Os partidos políticos transformaram o Supremo Tribunal
Federal (STF) na última trincheira da oposição para reverter decisões do
presidente da República e leis aprovadas no Congresso Nacional. Desde 1988, as
legendas partidárias apresentaram 1.753 ações no STF, de acordo com
levantamento do Partido Novo com dados da Corte.
O levantamento mostra que as corporações sindicais e entidades de classe
(2.583) formam o grupo que mais aciona o STF. Em seguida, está a
Procuradoria-Geral da República (PGR) (1.756). Em terceiro lugar, aparecem os
partidos.
As legendas partidárias, por sua vez, superam os governadores de Estados, a
Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), as Assembleias Legislativas, o presidente
da República e as Mesas da Câmara e do Senado como autores das ações que caem
nas mãos dos ministros do STF.
A análise examinou a distribuição das ações de controle concentrado de
constitucionalidade propostas perante o STF, com o é o caso dos processos que
contestam leis e decretos.
De 1988 a 2025, os partidos que mais acionaram o STF foram PT, PDT, PSB e PSOL.
De 2019 para cá, a lista é encabeçada por Rede, PT, PSOL, PDT e PSB. Os autores
do estudo destacam que as entidades corporativas foram consistentemente as
maiores autoras de ações no STF. Os partidos mantêm participação relevante,
porém, em posição secundária, com predominância das legendas consolidadas e dos
campos de esquerda e centro-esquerda, diz a pesquisa.
A análise das ações mostra que decisões do presidente da República e do
Congresso Nacional predominam entre os processos protocolados por esses
partidos. Ou seja, quando os partidos querem questionar atos presidenciais ou
quando perdem no Legislativo, por serem minoria, acionam o STF.
No caso do PT e da Rede, há uma concentração de casos no governo Jair Bolsonaro
(PL), especialmente na época da pandemia de covid-19. De 2016 a 2024, o pico de
atuação partidária ocorreu em 2020, com 167 ações, no primeiro ano da crise
sanitária, superando inclusive as entidades corporativas. A metodologia usada
conta uma ação para cada partido mesmo quando eles entram em conjunto.
Um dos casos mais recentes envolveu o decreto do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva (PT) contra o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). O PL, partido de
Bolsonaro, pediu a suspensão do aumento no STF. O Congresso derrubou o decreto.
O PSOL pediu ao Supremo para invalidar a decisão do Congresso. Depois disso, o
próprio governo entrou no STF para garantir o decreto. O ministro Alexandre de
Moraes, relator dos processos, suspendeu a validade tanto do decreto de Lula
quanto da votação do Congresso e chamou as duas partes para uma conciliação.
No Congresso, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), articula uma
proposta legislativa restringindo quem pode recorrer ao Supremo para contestar
alguma lei votada no Congresso Nacional, como mostrou o Estadão. "Esse é
um problema seriíssimo que nós temos no Brasil", afirmou Alcolumbre na
quarta-feira, 2, após o PSOL entrar no STF para reverter a decisão do Congresso
que derrubou o aumento do IOF. "Todo mundo pode acessar o Supremo e depois
ficam as críticas aqui em relação às decisões do Poder Judiciário brasileiro,
da Suprema Corte."
O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), é simpático ao projeto e
está alinhado com Alcolumbre, segundo interlocutores. Em conversa com líderes
partidários, ele tem pedido para as siglas reduzirem a judicialização, que
muitas vezes enquadra leis aprovadas pelos próprios colegas.
Partidos com minoria no Congresso reagiram ao movimento da cúpula do Congresso.
"É lamentável mais essa tentativa de restrição do direito a partidos
menores de acionarem o Supremo. Essa proposta fere diretamente um dos pilares
da Constituição de 1988: o pluralismo político", afirmou o presidente do
Novo, Eduardo Ribeiro. "Impedir que partidos políticos devidamente
registrados recorram ao STF é institucionalizar o monopólio das maiorias e
enfraquecer os mecanismos de controle."
Cláusula de barreira
Uma das propostas estudadas é criar uma cláusula de barreira para os partidos
entrarem no STF, igual ou próxima à cláusula das eleições, que limita o acesso
ao fundo partidário e ao tempo de rádio e TV. "Muita coisa seria resolvida
em quatro paredes entre acordos que seriam realizados pelos comandantes dos
grandes partidos, pelos caciques da política", critica o deputado Túlio
Gadelha (Rede-PE), único representante da Rede no Congresso e o partido que
mais acionou o Supremo desde 2019.
Por um lado, defensores da barreira dizem que partidos nanicos muitas vezes não
possuem nenhuma capacidade de articulação e aprovação de propostas no Congresso
e sozinhos conseguem aval do STF para derrubar leis aprovadas por mais de 300
deputados e mais de 40 senadores. "A gente tem que fazer o dever de casa,
dentro do Legislativo, aprovar modificações na lei para (garantir) que matérias
que sejam aprovadas por maiorias absolutas não sejam contestadas por minorias
insatisfeitas", disse o deputado Arthur Lira (PP-AL), ex-presidente da
Câmara
Por outro lado, legendas menores dizem que a limitação criaria um poder
excessivo por parte das grandes siglas. Foi por meio de uma ação do PSOL no
STF, por exemplo, que a Corte julgou o orçamento secreto, esquema revelado pelo
Estadão, inconstitucional em 2022. No mesmo ano, o Supremo obrigou o governo
Bolsonaro a garantir a vacinação de crianças contra a covid-19, após um pedido
da Rede.
Em outro processo, iniciado por Rede, PT, PSB e PSOL, o STF determinou que a
União e Estados apresentassem planos emergenciais contra queimadas.
"Ditadura partidária?", reagiu o líder do PDT na Câmara, Mário
Heringer (MG), ao ser questionado sobre a proposta da cúpula do Legislativo.
"Criaríamos uma casta partidária superior. Temos um monte de 'entidades'
que podem acessar o Supremo que, acho, não deveriam ter. Achar que a culpa é
dos partidos pequenos está longe de ser a solução para crises "
Na última semana, ministros do STF reforçaram o papel da Corte como
conciliadora nos conflitos envolvendo o governo e o Congresso e diferentes
partidos políticos. "A Constituição deu ao Poder Judiciário essa missão de
decidir os conflitos, uma vez provocado", afirmou Alexandre de Moraes em
entrevista ao portal Migalhas na última terça-feira, 1, três dias antes de
decidir sobre o IOF.
"Quando o concerto com 'c' dos poderes políticos não se equaciona, o que
acontece naquela porta lá do Supremo? Alguém entra com um problema debaixo do
braço e entrega aqui", disse o ministro Flávio Dino durante a audiência
pública sobre emendas parlamentares, também provocada em parte por partidos no
STF. "Lembro Isaías: a paz verdadeira é fruto da justiça", disse ele
em outro momento ao advogado-geral da União, Jorge Messias. "O senhor, do
Executivo, com o Legislativo se virem com a paz. A minha parte aqui é mais a
parte da Justiça para que haja paz."
Análise
Só sindicatos e PGR vão mais ao STF do que partidos
Maiores alvos são presidente e Congresso
07/07/2025, 13:00