o futuro climático do planeta. Empresas e negociadores do setor privado exercem forte influência. 


Negociações na COP29, em Baku, Azerbaijão. (Unfccc/Kiara Worth)

Enquanto isso, ONGs e ativistas pressionam, mas sem poder de decisão. Povos indígenas e comunidades tradicionais, mesmo vivendo na linha de frente da crise climática, seguem à margem das discussões centrais.


As decisões são tomadas por consenso entre os países. Na teoria, todos têm voz, mas, na prática, as nações mais ricas e grupos econômicos acabam ditando o rumo das negociações.


Na prática os atingidos são excluídos


Moradores tentam conter o avanço da maré, no Marajó.


Desde 2024, a Ver Amazônia tem acompanhado comunidades da Amazônia que sofrem com a crise climática. Na Ilha do Marajó, o Oceano Atlântico avança até mesmo em períodos atípicos, como mostramos em algumas edições da coluna.


Em contato com a comunidade ontem, 14 de fevereiro, recebemos a informação de que nada mudou. Eles continuam sem apoio dos organismos responsáveis pela gestão de riscos e desastres no Brasil.


A comunidade segue agindo sozinha para conter as marés, e o maior temor agora são as águas de março, que se aproximam. A tendência é que o Atlântico avance ainda mais e que as marés atinjam os restaurantes da praia.



Moradores temem as águas de março, maiores e mais agressivas.

A comunidade vive do turismo. Várias barracas já foram levadas pelas águas e as pessoas tentam, sozinhas, conter a fúria do mar, que se mistura com o rio Amazonas e a Baía do Marajó.


“Estamos na mesma situação e esperando. As marés de fevereiro não cresceram muito, mas as de março serão grandes”, disse Sandra Maria Cruz, proprietária de um estabelecimento comercial na Praia do Pesqueiro. Ela faz parte das comunidades impactadas pelas grandes marés que assolam o território marajoara.



Clima e trabalho: danos materiais e ameaça constante para quem vive da praia.

O Marajó, localizado na foz do rio Amazonas e fazendo fronteira direta com o Oceano Atlântico, está entre os territórios mais ameaçados da região costeira do Brasil. O arquipélago possui altitudes muito baixas, variando de 0 a 40 metros acima do nível do mar, sendo que grande parte do território está próxima ou até mesmo no nível do mar.


Áreas alagadas podem se agravar com a crise do clima

As áreas do Marajó estão sujeitas a inundações, especialmente durante a estação chuvosa. Além disso, seu território inclui extensas barreiras alagáveis, campos naturais e manguezais.


COP para quem?


É grande a quantidade de excluídos no Encontro do Clima


A maioria das comunidades da Amazônia, muitas delas impactadas pelas mudanças climáticas, ouve falar da COP, mas não está incluída nos preparativos. Esse é o caso da comunidade do Pesqueiro, no Marajó. Sandra Cruz afirma que eles não receberam nenhuma sinalização de participação na COP 30.


Quem menos contribui para a crise é quem mais sofre as consequências


Estas comunidades sofrem com a injustiça climática. São as que menos contribuíram para o aquecimento do planeta e, agora, estão entre as mais afetadas. Vivem em situação de vulnerabilidade em países mais pobres e em desenvolvimento, como o Brasil e outros na América Latina.


Qual modelo de COP a capital do Pará, Belém, irá adotar?

Embora a Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima seja apresentada como um evento democrático e global, na prática, suas decisões são influenciadas principalmente por governos e grandes corporações. 


O formato das negociações favorece países desenvolvidos e grupos empresariais que exercem forte lobby sobre as políticas climáticas. As comunidades mais impactadas pela crise climática não têm voz ativa no processo de decisão.


Países do Sul Global lutam para fazer valer seus direitos (Foto: Raimundo Pacó)

Países do Sul Global, incluindo aqueles que abrigam ecossistemas fundamentais para o equilíbrio climático, enfrentam dificuldades em fazer valer suas pautas. Além disso, o discurso oficial sobre justiça climática nem sempre se traduz em mecanismos reais de participação para comunidades locais e povos indígenas.


Povos da Amazônia seguem sem poder de decisão na crise climática

Até o momento, sabe-se que a COP 30 seguirá o mesmo formato das edições anteriores, desde a primeira conferência realizada em 1995, em Berlim, na Alemanha. Naquela época, a principal questão era o que os países deveriam fazer para frear as emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE).


Nos últimos 30 anos, pouco foi feito para conter essas emissões, e hoje o planeta enfrenta uma emergência climática. Nesse período, o formato das conferências também pouco mudou, mantendo a sociedade civil à margem das decisões.


Com a COP 30 sendo realizada na Amazônia, um dos biomas mais importantes do planeta, surge a expectativa de que esse modelo possa ser flexibilizado, trazendo mais representatividade para aqueles que realmente vivem as consequências do aquecimento global. Mas será que isso vai acontecer? Essa ainda é uma pergunta sem resposta.



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Farol COP 30


Petróleo na COP 1

Esta semana, o Observatório do Clima, que sempre defendeu as agendas progressistas do presidente Lula, posicionou-se de forma contundente contra a exploração de petróleo na bacia da Foz do Rio Amazonas.


Petróleo na COP 2

No material divulgado à imprensa, o Observatório afirmou que o Brasil, país anfitrião da COP 30, pode estar prestes a dar sinal verde para uma expansão maciça da exploração de petróleo. Isso, segundo cientistas, coloca em risco a liderança do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em um momento crítico para a ação climática.


Contradição

Segundo o Observatório, o discurso de Lula hoje contraria a posição que o próprio presidente adotou na COP 28, em Dubai, quando declarou: “É hora de enfrentar o debate sobre o ritmo lento da descarbonização do planeta e trabalhar por uma economia menos dependente de combustíveis fósseis”. 


Sem explicação

O Observatório afirmou ainda que, a nove meses da COP 30, o Brasil dobra a aposta na expansão da exploração de petróleo, indo na contramão de seu próprio compromisso com a Missão 1.5, uma tentativa de proteger a meta assumida no Acordo de Paris.


No limite

O Observatório lembra que a Agência Internacional de Energia alerta que novos projetos de combustíveis fósseis comprometem a meta de limitar o aquecimento global a 1,5ºC. Mesmo assim, o Brasil planeja subir do 8º para o 4º maior produtor de petróleo e gás na próxima década, segundo o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira.




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