Meio Ambiente e Clima

COLUNA VER AMAZÔNIA: Não é só calor, é calor extremo; não é só uma onda, é uma epidemia silenciosa

Nesta edição, a jornalista Mariluz Coelho e o fotógrafo João Ramid mostram como o impacto das altas temperaturas tem impactado na vida das pessoas, em todo o mundo.

Mariluz Coelho/João Ramid | Especial para o POD

28/07/2024 15:15

Luiz Bezerra, cardiologista.






Maibe dos Santos, 42 anos, exposto ao calor intenso: “Me sinto cansado e sem força”. (Foto: João Ramid)


O registro fotográfico que abre a Ver Amazônia da semana, foi feito na sexta-feira, 26, na Feira do Açaí, em Belém, a cidade da COP 30. “O trabalhador é obrigado a trabalhar em qualquer horário e exposto ao sol, sem nenhuma proteção e pouca hidratação”, relata o fotógrafo João Ramid, autor da imagem.


A situação deste trabalhador de Belém é o mesmo de muitos pelo mundo. A Organização internacional do Trabalho (OIT) afirma que eles correm risco de vida na exposição ao calor. “Mais de 70% da força de trabalho global, o equivalente a 2,4 bilhões de pessoas, estão agora com alto risco de calor extremo, segundo informação divulgada pela ONU. 


“A gente anda um pouco e não suporta mais. Antigamente eu carregava uma saca de Açaí e agora não estou dando mais conta devido ao sol. Maibe dos Santos diz que sente cansaço e sede. O trabalhador nos pergunta porque o calor está assim. 


As pessoas sentem que algo está fora do lugar, mas, nem todos conseguem entender os motivos da alteração do clima. Nesta edição da Ver Amazônia, vamos tentar compreender o que está acontecendo com o planeta, e quais as possíveis saídas para enfrentar uma das consequências das alterações climáticas, que é o aumento das temperaturas.


A epidemia de calor extremo é questão de saúde pública. Na África, estudos apontam mortes de trabalhadores, alguns com problemas renais, devido às frequentes ondas de calor.


Luiz Bezerra, cardiologista

A Ver Amazônia ouviu o médico cardiologista, Luiz Bezerra, para saber o que ocorre com o organismo da pessoa que é exposta ao calor extremo. “O risco do aumento da temperatura em determinada região, como a Amazônia, é evoluir para um quadro de desidratação, com sintomas de boca seca, irritabilidade, cansaço, tonturas e até desmaio por baixa pressão arterial, porque existe pouco sangue circulando pelo corpo. Portanto, temos que ficar atentos para esse quadro clínico”, explica o médico. O cardiologista alerta para casos de insuficiência renal, pela diminuição da filtração renal provocada pelo calor extremo.


Ver Amazônia em Vídeo


Confira, acima, o vídeo em que o médico entrevistado dá mais detalhes sobre o tema tratado na Coluna de hoje. 



Acordos quebrados, limites ultrapassados


Mortes por calor chegam a quase meio milhão por ano. (Foto: João Ramid)


Domingo, 21/07; segunda-feira, 22/07; e terça-feira, 23/07 de 2024 foram os três dias mais quentes já registrados pelo homem. A notícia foi dada na quinta-feira, 25, pelo secretário-geral da ONU, António Guterres, em tom de preocupação. “O Calor extremo é o novo normal”, alerta Guterres. 


Secretário-geral afirmou que “a situação induzida pela ação humana amplifica desigualdade, agrava insegurança alimentar e empurra as pessoas para a pobreza; mortes por calor chegam a quase meio milhão por ano; temperaturas acima de 40°C e até 50°C são cada vez mais frequentes”.


“O mundo enfrenta uma epidemia de calor extremo”, declarou o secretário-geral da ONU, ao conclamar os países para a ação.  “Os líderes mundiais precisam estar à altura do desafio do aumento das temperaturas”.


Guterres disse que a “doença” que precisa ser combatida é “a loucura de incinerar o planeta, o vício em combustíveis fósseis e a falta de ação climática”.  Segundo o chefe da ONU, “todos os países, independentemente das divisões geopolíticas, estão sendo afetados pelos sintomas dessa doença, que incluem o aumento do calor”.


A epidemia de calor extremo que atinge o mundo se intensifica ao mesmo tempo em que o primeiro limite do acordo de Paris foi quebrado. Há 12 meses consecutivos, incluindo o mês de junho de 2024, atingimos a temperatura média global de 1,5°C acima da era pré-industrial. Segundo a Organização Meteorológica Mundial, OMM, é o 13º mês consecutivo a estabelecer um recorde mensal de temperatura. Estamos ultrapassando os limites do Acordo de Paris. 


