O Ministério Público Federal (MPF) pediu à Justiça Estadual
do Pará que envie para julgamento pela Justiça Federal três processos em que
associações de povos e comunidades tradicionais acusam uma empresa do mercado
de carbono de violar uma série de direitos das famílias. Entre essas violações
está a entrada no território sem o consentimento das comunidades, acusam as
famílias.
De acordo com as associações de famílias de projetos de
assentamentos agroextrativistas, após a assinatura dos contratos, a empresa
Redda Projetos Ambientais impôs nova metodologia para os projetos de crédito de
carbono. Essa mudança nas regras, feita sem a aprovação das associações, obriga
as famílias a se desfazerem de projetos de manejo florestal, afetando
diretamente o modo de vida das comunidades.
Nos processos judiciais, atualmente em trâmite em Castanhal
e em Portel, as associações informaram à Justiça Estadual que a empresa se
recusou a realizar consulta prévia, livre e informada, alegando falta de tempo
e que muito dinheiro já havia sido investido no projeto. As famílias
registraram, ainda, que a empresa entrou no território e fez reunião sem
autorização das associações e afirmou que “nenhum presidente [de associação]
seria capaz de tirar a empresa dos territórios”.
Demandas das comunidades – Na Vara Agrária da Justiça
Estadual em Castanhal, as famílias pediram à Justiça decisão urgente para
proibir a entrada da empresa e de seus colaboradores nos territórios de domínio
das associações. As comunidades agroextrativistas também pedem que a Redda seja
impedida de realizar qualquer atividade que interfira no modo de vida dos
territórios, sob pena de multa, e que a empresa seja obrigada a elaborar nota
informativa pública, anunciando que não poderá entrar no território sem
autorização das associações, legítimas representantes dos assentamentos.
Na Vara Única da Justiça Estadual em Portel, as associações
pediram, também com urgência, que o projeto de carbono seja suspenso na
certificadora Verra, tendo em vista que a iniciativa está prestes a ser
validada pela certificadora, o que permitiria a geração e venda dos créditos de
carbono, ocasionando alto risco de prejuízo material e danos coletivos
irrecuperáveis, que abalam a credibilidade do referido mercado.
Argumentação do MPF – Entre outras argumentações sobre
a necessidade de que os processos sejam julgados pela Justiça Federal, o MPF
aponta que as questões tratadas são referentes às áreas de dominialidade da
União sobre terras públicas com influência de marés e a projeto
agroextrativista federal.
Além disso, o procurador da República Felipe de Moura Palha
destaca que o caso envolve direitos de comunidades tradicionais
agroextrativistas ribeirinhas e quilombolas e que a União se obrigou,
internacionalmente, a proteger a propriedade e posse dessas comunidades.
Essa obrigação ocorreu por meio da Convenção 169 da
Organização Internacional do Trabalho (OIT). O descumprimento da Convenção pode
causar a condenação da União (e não do Estado do Pará ou Município) em cortes
internacionais.
Entre os dispositivos da Convenção 169 da OIT destacados
pelo MPF estão os seguintes:
• “Dever-se-á impedir que pessoas
alheias a esses povos possam se aproveitar dos costumes dos mesmos ou do
desconhecimento das leis por parte dos seus membros para se arrogarem a
propriedade, a posse ou o uso das terras a eles pertencentes”;
• “A lei deverá prever sanções apropriadas contra toda intrusão não autorizada
nas terras dos povos interessados ou contra todo uso não autorizado das mesmas
por pessoas alheias a eles, e os governos deverão adotar medidas para impedirem
tais infrações”.
A manifestação do MPF também aponta a ausência de
regulamentação do mercado de carbono no Brasil e a necessidade de que a União
fiscalize as operações financeiras envolvidas. “Diante da competência exclusiva
da União para regulamentação da matéria, e ante a ausência de Lei Federal que
estabeleça diretrizes de regulamentação no âmbito do mercado voluntário,
pode-se afirmar que os contratos firmados em áreas de terras públicas
destinadas a povos indígenas e comunidades tradicionais são nulos”, frisa o membro
do MPF nas manifestações à Justiça do Pará.
Terceiro processo – Além de ter se manifestado
nos processos abertos a partir de ações judiciais das associações, o MPF também
se manifestou em processo instaurado a partir de ação do Estado do Pará contra
as associações e contra a Redda Projetos Ambientais.
Nesse terceiro processo, que tramita junto ao instaurado
pela ação das associações em Castanhal, o Estado do Pará, entre outros pedidos,
quer que a Justiça reconheça a nulidade dos contratos, interrompendo o uso não
autorizado do território, especificamente decorrente de grilagem de carbono,
tendo em vista o suposto domínio do Estado sobre o imóvel.
O MPF pede que a Justiça Estadual também decline esse
processo para a Justiça Federal, pelos mesmos motivos citados nas outras duas
manifestações.
O que é REDD+ – A Redução de Emissões por Desmatamento
e Degradação Florestal, Manejo Sustentável e Aumento do Estoque de Carbono
(REDD+) é um instrumento desenvolvido no âmbito da Convenção-Quadro das Nações
Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, na sigla em inglês) para recompensar
financeiramente países em desenvolvimento por seus resultados relacionados às
atividades de redução das emissões de gases de efeito estufa provenientes de
desmatamento, redução das emissões provenientes de degradação florestal, conservação
dos estoques de carbono florestal, manejo sustentável de florestas, e aumento
dos estoques de carbono florestal.
Processos 0801666-04.2023.8.14.0043, 0802066-68.2024.8.14.0015 e
0810193-29.2023.8.14.0015
Íntegra da manifestação do MPF no processo 0801666-04.2023.8.14.0043
Íntegra da manifestação do MPF no processo 0802066-68.2024.8.14.0015
Íntegra da manifestação do MPF no processo 0810193-29.2023.8.14.0015
Fonte: Ministério Público Federal no Pará
Foto: Fernando Sette / Divulgação