São Paulo, SP - A Casa do Saulo mal tem uma semana de vida ativa, mas já recebeu a primeira-dama, Janja Lula da Silva, e a nata da gastronomia paulistana, incluindo Mara Salles, Jefferson Rueda, Bel Coelho, Marcelo Corrêa Bastos, Ieda de Matos, entre outros poderosos chefões.
Por trás da vitrine de sabores, costumes e carinhos amazônicos, está Saulo Jennings, já culpado pelo restaurante homônimo e primogênito em Santarém (PA) e pelas filiais bem-sucedidas em Belém (PA) e no Museu do Amanhã (RJ).
Agora, na destemperada Vila Olímpia, o santareno de 46 anos nem hesita: "Se fiz um restaurante no meio do mato, não vou fazer aqui que passam 50 mil pessoas por dia?". Curiosamente, o esconderijo a cerca de 20 quilômetros do município paraense, mais da metade deles em "estrada de chão", teve um embrião paulista.
"Eu estava tão empolgado com um trabalho de consultoria, que vim para são Paulo fazer um curso. Nos dois dias que sobraram, fui para Campos do Jordão, sem grana nenhuma, nenhuma, de carona com um amigo. Cheguei lá, tudo caro. Bota caro", relembra ele.
Resultado: o cozinheiro dividia fatia de pizza com a namorada, dormia "num cantinho", mas não soube declinar o convite para um jantar no Parque Tarundu. "A gente chegou lá, uma fazenda, longe, mas longe, cara para cacete, para comer uma besteirinha. Voltei mais liso do que nunca, mas com uma certeza: se eu vim nesse lugar, por que ninguém pode ir ao meu?”.
Da Amazônia para o Brasil
Nascia o grande embaixador tapajônico do país. Ex executivo de multinacional, num "desemprego pesado", começou a dar aula de kitesurf em frente à sua casa. No final do dia, cozinhava para os alunos, que "gostavam mais da comida do que da aula".
A experiência na "Suíça brasileira", o otimismo irretratável e um empurrãozinho paterno ajudaram: "Meu pai era eletricista, mas sempre cozinhou muito e disse, ‘olha filho, tenho aqui esse fogão de duas bocas’. Era industrial, aí peguei, peguei mais cinco mesas fiadas, comprei uns isopores e foi".
Num 23 de julho, já prestes a completar 15 anos, o incipiente chef chamou 20 pessoas e inaugurou a Casa do Saulo, visto que funcionava no seu próprio lar: "Eu ia na mesa, tirava o pedido e ia cozinhar, bem informal, achando que cozinhava, mas não entendia porra nenhuma da arte da culinária".
Daquela quinta-feira em diante, entre ingenuidade e maluquice, passou anos desligando a geladeira para ligar o liquidificador, descamando peixe na hora de mandá-los à brasa e tendo que dispensar cliente pelo próprio amadorismo.
De 20 lugares, o restaurateur bateu 450, voltou atrás e hoje atende 360 comensais de uma tacada só. Isso na casa mãe, porque ao mesmo tempo dá conta de quase mais mil clientes somando restaurante no Rio, dois em Belém, mais um em seu hotel de charme (o Bangalôs da Selva, no Tapajós) e, agora, o bebê paulistano.
Independentemente da localização, a fórmula de sucesso é a mesmíssima: cardápio único e genuíno, onde brilham surubim, filhote, pirarucu, tucunaré e outras pescas de manejo sustentável.
Ganhando o Brasil
São Paulo, contudo, tem suas particularidades, um frigorífico para 70 toneladas de produtos amazônicos e o primeiro rodízio de peixe na brasa, que funciona apenas nos almoços em dia de semana, como alternativa ao menu executivo.
"Tudo selvagem, é uma luta nossa. Aqui é ingrediente, propósito e churrasqueira, só isso", orgulha-se o chef, que mostra os mesmos peixes em um aquário gigante. Por ora, vale dizer, nem todos os seus 42 pratos estão sendo servidos e a lojinha amazônica não possui todos os itens de perfumaria, artesanato e condimentos que virá a ter.
Ainda assim, já é possível levar o famoso chocolate da Dona Nena, diretamente da Ilha do Combu, para casa e, melhor de tudo, provar clássicos como o Paraíso Verde e Casa do Saulo. O primeiro, um medalhão de pirarucu com bacon, finalizado com melaço de tucupi preto, que acompanha homus e pipoca de feijão-de-santarém, pesto de jambu e arroz com chicória (R$ 109,90).
O que leva o nome do lugar (R$ 129,90), por sua vez, foi a primeira receita do chef: "Fiz com que eu tinha na casa, peixe e castanha-do-pará. Virou uma versão de empratado, mas era um peixe inteiro dentro do creme do leite da castanha. Aí tinha a banana, foi também. O camarão entrou depois porque fica uma combinação maravilhosa".
Há também tacacá com camarão regional (R$ 32,90), caldeirada paraense (filhote ou pirarucu, camarão em caldo de tucupi com macaxeira, jambu, picles de pimentinha, tomate, ovo cozido, acompanhado por pirão e arroz, R$ 129,90), iscas de filé gratinadas com queijo do Marajó (R$ 69,90), arroz caldoso de pato (R$ 129,90) e massas como o canelone tapajônico de pirarucu defumado, queijo do marajó e pimentinha de cheiro (R$ 109,90) e o carbonara com bacon de pirarucu (R$ 89,90).
"Achou que ia chegar em São Paulo como? É pra chegar, chegando. Já achei que eu estava todo errado fazendo comida de panelão, mas Laurent Suaudeau me fez acreditar que eu seria cozinheiro, só precisava colocar a técnica em prática", confessa Saulo.
O chef que nunca temeu falta de energia, nem de sinal de celular, apostou nos ensinamentos do mestre: serve "colheronas" de arroz com peixe de rio, capricha em agridoces puxados no dulçor e em doçuras com frutas locais, como o creme de cupuaçu (R$ 36,90) e o tiramisù de bacuri (R$ 44,90).
Além disso, acaba de criar uma carta de drinks para reforçar a própria missão de "propagar a cozinha amazônica e com isso deixar todo mundo ganhar - produtores, pescadores e clientes".
Casa do Saulo
R. Gomes de Carvalho, 1666, Vila Olímpia. Seg. a sex., das 11h30 às 15h e das 19h às 23h; sáb. das 12h às 16h e das 19h às 23h; dom., das 12h às 17h.
Foto: Divulgação
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