Atendendo a uma determinação da Justiça Federal, a defesa do falso frei Phillip Neves Machado anexou, na noite sexta-feira, 16 deste mês, quatro "diplomas" - nenhum de universidade ou formação acadêmica - ao processo do Caso Samarco e uma manifestação apontando que ele, nomeado como perito judicial no processo, possui "conhecimento prático" e, por isso, estaria habilitado para atuar na perícia.
No início do mês, a Itatiaia mostrou que o "frei" Phillip Machado já recebeu quase R$ 2 milhões da Justiça Federal, através de pagamentos da Fundação Renova, para atuar como perito socioeconômico no processo referente às indenizações feitas pela mineradora Samarco, proprietária da barragem de Fundão, que se rompeu em 2015. Nos autos, ainda estavam previstos para ser repassados mais R$ 900 mil.
Depois de questionado pela reportagem, o juiz federal Michael Procópio de Avelar, responsável pelo caso, determinou que todos os peritos do caso anexassem provas de seus currículos e especializações. Na época de sua nomeação, Machado afirmou à Justiça ter doutorado e mestrado em universidades da Itália, Portugal e Holanda.
Na última sexta, no entanto, a defesa do falso frei anexou somente quatro diplomas de homenagens: dois feitos pela "Sociedade Brasileira de Heráldica, Medalhística, Cultural e Educacional", em que estabelecem o título de Comendador da instituição a Phillip Machado; um diploma de homenagem da Cooperativa dos Agricultores Familiares Flor do Amazonas, que põe Machado como "cooperado de honra por sua contribuição com nossos projetos”; e outro do Instituto Luterano de Ensino Superior de Porto Velho (Ulbra), em que a instituição agradece o perito judicial pela "participação na formação de nossos acadêmicos".
No diploma da Cooperativa dos Agricultores Familiares Flor do Amazonas, há ainda a menção de uma marca do "Frango du Frei". Em contato com a entidade, a Itatiaia apurou que a marca foi feita em homenagem à atuação de Phillip Machado na época em que atuava como consultor da empresa Santo Antônio Energia, em Roraima.
Na manifestação anexada à Justiça Federal, a defesa de Phillip Machado pontua que os trabalhos do falso frei "sempre foram de qualidade indiscutível. Seus relatórios e visitas in loco contam com esmero e técnica, além de demonstrarem, por si só, que o ‘perito’ possui conhecimento à altura do cargo", argumenta.
A manifestação não cita nenhuma formação acadêmica de Machado, mas pontua experiências profissionais, como consultorias a empresas privadas de energia e a participação no Comitê Técnico da Fundação Renova. "Ao longo do processo, todos os trabalhos técnicos requisitados foram prestados com inegável esmero e correção. Não podia se esperar menos do presidente de um renomado comitê técnico de sócio economia. Note-se que nunca houve uma alegação sequer de incorreção na metodologia empregada nas perícias. Nenhum perito auxiliar ou contraparte contestou a capacidade de suas conclusões em contribuir com uma percepção clara e tecnicamente adequada, de todos magistrados que presidiram a demanda, sobre a realidade dos fatos".
Além dos diplomas e da manifestação, a defesa de Phillip Machado enviou ofícios extrajudiciais à Fundação Renova, ao Instituto Transforma, à Santo Antônio Energia, à Novonor e à Unesco solicitando comprovações de sua atuação profissional junto às entidades. A defesa não anexou nenhum pedido enviado às universidades em que o perito judicial disse possuir graduações.
A manifestação da defesa confirma, ainda, que Phillip Machado de fato não é frei, como se apresentava. "Sua jornada profissional no ramo iniciou-se logo após abandonar os estudos no Seminário Nossa Senhora do Paraíso, em São Paulo, ainda jovem, quando se apaixonou pelo diálogo social, especialmente em sua interseção com a Igreja Católica", mostra o posicionamento.
À Justiça Federal, Phillip Machado pontuou ser doutor em Geopolítica e Conflitos Internacionais pela Pontifícia Universidade Gregoriana, na Itália, mestre em Filosofia pela Universidade de Coimbra, em Portugal, mestre em Teologia pelo Instituto Santo Inácio de Loiola, professor convidado da Universidade Católica de Lisboa, consultor internacional da ONU e da Unesco.
Confissão
Seis dias depois da reportagem, Phillip Neves Machado enviou uma gravação de voz a pessoas que atuam junto aos atingidos pelo rompimento da barragem de Mariana, e, na mensagem, pediu perdão por ter "mentido muito" e afirmando que, no tempo certo, irá "revelar toda a verdade".
Investigação
Depois da Itatiaia revelar o caso, o Ministério Público Federal requereu à Polícia Federal a instauração de um inquérito policial para investigar a atuação do falso frei Phillip Neves Machado como perito judicial no caso do rompimento da barragem de Mariana, da Samarco, que tramita na Justiça Federal. De acordo com o procurador da República Carlos Bruno Ferreira da Silva, chefe da força-tarefa do caso Samarco, "trata-se de possível ocorrência dos delitos de falsificação de documento público e de documento particular e falsidade ideológica”.
"Se forem comprovadas as irregularidades na especialização e currículo do perito judicial, é possível que sejam anuladas as perícias efetuadas e até decisões que foram baseadas nos laudos e relatórios desse perito (Com informações/Itatiaia).
Efeito colateral
Detalhe: esse falso perito atuou em processos de indenizações na Justiça federal, inclusive no Pará, e muitas decisões judiciais usaram perícias dele.