A OMM alerta que “mesmo nos níveis atuais de aquecimento global, já são observados impactos climáticos devastadores. Estes registros incluem as ondas de calor extremas, chuvas e secas intensas, reduções de camadas de gelo, gelo marinho e geleiras, aumento acelerado do nível do mar e aquecimento dos oceanos”. 


Caos na floresta: acordos não cumpridos e pouca ação climática (Foto: João Ramid)


Responsabilidade de todos


O chefe da ONU, António Guterres, lançou o desafio aos governos, em especial os países do G20, que entreguem até o final de 2025, quando irá ocorrer a COP 30 em Belém, seus “planos nacionais de ação climática, focados em limitar o aumento da temperatura global a 1,5°C”. 


Com base em dados da Agência Internacional de Energia, que revelam a expansão da exploração de combustíveis fósseis e o surgimento de novas usinas a carvão, Guterres classificou as iniciativas como “inconsistentes com o cumprimento desse limite”. Segundo ele, ao assinar acordos de expansão da exploração de petróleo e gás, os países mais ricos do mundo estão “condenando o futuro”. 


O secretário-geral pediu que os países eliminem os combustíveis fósseis de forma rápida e justa, acabem com projetos de carvão e transfiram subsídios para energia renováveis. A ONU enfatizou que o calor extremo amplifica a desigualdade, agrava a insegurança alimentar e empurra as pessoas ainda mais para a pobreza. 


Guterres mencionou que temperaturas superiores a 50°C estão sendo registradas em diversas partes do mundo e que as ondas de calor são cada vez mais mortais. Estima-se que o calor mate quase meio milhão de pessoas por ano, o que é cerca de 30 vezes mais do que ciclones tropicais.


Enfrentamento


Para enfrentar o aumento da intensidade e frequência do calor extremo, a ONU lançou um  chamado à ação que inclui quatro medidas. A primeira é a proteção dos mais vulneráveis, entre mulheres grávidas, idosos, pessoas com deficiência, doentes, deslocados e a população urbana mais empobrecida, sem acesso ao resfriamento.


A segunda ação é a proteção dos trabalhadores. António Guterres mencionou que temperaturas superiores a 50°C estão sendo registradas em diversas partes do mundo e que as ondas de calor são cada vez mais mortais. Estima-se que o calor mate quase meio milhão de pessoas por ano, o que é cerca de 30 vezes mais do que ciclones tropicais.


O terceiro pilar apresentado pela ONU é o aumento da resiliência das economias e das sociedades por meio de Planos de Ação para o Calor, com base na ciência e dados. Como quarta medida, a ONU pediu aos países planos nacionais de ação climática, para segurar o limite do aumento da temperatura global a 1,5°C, conforme acordado em Paris. 


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FAROL VER AMAZÔNIA


Cadê a Amazônia na COP 30?


Ainda há pouco envolvimento das populações tradicionais da Amazônia nos preparativos da COP 30. Nos vários eventos que vem acontecendo em Belém, a cidade sede da Conferência do Clima da ONU, pouco se vê dos povos da floresta. Além da biodiversidade, existe o patrimônio imaterial dos habitantes da Amazônia, traduzido em conhecimentos e práticas ancestrais de relação com a natureza.      


No próximo dia 1º de agosto ocorrerá em Belém, no Hangar Centro de Convenções, o Pacto Global da ONU, que chega com a proposta de fomento à bioeconomia na Amazônia.  Nesta entrevista concedida à Agência Amazônia de Notícias (AMN), reproduzida pela Ver Amazônia, o CEO do Pacto Global da ONU – Rede Brasil, Carlo Pereira, garante que as populações tradicionais estarão presentes e serão envolvidas no evento.  


AAM - Sobre a participação das populações tradicionais: “A bioeconomia parte dessas populações. Como o evento vai englobar esse capital já existente, que já acontece sem investimento e sem apoio e de forma tradicional? Como expandir isso?


Carlo Pereira: Sabemos que Belém é uma das referências da Bioeconomia. O evento é assistido por um conselho curador com grandes nomes e instituições que são locais. Este conselho conduziu toda a construção não apenas das dinâmicas que ocorrerão no evento como também os nomes curados para a Arena, Plenária e Rodas de Conversa, para que o Pacto Global da ONU seja um instrumento catalisador de fomento da bioeconomia, na região Amazônica.


