Mesmo vivendo em áreas de florestas, as populações tradicionais da Amazônia não estão imunes às alterações climáticas. As oscilações do clima com ondas de calor extremo vem modificando a rotina desses povos. Eles sempre viveram em harmonia com a natureza e tiram dela o seu sustento. Mas isso tem mudado a partir do acirramento da crise climática.
A "Coluna Ver Amazônia" conversou com o cacique Okara Assurini, da aldeia ITA AKA, na região do Alto Rio Xingu, no município de Altamira, sudoeste do Pará. “Até no meio da mata o calor está muito forte. Está muito quente para o nosso povo”, conta o cacique.
Okara Assurini lidera uma das sete aldeias da etnia localizadas na área, onde moram mais de 300 indígenas. Ele diz que, de três anos para cá, todos começaram a perceber as mudanças. O rio seca e fica difícil pescar. A caça também está escassa. “Este ano estamos vivendo uma das piores secas de todos os tempos. A gente compensa a falta de peixe e carne comendo banana e os produtos de outras plantações".
Sustentabilidade ameaçada
A relação dos povos tradicionais com a natureza sempre foi uma troca justa e saudável. Eles cuidam da biodiversidade e tiram dela o que precisam para sobreviver. O cacique Okara Assurini diz que está difícil até o manejo do fogo para fazer as roças. Os indígenas usam o fogo de forma controlada para limpar as áreas de plantio agrícola, mas de maneira que facilite a regeneração do solo.
A técnica tradicional do manejo do fogo contribui para a preservação do meio ambiente e a manutenção das práticas culturais indígenas. Estudos apontam que o uso inteligente do fogo em pequenas áreas de plantio evita a degradação ambiental e pode até ajudar a prevenir incêndios florestais maiores.
O cacique Okara Assurini conta que a alta temperatura na Amazônia tem atrapalhado o manejo tradicional. Diferente das queimadas descontroladas, o manejo do fogo é feito de forma planejada e cuidadosa, respeitando os ciclos da natureza.
Incêndios preocupantes
Outra preocupação dos povos indígenas são os grandes incêndios. De acordo com o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima do Brasil, muitos deles são criminosos, provocados para desmatar.
O cacique Assurini conta que atualmente os guerreiros indígenas estão em treinamento para serem brigadistas no combate aos incêndios que atingem a floresta. “Conseguimos um curso para capacitar os nossos guerreiros que vão trabalhar no combate aos grandes incêndios que destroem a nossa natureza”, afirma Okara.
As alterações climáticas com calor extremo facilitam as queimadas criminosas. O fogo se alastra mais rapidamente. Grandes áreas já foram queimadas na Amazônia abrindo frentes para plantação de soja e criação de gado.
A crise climática também começa a respingar na agricultura familiar. Lindiara Souza dos Prazeres, diretora de uma escola no município de Salvaterra, no Marajó, na comunidade quilombola Boa Vista, diz que o clima alterado é sentido pelas pessoas. “Além do calor que provoca a seca dos igarapés, as queimadas ameaçam a agricultura, a caça e a poeira do tempo seco afeta a saúde dos nossos moradores”, conta a diretora. Ela conta que a escola está ofertando aula de educação ambiental. Assim, a comunidade pode entender o que está acontece e ajudar no combate aos efeitos das alterações climáticas.
Farol Ver Amazônia
No limite 1
Agosto foi o mês mais quente já registrado na história do planeta. O observatório europeu Copernicus anunciou que a tendência de calor extremo continua. Os últimos três meses tiveram as temperaturas mais elevadas desde o período pré-industrial.
No limite 2
No geral, os últimos 12 meses foram os mais quentes já registrados. O planeta continua ultrapassando o limite da temperatura global de 1,5 grau Celsius. As consequências vêm em forma de desastres, que atingem principalmente os mais vulneráveis.
Poluição
Os gases de efeito estufa continuam sendo jogados na atmosfera sem controle. A ONU reconhece que os avanços nos últimos anos foram insuficientes. Segundo as Nações Unidas, em 2022, cerca de 57 bilhões de toneladas de CO2 foram emitidas. Os combustíveis fósseis (petróleo, carvão e gás) são os maiores responsáveis pela poluição.
Duas em uma
A ONU propôs a união dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) com as ações de enfrentamento da emergência climática. Mais de 80% das metas dos ODS estão diretamente ligadas ao clima. Por isso, os especialistas constataram que não é mais viável abordar essas duas crises separadamente. O assunto foi discutido esta semana na 5ª Conferência Global sobre Sinergia Climática e ODS, que ocorreu no Rio de Janeiro.