O Ministério Público Federal (MPF) realizou, entre os
últimos dias 12 e 15, uma série de reuniões com comunidades quilombolas de
Barcarena (PA) para coletar informações atualizadas sobre os problemas
enfrentados por essas comunidades e para divulgar novidades sobre a atuação do
MPF na defesa dos direitos delas. O procurador da República Rafael Martins e
equipe visitaram as comunidades do Burajuba, Cupuaçu/Boa Vista, Gibrié de São
Lourenço, São João e Sítio Conceição.
Durante as reuniões, os moradores relataram desafios históricos, como a perda
de territórios tradicionais devido a invasões, a falta de reconhecimento formal
de suas terras e os impactos ambientais causados por empreendimentos próximos,
como poluição de rios e desmatamento. “Água é vida! E nós não temos água para
beber, não podemos pescar e nem tomar banho. Se continuar desse jeito, em pouco
tempo não terá mais quilombolas em Barcarena”, destacou a liderança Maria do
Socorro Costa da Silva, da comunidade do Burajuba.
Na comunidade São João, a liderança Sandra Amorim lembrou da tristeza que
sentiu ao quase ter que cancelar uma festa do Dia das Mães porque praticamente
todas as mulheres convidadas estavam doentes. “Há muitas pessoas doentes, que
estão bebendo água de carros-pipa que não sabem de onde vêm”, enfatizou.
Nos diálogos realizados na comunidade São João, a liderança Maria Salustiana
Cardoso relatou que cachorros, galinhas e plantações morreram. “Antes, a gente
tinha açaí, pupunha, cupuaçu e castanha, e hoje em dia só temos açaí, e, quando
consumimos esse açaí, passamos mal”, contou.
Na comunidade Cupuaçu/Boa Vista, Luciene Santos Pinheiro destacou a devastação
de áreas de roça e a ameaça constante de ocupações irregulares, que
comprometeram o acesso a recursos naturais essenciais, como a pesca e a
agricultura. “Hoje, a gente não tem mais roças, não tem mais como pescar, a
gente perdeu tudo. Antes, a gente não comprava, tudo era tirado da terra,
tirado da pesca. Hoje, a gente não tem nem local mais para trabalhar”, afirmou.
Outras questões levantadas incluíram a ausência de serviços básicos, como
transporte, saúde e energia elétrica, e a falta de reconhecimento das
comunidades pelo município, o que impede o acesso a programas habitacionais e
outros benefícios. “O município não nos reconhece, então perdemos nossa
identidade. Não conseguimos moradia, escola, nada”, lamentou uma liderança.
Ação judicial – O procurador da República Rafael Martins informou que,
desde 2024, o MPF move uma ação para anular a doação ilegal de terras da União
ao município de Barcarena, realizada sem considerar a presença das comunidades
quilombolas, em violação à Constituição Federal. “O MPF considera que essa
doação foi ilegal, e o principal motivo da ilegalidade dessa doação foi ter
ignorado que vocês existiam aqui”, afirmou Martins.
A ação também requer a demarcação dos cinco territórios pelo Instituto Nacional
de Colonização e Reforma Agrária (Incra), que não cumpriu o prazo de um ano
para concluir o processo. Com base nos relatos das comunidades, o MPF vai novamente
cobrar que o Incra avance para concluir essa obrigação, segundo afirmou
Martins.
Uma decisão liminar da Justiça Federal já proíbe a retirada de moradores ou a
ocupação das áreas quilombolas para empreendimentos, como condomínios ou
projetos empresariais. No entanto, o procurador da República destacou que a
demora na regularização fundiária agrava as invasões, e pediu que as
comunidades documentem esses problemas com fotos, mapas ou relatos para
fortalecer a ação judicial.
Impactos e consulta – Os moradores denunciaram a ausência de consulta
prévia, livre e informada, prevista na Convenção 169 da Organização
Internacional do Trabalho (OIT), para empreendimentos que afetam seus
territórios. Um exemplo foi a instalação de tubulações de esgoto pela empresa
Águas de São Francisco, realizada sem diálogo com a comunidade e com risco de
contaminação dos rios. “Esse esgoto vai cair nos nossos rios, onde pescamos.
Como vai ser o futuro dos nossos filhos?”, questionou uma moradora de
Cupuaçu/Boa Vista.
Rafael Martins reforçou que qualquer empreendimento que impacte as comunidades,
mesmo fora do território, exige consulta prévia. Ele orientou que os moradores
relatem imediatamente novos projetos ou invasões, especialmente se realizados
pelo município, para que o MPF possa intervir com base na decisão judicial.
Compromisso do MPF – O MPF se comprometeu a articular com outros órgãos,
como a Defensoria Pública, e a pressionar o Judiciário e o Incra para agilizar
a demarcação das terras. Martins destacou a importância da participação ativa
das comunidades, incluindo a autodemarcação dos territórios por meio de
plataformas como o "Territórios Vivos" do MPF. “Nosso sonho é que vocês
não dependam do MPF, e sim que o MPF seja só um catalisador, um amplificador da
voz dos povos e comunidades tradicionais”, frisou Martins.
Fonte e foto: MPF