Brasília, 26 - O presidente Luiz Inácio
Lula da Silva defendeu o livre comércio nesta quarta-feira, 26, em Tóquio,
diante de empresários japoneses e brasileiros e do premiê do Japão, Shigeru
Ishiba. Lula enumerou críticas a negacionistas, à extrema direita e fez um
apelo ao governante japonês contra o protecionismo.
"Nós não queremos mais muro. Nós não queremos mais guerra fria. Nós não queremos
mais ser prisioneiros da ignorância. Nós queremos ser livres e prisioneiros da
liberdade", afirmou Lula, ao encerrar o Fórum Empresarial Brasil-Japão.
Ele pediu que Ishiba brigue também em defesa da democracia e do
multilateralismo, em clara reação às políticas adotadas pelo presidente
americano Donald Trump. Os Estados Unidos dispararam uma guerra tarifária
global que deve atingir o Brasil mais uma vez na semana que vem, mas são um
tradicional aliado estratégico do Japão. O petista não citou Trump, nem
Washington, destino de recente viagem do primeiro-ministro japonês.
Lula afirmou que "três preocupações" devem nortear a ação dos chefes
de Estado e de governo de países democráticos do mundo.
"A democracia corre risco no planeta com eleição de extrema-direita
negacionista que não reconhece sequer vacina, não reconhece sequer a
instabilidade climática e não reconhece sequer partidos políticos, sindicatos e
outras coisas. E a negação da política não trará nenhum benefício para a
humanidade Inclusive, os negacionistas não querem sequer atender o cumprimento
do Protocolo de Kyoto", discursou Lula.
"A segunda coisa que nós temos que defender muito bem e com muita força é
a questão do livre comércio. Nós não podemos voltar a defender o protecionismo.
Nós não queremos uma segunda guerra fria. O que nós queremos é comércio livre
para que a gente possa definitivamente fazer com que nossos países se
estabeleçam no movimento da democracia, no crescimento econômico e na
distribuição de riqueza. Outra coisa que nós não podemos esquecer,
primeiro-ministro, é a manutenção do multilateralismo "
Nesse sentido, o presidente brasileiro sugeriu que o Japão inicie de vez
negociações para um acordo comercial com o Mercosul. As conversas se arrastam
há alguns anos, mas diplomatas relataram que o formato de contatos
exploratórios se esgotou, como mostrou o Estadão/Broadcast.
"Em um mundo cada vez mais complexo, é fundamental que parceiros
históricos se unam para enfrentar as incertezas e instabilidades da economia
global. Estou seguro de que precisamos avançar com a assinatura de um acordo de
parceria econômica entre Japão e Mercosul. Nossos países têm mais a ganhar pela
integração do que pelo recurso de práticas protecionistas", disse o
petista, nesta quarta-feira, dia 26, no Hotel New Otani.
O presidente elogiou a isenção recíproca de vistos de negócios e turismo entre
Brasil e Japão e disse que foi "um passo essencial nessa direção". A
medida foi decidida em 2023 e projeta-se que dobre o número de visitantes
japoneses no Brasil, em 2025, em comparação com dois anos atrás - serão cerca
de 82 mil pessoas. Na outra mão, o número de brasileiros no Japão aumentou 51%
em um ano, com a queda do visto.
O presidente citou que espera investimentos no Brasil de mais montadoras japonesas,
como Honda, a Nissan e a Mitsubishi, além da Toyota, para produção de veículos
elétricos e híbridos, capazes de operar com qualquer mistura de etanol e
gasolina. O Brasil planeja aumentar de 27% para 30% a mistura de etanol na
gasolina e no diesel a 20%, até 2030, como forma de transição energética para
corte de emissões de gases estufa.
"A descarbonização não é uma escolha, é uma necessidade e grande
oportunidade. O envolvimento do setor privado nessa meta é simplesmente
fundamental. O Brasil sempre será um aliado para reduzir a dependência global
de combustíveis fósseis", afirmou Lula. "Continuaremos a liderar a
transição justa."
O presidente defendeu que o Japão avance no plano de ampliar a mistura na
gasolina de 10% de etanol, o que poderia em potencial ampliar as importações
originárias no Brasil. A mistura deve chegar a 20% até 2024. O País vai
disputar mercado com os Estados Unidos. No entanto, Lula alertou que promessas
no passado do próprio Japão e da União Europeia não se cumpriram.
"Eu fico acreditando e torcendo para que isso aconteça, porque será uma
revolução na questão climática no nosso País", disse Lula, acompanhado no
Japão por 98 empresas, entre elas as principais do setor sucroalcooleiro.
Lula disse esperar a visita do premiê Shigeru Ishiba, em novembro, para a COP30
em Belém (PA) "para ter contato com o coração da Amazônia que todo mundo
fala e que pouca gente conhece". O presidente disse que vai realizar uma
conferência sobre mudança do clima com "responsabilidade, serenidade, com
menos ufanismo e com mais debate sério sobre a questão do controle do
esquentamento do planeta".
O petista disse que a meta do Acordo de Paris, de limitar o aumento da
temperatura média global a 1,5ºC. "não é uma brincadeira, não é uma coisa
de cientista".
