Belém, PA, e Rio de Janeiro, RJ - Em 2023, o nível dos oceanos subiu em todo o planeta, mas o litoral brasileiro foi um dos lugares que registrou uma das maiores elevações. No litoral dos Estados do Amapá e Pará, banhados pela foz do Rio Amazonas, a erosão por conta do avanço do mar cada vez mais é visível, assim como suas consequências mais drásticas.
A derrota do poderoso Amazonas, que tem suas águas doces invadidas pelo sal, nota-se, entre outros pontos, na produção do açaí. Palmeiras e outras plantas das margens morrem devido à contaminação pela água salgada do mar e partes inteiras de falésias se precipitam sobre a água por conta da mudança no solo.
Outras anomalias registradas nas margens paraenses banhadas pelo Atlântico são a erosão do litoral, contaminação do lençol freático com água salgada, comprometimento de fundações de construções, afundamentos de terreno, agravamento de inundações provocadas por tempestades, aumento de ressacas, que se tornar maiores e avançam, cada vez mais, terra adentro.
Causas
O calor recorde foi o principal motivo. Os oceanos têm avançado por expansão térmica porque a água quente se dilata. E os mares do mundo nunca foram observados tão quentes, com impactos sobre o clima, os rios e as cidades. A elevação do mar na costa brasileira é um dos destaques do relatório “O Estado do Clima na América Latina e no Caribe em 2023”, da Organização Mundial de Meteorologia (OMM).
“Quando se fala em elevação do nível do mar, as pessoas costumam imaginar um cenário de filme-catástrofe, com ondas gigantescas e cidades alagadas de uma só vez. Não é o que ocorre. Essa é uma tragédia lenta, o mar vai ano a ano tomando a terra. E não apenas na superfície, mas no subsolo, com intrusão marinha”, explica o climatologista José Marengo, pesquisador do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas e Desastres Naturais (Cemaden).
O relatório reuniu mais de 70 especialistas, quatro agências das Nações Unidas e 30 serviços meteorológicos nacionais.
Aumento expressivo
A taxa de elevação do nível dos oceanos mais do que dobrou desde a década de 1990. Ela aumenta a cada ano desde 1993 e 2023 teve a maior elevação, registrou a média global de 3,42 mm/ano. Porém, na costa atlântica da América do Sul ela chegou a 3,96 mm. Parece pouco, mas é suficiente para afetar a vida das pessoas nas áreas costeiras.
De acordo com o estudo, um dos lugares onde o avanço do mar se torna mais evidente é na Amazônia. Lá ocorre uma batalha de titãs, entre o Atlântico e o Amazonas, o rio mais volumoso da Terra. Gigante no continente, o Amazonas é um anão frente ao oceano, cujas águas salgadas a cada ano vão mais longe.
Ano passado, a seca e o calor extremo na Amazônia começaram antes do período de influência do El Niño, que agravou a situação. Os maiores símbolos desse desastre foram a seca do Rio Negro e a mortandade de botos-cor-de-rosa. Em 26 de outubro de 2023, o Rio Negro chegou ao menor nível em 122 anos, 12,70 metros.
Em 28 de setembro do mesmo ano, as águas do Lago Tefé, no Estado do Amazonas, chegaram a 39,1 graus Celsius. Especialistas dizem que mais de 150 botos morreram devido ao calor. Os animais foram literalmente cozidos vivos em setembro e outubro. O calendário avançou, mas as condições climáticas seguem extremas em 2024.
Tendência é piorar
Tão quentes, os oceanos não vão absorver todo o excesso de energia decorrente das emissões humanas e irão para a atmosfera, gerando mais calor numa espécie de ciclo vicioso. Atualmente, estima-se que os oceanos absorvam 87% do excesso de calor. Mas cientistas suspeitam que, saturados, os mares estejam emitindo mais do que absorvem calor.
“O Atlântico chama muito a atenção. Alguma coisa está acontecendo e é alarmante. O Atlântico está mais quente, o ar no continente também e o gelo antártico está em retração, tudo ao mesmo tempo. Isso tem impacto no clima, na pesca, na agricultura”, conclui Pezzi.
Foto: Agência Pará
(Com O Globo)