São Paulo, SP - A Marcha para Exu, que homenageia uma das principais figuras de religiões de matriz africana, como a umbanda e o candomblé, chega à terceira edição buscando consolidar-se enquanto evento religioso após grande repercussão nos anos anteriores.
O evento, que ocorre anualmente na avenida Paulista, em São Paulo, está previsto para este domingo, 17, às 11h, e segue com o objetivo principal de quebrar o estigma sobre cultos afro-brasileiros, comumente associados por religiões cristãs ao diabo.
Com mais capilaridade, a caminhada decidiu trazer influenciadores e artistas de outras regiões do país, apelando para novos públicos e trazendo novas atrações. Para a organização, é hora de mostrar que Exu é símbolo também de pluralidade.
Segundo o Censo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), 1% da população brasileira declarou ser adepta da umbanda ou candomblé em 2022, o que representa o maior crescimento proporcional entre as religiões —em 2010, essa taxa era de 0,3%.
A Marcha para Exu surgiu em 2023, sob o mote "nunca foi sorte, sempre foi macumba!" - usado até hoje -, e busca desmistificar a imagem de figuras e ritos de religiões de matriz africana.
Exu é uma figura central de cultos como o candomblé, onde é cultuado como orixá, deidade representante de forças da natureza. Na umbanda e quimbanda é representado por entidades, com mais contato com o cotidiano terreno. Em todas, ele faz a ponte entre o divino e o humano, o sagrado e o mundano.
Tanto o orixá quanto a entidade buscam a proteção e a abertura de caminhos, promovendo a superação de dificuldades na vida dos que o seguem por meio da transformação e da constante mudança, seja em aspectos pessoais, seja em profissionais.
Também é Exu o principal associado ao demônio no cristianismo, algo propagado pela Igreja Católica e, depois, pelas diversas correntes evangélicas. Edir Macedo, fundador da Igreja Universal do Reino de Deus, incluiu a figura em rol de "espíritos malignos sem corpos", em seu livro "Orixás, Caboclos e Guias: Deuses ou Demônios?", best-seller alvo de questionamentos na Justiça por seu teor preconceituoso.
O anúncio da caminhada em seu primeiro ano irritou algumas parcelas evangélicas avessas a essas crenças, alegando que a realização da Marcha para Jesus na principal avenida da capital paulista tem sido negada.
Entretanto, o apóstolo Estevam Hernandes, idealizador do ato cristão, diz ser inviável manter a manifestação na via diante de sua superlativa dimensão.
Nas duas edições a Marcha para Exu teve público diverso em idade e no aspecto étnico-racial. Nas crenças, compareceram tanto pessoas ligadas à fé afro-brasileira, quanto simpatizantes, mesmo que sem elo direto com os cultos.
A marcha conta com toques de atabaque, que dão o tom para pontos e cânticos tradicionais. Também ocorrem performances artísticas que lembram os rituais dessas religiões, além de rodas de capoeira, apresentações de maracatu e outras expressões culturais afro-brasileiras.
A organização pede que os participantes vistam e vermelho e levem 1 kg de alimento não perecível, para doação a comunidades vulneráveis em São Paulo e no Rio de Janeiro.
Jonathan Pires, pai de santo e organizador do evento, afirma que esta terceira edição será mais robusta diante do aprendizado obtido nos dois últimos anos, especialmente em relação aos horários, estrutura de som e palco, além do time de apoio ao público que participará da caminhada.
Assim como em 2023, ele afirma à Folha que a marcha segue vedada a políticos. Ele argumenta não querer levar a luta contra a intolerância religiosa, cara aos que cultuam os ritos de matriz africana, para o simples uso eleitoral.
"A Marcha para Exu não é palanque político. Não aceitamos patrocínio ou uso político do evento. É uma manifestação independente, feita pelo povo e para o povo, financiada sem vínculos partidários. O objetivo é celebrar Exu, nossa cultura e combater a intolerância religiosa", afirmou o pai de santo, que também é influenciador - ele reúne 542 mil seguidores no Instagram.
"Em um país que ainda sofre com a intolerância religiosa, marchar por Exu é marchar por respeito, diversidade e justiça."
Jonathan seguiu com a estratégia de chamar mais influenciadores que pais de santo e lideranças históricas, buscando aumentar a repercussão do evento nacionalmente. Um exemplo é Alex Solários, que viralizou nas redes ao tocar pontos de umbanda no metrô paulista. Agora, foram chamadas figuras de outros estados, como Paraíba, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro.
"A presença de influenciadores mostra que a narrativa está mudando. Hoje, pessoas de matriz africana têm voz, espaço e alcance para mostrar nossa fé sem pedir licença. Isso ajuda a combater preconceitos e levar conhecimento para quem nunca teve contato com nossa cultura", ressaltou.
O pai de santo registrou a Marcha para Exu no Inpi (Instituto Nacional da Propriedade Industrial), visando evitar a realização de eventos pelo país com o mesmo nome. Questionado sobre os motivos para a decisão, ele afirma querer evitar associação com políticos ou uso de verba pública.
"Eu patenteei Marcha para Exu, não Exu", argumentou. Ele diz querer levar a caminhada para outros estados, mas sob a liderança dele, sem contato com lideranças políticas locais e com investimento totalmente privado.
Foto: Reprodução Instagram
(Com a Folha)