Sem citar Trump, que anunciou a retirada dos EUA do Acordo de Paris, Lula
enumerou compromissos não cumpridos pelos países desenvolvidos. Os EUA também
nunca ratificaram o Protocolo de Kyoto. O petista também citou que a prometida
contribuição, acertada em Copenhague, para destinação de US$ 100 bilhões anuais
pelos países ricos para conservação ambiental e ações climáticas nunca se
materializou.
"É importante lembrar que a floresta em pé é muito bonita, mas embaixo de
cada árvore tem um trabalhador, tem um indígena, tem um extrativista, tem um
seringueiro, tem um trabalhador rural e se a gente quer manter as florestas em
pé é preciso que a gente dê sustentabilidade para que essas pessoas possam
viver e ter acesso aos bens materiais que todo mundo quer ter em todos os
países do mundo", afirmou Lula.
O Japão é o segundo principal parceiro comercial do Brasil na Ásia. A balança
comercial tem certo equilíbrio. Em 2024, o Brasil exportou US$ 5,5 bilhões e
importou US$ 5,4 bilhões em produtos japoneses, um superávit para o lado
brasileiro de US$ 147 milhões.
A pauta exportadora é composta principalmente de minério de ferro, carne de
aves, café, milho e alumínio; a importadora, de peças automotivas, partes de
motores, automóveis, entre outros.
O presidente citou dados que mostram um declínio da corrente de comércio
bilateral nos últimos anos: eram US$ 17 bilhões em 2011 e passou para US$ 11
bilhões em 2024. Ele pregou uma nova estratégia de relacionamento.
"Nós queremos vender e queremos comprar, mas, sobretudo, nós queremos
compartilhar alianças entre as empresas japonesas e as empresas brasileiras
para que a gente possa crescer juntos", disse Lula. "Algo não andou
bem na nossa relação e é preciso aprimorá-la. Este fórum empresarial é a
oportunidade para reverter esse declínio."
Ele citou a venda de até 20 aeronaves E-190 E2 da Embraer para a companhia
aérea ANA (All Nippon Airways) - e disse que quem compra 20 "pode comprar
um pouco mais". O jato vai ser operado pela primeira vez no mercado
doméstico a partir de 2028, cobrindo rotas regionais, conforme planos da
companhia.
Em um cenário global marcado por incertezas da guerra tarifária e comercial e
confrontos bélicos, o presidente indicou que o Brasil é um parceiro confiável
para os investimentos japoneses.
"Quero convidar os japoneses a investirem no Brasil, porque o Brasil é um
porto seguro, como foi para os japoneses em 1908, nós queremos ser, em 2025,
atraindo parcerias, joint-ventures e investimentos japoneses no nosso
País", afirmou Lula.
O presidente disse em Tóquio que o País voltou a ter estabilidade em seu
mandato, nas esferas política, econômica, jurídica e social. Ele citou como
exemplos a presença no Japão da atual e da antiga cúpula do Congresso Nacional;
o crescimento do PIB acima do previsto nos dois primeiros anos do governo; a
reforma tributária com apoio parlamentar; e o que chamou de "a mais
importante política de inclusão social na história do Brasil e a mais
importante política de crédito na história do Brasil".
"Eu posso afirmar, ministro em cima, que nunca antes na história do Brasil
houve tanto crédito disponibilizado para as pessoas mais pobres, para os
trabalhadores, e também para os grandes empresários e para o agronegócio,
porque o Banco do Brasil voltou a atuar com muita força, porque o Banco de
Desenvolvimento voltou a atuar com muita força, porque a Caixa Econômica
Federal voltou a atuar com muita força", disse Lula, após lançar um novo
crédito consignado para trabalhadores com carteira assinada.
"O Brasil continuará desafiando as projeções do Banco Mundial. Nos últimos
dois anos, nosso nível superou as expectativas e cresceu acima de 3%. Em 2025,
outra vez, nós vamos surpreender o mundo e teremos surpreender em parceria com
o Japão. Aprovamos uma histórica reforma tributária que vai simplificar
processos, reduzir custos e oferecer maior previsibilidade e eficiência aos
negócios. Estamos corrigindo injustiças no imposto de renda para beneficiar
milhões de brasileiros, aumentando o consumo das famílias e fazendo a roda da
economia girar", afirmou o presidente.
Lula defendeu previsibilidade aos investidores externos. "Ninguém pode ser
pego de surpresa com mudança de lei, com mudança de decreto, com mudança de
portaria a todo santo dia", afirmou o petista. "Todo mundo tem que
saber o que vai acontecer para que ninguém sofra percalços de atitude de
governo, muitas vezes agindo de forma irresponsável, sem levar em conta o
respeito que nós temos que ter pelos trabalhadores, pelos empresários e pelos
políticos."
Antes do discurso aos empresários, Lula recebeu no Hotel Imperial, onde se
hospedou, uma comitiva de sindicalistas japoneses para conversar com
representantes de sindicatos brasileiros. O presidente relatou que cinco
sindicalistas brasileiros foram convidados para acompanhar sua viagem.
Fonte: Estadão conteúdo
Foto: Ricardo Stuckert / PR