Belém, PA - Além dos custos altos da hospedagem, os participantes da COP30 deverão pagar mais caro por uma fruta que é um símbolo do Pará e o produto de extração sustentável mais vendido no Brasil: o açaí. O preço já sofreu uma alta com a seca de 2024, que resultou na queda de 30% da produção. A expectativa de até 50 mil pessoas em Belém, a maioria de fora do país e com previsão de gastos em dólar, deve manter a tigela encarecida na conferência do clima.
Segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) do Pará, o preço médio do litro do açaí em fevereiro foi 11% maior do que o do mesmo mês em 2024. Desde o fim da safra, em dezembro, o valor aumentou 20%. Reajustes no primeiro semestre, época da entressafra do açaí no Pará, que detém 87% da produção nacional, são comuns. Mas os valores cobrados nas feiras, lojas e supermercados de Belém já estão acima do que é considerado normal nesta época, segundo produtores e comerciantes.
Dono do Açaí Point, rede de quatro restaurantes em Belém (PA), Nazareno Alves diz que hoje paga R$ 150 por um paneiro de açaí - medida usada na negociação do produto que corresponde a 14 quilos e leva o nome de cestos usados por povos tradicionais e agricultores. O valor este ano já havia batido os R$ 300. Mas na última entressafra, estava em R$ 100, depois de chegar a R$ 60 na safra.
Mercado mundial
A fama internacional, que deve manter em alta a procura no COP30, já valorizou o açaí ao longo dos últimos 20 anos, período em que deixou de ser uma iguaria amazônica para ser encontrado em quase todo o planeta. Quando começou o seu negócio, em 2002, Nazareno comprava um paneiro por R$ 3. “O açaí saiu do Brasil e está no mundo”, lembra o fundador do Açaí Point.
As mudanças climáticas a serem discutidas na conferência em Belém em novembro também trouxeram impacto. O açaí frutifica em uma palmeira que depende de muita água para geração das flores. Mas a produção da última safra foi fecundada há seis meses, no meio da seca histórica do Amazonas, que prejudicou a colheita de outro símbolo do Pará, com consequência nos preços: a castanha.
“Não está dando açaí na nossa região agora. Está vindo o “açaí gelado”, da estrada, como chamamos aquele que vem de Macapá. Dura dois, três dias até chegar aqui, e o pouco que chega é oferecido por um valor alto. Se for na feira, são duas pessoas vendendo e muita gente querendo comprar”, conta Nazareno, ressalvando que as grandes indústrias conseguem se proteger de reajustes. “Já o produtor artesanal está sofrendo demais. Foi uma seca terrível, e a palmeira demora de um a dois anos para se recuperar do estresse hídrico”.
No Açaí Point, o quilo custa hoje até R$ 50. Na entressafra de 2024, era R$ 40, e há dois anos R$ 35. Na época de safra, no segundo semestre, o preço deve recuar para entre R$ 16 e R$ 18. Mas a COP30 deve mexer de novo nesta variação.
“Vai ter muito açaí. Mas o preço vai continuar alto por causa da lei da oferta e da demanda. Não tem mais recuo”, afirma Nazareno, que estima vender 50 toneladas na conferência.
Supervisor técnico do Dieese do Pará, Everson Costa acrescentou que a falta de chuva já até encurtou o período de safra. “Era para o açaí ficar barato até novembro, mas em setembro já estava caro”.
Ribeirinhos prejudicados
Professor da Universidade Federal do Pará (UFPA) e estudioso do setor há 30 anos, Hervé Rogez acredita que não vai faltar açaí para a COP30, porque a produção anual vem crescendo em média 7%. Mas os preços tendem a ficar acima do normal, mesmo que barateados pela safra. Uma preocupação de Rogez é a insegurança alimentar entre os mais pobres.
“Essa alta não vai prejudicar o carioca, o paulista ou o estrangeiro, porque esse açaí exportado é processado na época da safra. A inflação prejudica o consumidor local. Muitas populações ribeirinhas têm o açaí como base de sua alimentação. Já recebemos relatos de famílias que deixaram de comprar todo dia e estão misturando chula (água do açaí) na farinha para compensar”, conta.
O professor também alerta para o risco de surtos de Doença de Chagas durante a COP por causa do açaí. O fruto atrai o inseto protozoário que transmite a doença. Por isso, o governo do Pará, o Ministério Público e a UFPA planejam ações de monitoramento e de boas práticas no manejo do açaí. Em entrevista ao Globo, no domingo, o governador do Pará, Helder Barbalho, disse que a solução é o aumento da produção.
“É natural que na entressafra haja aumento de preço. E há um outro incremento, que é a demanda por açaí no mercado internacional. Temos incentivado a ampliação produtiva, até porque o açaí e o cacau são os nossos grandes casos de produção sustentável”, afirmou, Barbalho, na ocasião.
Foto: Nazareno Alves/Arquivo Pessoal
(Com O Globo)