As serpentes estão para o imaginário popular dos adultos como o bicho-papão está para o tormento de crianças. Basta imaginar-se na presença de uma cobra para relatar quão difícil seria encarar um animal que assusta tanto pelo estereótipo quanto pelas histórias mortais que passamos a vida assistindo nas telas dos cinemas ou em programas de TV. Ainda assim, para além de um crime, matar uma serpente é contribuir para o desequilíbrio da cadeia alimentar animal e exterminar uma importante fonte de medicamentos para as mais diferentes doenças existentes no mundo.
Diretora técnica do Centro Amazônico de Herpetologia, a bióloga Milena Almeida trabalha para desmistificar o terror com que esses animais são normalmente encarados. Ela coordena visitas técnicas ao espaço para falar e mostrar os mais diferentes tipos de cobras existentes na Amazônia. A visita interativa permite, ainda, que algumas espécies sejam tocadas pelos visitantes, que geralmente deixam o local com uma visão completamente diferente do quando chegaram.
Jararacas e cascavéis
“Claro que você não vai sair por aí procurando uma serpente ou manter uma animal desses em casa. Não. A ideia é conscientizar sobre a importância deles no equilíbrio da fauna e flora e para a própria sobrevivência da espécie humana”, ressalta Milena.
Um dos trabalhos mais importantes realizados pelo Centro é a extração de veneno das espécies jararaca e cascavel. O material é importado para farmacêuticas de cinco países que utilizam o produto na elaboração de medicamentos e na realização de pesquisas.
Um desses estudos tem misturado veneno de cascavel com couro de búfalo para criar uma cola de fibrina capaz de agir como cicatrizante em ferimentos com grande dificuldade de cicatrização. É o caso das feridas provocadas pelo diabetes, por exemplo. O medicamento segue em avaliação pela Anvisa, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, e ainda não possui data para chegar ao mercado. Já o captopril, mundialmente conhecido, é um desses remédios já estabelecidos e desenvolvidos a partir do veneno da cascavel.
Único na Grande Belém
O serpentário localizado em Benfica, distrito de Benevides, é o único centro de extração de veneno de cobras da Região Metropolitana de Belém. E o trabalho desenvolvido no local ganha ainda mais importância quando levada em conta a disparidade usada pelos três únicos institutos que produzem soro para picadas de serpentes no Brasil. Por estarem localizados no sudeste do país, todos desenvolvem antídotos a partir do veneno de cobras encontradas nessas regiões, geralmente menos letais do que os registrados nas serpentes amazônicas.
“Normalmente, é necessário o dobro da dose de soro para salvar uma vida quando essa picada de cobra ocorre na Amazônia”, explica Milena. Assim como em outros laboratórios, o veneno extraído no Centro Amazônico de Herpetologia é desidratado e transformado em um tipo de cristal de areia para pode ser transportado com segurança e sempre em temperatura baixa. Um trabalho outrora bem mais intenso e que hoje encontra-se com certas restrições em função de guerras e outros problemas vividos pelos países exportadores.
Modo zoológico
Desde 2017, o Centro Amazônico de Herpetologia é credenciado como zoológico. As visitas acontecem de terça a domingo, sempre com início às 9h. Milena Almeida explica que faz questão de palestrar rapidamente antes de iniciar o passeio pelo local, que também abriga jacarés, cágados, lagartos e a temida tartaruga-aligátor, espécie carnívora natural dos Estados Unidos que assusta pela aparência e ferocidade com que destrói suas presas.
Um passeio que vale tanto pela curiosidade quanto pela importância de se respeitar, cada vez mais, o meio ambiente.