A Coluna Ver Amazônia passou o mês de outubro em uma expedição entre o Marajó e a região do Rio Xingu, em Altamira. Fomos em busca de observar de perto e compreender as características que assolam esses dois territórios da Amazônia. Em comum, Marajó e Xingu têm os efeitos da crise climática, que atingem as comunidades ribeirinhas e os povos indígenas.

No Marajó, na vila e na praia do Pesqueiro, acompanhamos o avanço do mar durante a lua cheia, a partir dos impactos das chamadas marés de “lance”. Nos dias 17 e 18 de outubro, registramos marés que, segundo os nativos da ilha, foram as maiores já vistas.
Na noite de 18/10, as águas salobras que conectam a Baía do Marajó, o Rio Amazonas e o Oceano Atlântico ultrapassaram os quatro metros, marcando a maior maré já registrada. O alerta foi dado dias antes por seu Brito, detentor do conhecimento tradicional sobre o movimento das águas no Marajó e proprietário da Fazenda de Ecoturismo São Jerônimo, um dos principais pontos de referência na ilha.
"Aqui na São Jerônimo monitoramos as marés diariamente. Já houve casos de marés altas em que avisei o pessoal do pesqueiro. Está muito perigoso. Antigamente, eu calculava a altura da maré pela lua, mas agora contamos com a internet também. No mês de outubro, teremos marés bem fortes’, previu seu Brito.
A previsão se confirmou: a água ficou mais esverdeada com a invasão do Oceano Atlântico, destruindo as barracas das praias e ultrapassando as barreiras de paus e pedras erguidas pela comunidade.

Luta em vão
A comunidade do pesqueiro atua sozinha para conter a força das águas. Ao receber os alertas, os moradores sempre se unem para reforçar as “barreiras” e se preparam para o incerto. Na praia, o avanço das águas já cobriu cerca de quatro quilômetros, destruindo barracas e deixando os atingidos praticamente sem reação.

“Isso é resultado do desmatamento e da poluição. O que o homem faz com o planeta está sendo devolvido. Isso é injusto com a gente”, desabafa a professora Sandra Cruz, uma das atingidas. Ela aponta para o fato de que as grandes cidades e os países ricos são os maiores responsáveis pela poluição, mas os impactos das mudanças climáticas ficam com os mais pobres e vulneráveis - o que representa uma clara injustiça climática.
Ciclo natural?

Entre os moradores, há duas opiniões. Alguns, mais resignados, acreditam que o avanço das águas é parte do ciclo natural da natureza. Outros, porém, afirmam que algo mudou e que o mar está, de fato, avançando. Os barraqueiros da Praia do Pesqueiro, que estão no local há mais de 50 anos, perderam suas barracas e já começam a se preparar para partir.
A Vila do Pesqueiro já perdeu casas devido ao avanço do Atlântico, gerando um sentimento de medo entre os moradores. Embora as marés sejam comuns nas regiões costeiras, antes ocorriam em períodos específicos do ano.
“A diferença é que antes sabíamos quando esperar as marés, que vinham no período do inverno e nunca chegavam tão perto. Agora, elas ocorrem o ano inteiro e já impactam a vida da comunidade. Temos medo e estamos prontos para sair, porque não há mais para onde recuar', relata a professora Sandra. Junto a um grupo de mulheres, ela busca soluções para enfrentar a situação no Pesqueiro.
Seca extrema no Xingu

Também na Amazônia, no município de Altamira, a seca extrema do Rio Xingu impõe grandes desafios às populações indígenas que vivem na região. Visitamos duas aldeias da etnia Assurini. A viagem até lá, partindo do porto de Altamira em uma voadeira, dura cerca de quatro horas - o dobro do tempo em comparação ao período em que o rio está em seu nível normal.

“Nunca vi o Xingu tão seco”, relatou o cacique Kwai Assurini, enquanto pilotava a voadeira e desviava dos perigos. Com o rio baixo, pedras ficam expostas, aumentando o risco de acidentes. Somente o conhecimento dos povos da região permite uma navegação minimamente segura nessas condições.

Além dos perigos na navegação, a seca no Xingu impacta profundamente a vida nas aldeias. Os indígenas relatam que as plantações secam com o calor, os peixes migram em busca de águas mais profundas e as doenças provocadas pelo calor extremo se espalham, especialmente entre idosos e crianças.
A próxima edição da Coluna Ver Amazônia abordará outros impactos da crise climática sobre os povos indígenas que sempre preservaram a floresta. Em um planeta interconectado, as consequências das mudanças climáticas são sentidas por todos. Assim como a comunidade do Pesqueiro enfrenta o avanço do mar, os povos do Xingu sofrem com a seca. São exemplos de injustiça climática onde aqueles que menos contribuíram para o aquecimento global são os que enfrentam seus impactos mais severos.
Farol Ver Amazônia
Novo prefeito 1
O prefeito eleito de Belém, Igor Normando, afirmou em entrevista à coluna Ver Amazônia, por ocasião da campanha eleitoral, que pretende incentivar empreendedores e cooperativas a criarem ‘hubs’ nos bairros e regiões administrativas da cidade para a exploração comercial de resíduos sólidos.
Novo prefeito 2
Igor Normando também anunciou o programa ‘Belém Verde’, que prevê o plantio de 200 mil árvores ao longo de sua gestão; e o ‘IPTU Verde’, que oferecerá desconto no imposto para moradores que comprovarem o plantio e a manutenção de árvores em suas residências.
G20 em Belém 1
Belém, sede da COP 30, recebe o Encontro de Alto Nível e a Reunião Ministerial sobre Redução de Risco de Desastres em 31 de outubro e 1º de novembro, visando definir diretrizes para a prevenção e resposta a desastres naturais, intensificados pelas mudanças climáticas.
G20 em Belém 2
Embora contribua para mitigar o aquecimento global, a Amazônia também sofre com o calor extremo e o aumento do nível do mar, como destaca esta edição da coluna Ver Amazônia. Há uma distância entre o glamour das reuniões do G20 e os impactos reais da crise climática sentidos na região e em outros locais do planeta.
Ausência
Na prática, pouco tem sido feito para apoiar comunidades vulneráveis como a do Pesqueiro, que enfrenta sozinha o avanço das marés. O mar destrói barracas e casas, forçando famílias a recuar e a buscar abrigo em outras áreas.