Além disso o Pacto Global da ONU - Rede Brasil - irá facilitar a 1ª roda de partilha de saberes ancestrais e tradicionais, uma proposta de escuta ativa pelo setor privado por uma parcela de representação de povos indígenas e quilombolas presentes no evento que discorrerão sobre suas cosmovisões sobre Bioeconomia da Amazônia e as múltiplas formas que eles enxergam de possibilidade de atuação com ou no setor privado por eles.


Esta é uma roda do MIA, Movimento Impacto Amazônia, da frente de atuação pela Floresta Viva e as possibilidades de partilha na roda são por meio de contação de histórias, círculos de conversa, apresentação de artesanato e suas histórias, para fomentar o aprendizado interétnico.


A fundamentação desta dinâmica são os valores civilizatórios indígenas, afro-brasileiros – com a presença de métodos que se utilizam de circularidade, religiosidade, corporeidade, musicalidade, memória, ancestralidade, cooperativismo, oralidade, energia vital e ludicidade.


AAM - Como isso vai ser trabalhado dentro da agenda climática e qual o papel do Pacto Global da ONU - Rede Brasil neste evento?


Carlo Pereira: O Pacto Global da ONU é um braço da ONU voltado para o setor empresarial, para impulsioná-lo rumo à Agenda 2030. O Pacto Global da ONU - Rede Brasil foi criado em 2003 e hoje é a segunda maior rede local do mundo, com mais de 2.000 empresas participantes. Os mais de 50 projetos conduzidos no país abrangem, principalmente, os temas: Água e Saneamento, Alimentos e Agricultura, Energia e Clima, Direitos Humanos e Trabalho, Anticorrupção, Engajamento e Comunicação.  


O objetivo do Pacto Global com a realização do BAS é fazer a ponte entre esses empreendedores da economia sustentável, da Região Amazônica e os investidores, fomentando um mercado cada vez mais promissor, além de ampliar a discussão sobre a crise climática e como as empresas podem contribuir com essa agenda.


Nós sabemos que essa não é uma questão que vai se resolver com um evento, por isso o Pacto Global mantém uma agenda constante e que se intensificou neste momento pré-COP30. 


A edição do BAS, por exemplo, que acontece em 1º de agosto em Belém, será a primeira de uma série de sete eventos que serão realizados em diferentes cidades da Região Amazônica, justamente para alcançar o maior número possível de empreendedores em várias áreas.


O Pacto Rumo à COP30 é um programa ambicioso, com iniciativas para mover e conectar as iniciativas das empresas aos objetivos centrais da Conferência das Partes de Clima, ou seja, foco em descarbonização do mundo.


A COP30, em Belém, será uma conferência emblemática visto que, em 2025, o Acordo de Paris fará 10 anos. É necessário acelerar negociações e investimentos referente a desmatamento zero e a transição energética justa no Brasil, vislumbrando sermos uma economia global referência em economia net zero de forma transparente, socialmente justa e inclusiva.


O programa nasceu com 250 empresas envolvidas em iniciativas já existentes, embarcadas na Plataforma de Ação pelo Clima, que intersecciona a agenda de clima como a de água, direitos humanos e trabalho, anticorrupção, governança e comunicação.


Com o programa Rumo à COP30, o Pacto Global visa aumentar, até 2025, o número de empresas mobilizadas contra a mudança do clima frente ao cenário climático brasileiro para 600, bem como escalar as ações e metas com as quais as empresas estão comprometidas ao ODS 13 (Ação pelo Clima) e suas devidas intersecções com os outros 16 ODS, especialmente as ligadas aos Movimentos +Água, Ambição Net Zero e Impacto Amazônia.


Uma das novidades trazidas pelo Pacto Rumo à COP30 é a divisão do Movimento Impacto Amazônia, lançado em 2023, em três frentes de atuação, ganhando uma governança de gestão como a de projetos complexos.


Uma dessas frentes é o Uso  Sustentável do Solo, com o objetivo de levar à COP30 dois pactos setoriais alinhados ao compromisso de zero desmatamento na geopolítica da Amazônia Legal, além da ampliação da ferramenta de DDDH (devida diligência de direitos humanos), lançada este ano e que será expandida para abarcar também uma autoavaliação por parte das empresas sobre meio ambiente, com foco em rastreabilidade de sua cadeia de valor.


A outra frente é a Floresta Viva, que permitirá mapear tecnologias ancestrais, ao longo deste ano e de 2025, a partir do protagonismo de muitas etnias indígenas e representações de comunidades tradicionais.








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