Conselho aponta "impasses e contradições" na política indígena do terceiro governo Lula

Projetos de infraestrutura e grande obras do novo PAC favoreceram conflitos em terras indígenas no ano passado: 150 casos em 124 terras em 24 Estados, 15 deles no Pará.

26/07/2024 08:00
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 relatório Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil, publicação anual do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), divulgado em Brasília, na última terça-feira, 23, apresenta dados de 2023, primeiro ano do terceiro governo Lula, que, segundo o Conselho, foi marcado por impasses e contradições na política indigenista.


O relatório tem três capítulos que apresentam os tipos de violências contra os indígenas: contra o patrimônio; contra a pessoa e por omissão do poder público.


Relatório denuncia a incapacidade do Estado de garantir proteção efetiva e contínua aos territórios indígenas/Fotos: Divulgação.

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Dados de violência

 

No capítulo sobre Violência Contra o Patrimônio, o relatório mostra tópicos como omissão e morosidade na regularização de terras (com 850 casos); a situação geral das terras indígenas no Brasil; conflitos relativos a direitos territoriais (150 registros); invasões possessórias, exploração ilegal de recursos naturais e danos ao patrimônio (276 casos).

 

Em 2023, o Diário Oficial da União publicou apenas três Relatórios Circunstanciados de Identificação e Delimitação referentes às Terras Indígenas (TIs): a Krenak de Sete Salões, em Minas Gerais, do povo Krenak; a Sawré Ba’pim, do povo Munduruku, no Pará; e Kapôt Nhinore, dos povos Kayapó e Yudja, nos Estados do Pará e de Mato Grosso. O relatório considera que esse segmento ainda está muito lento na atual gestão do presidente Lula.

O Pará tem 48 terras indígenas com alguma pendência administrativa. Doze delas ainda precisam ser identificadas; cinco são identificadas; cinco declaradas; uma com portaria de restrição e 24 delas sem qualquer providência.

 

Conflitos territoriais

 

O relatório informa que o governo que mais homologou terras indígenas no Brasil foi o de Fernando Henrique Cardoso, de 1995-2002, com 145 homologações, média de 18 ao ano; e o pior, o de Jair Bolsonaro, de 2019-2022, que não teve homologação alguma.

 

Em 2023, foram registrados 150 casos de conflitos relativos a direitos territoriais em 124 terras e territórios indígenas em 24 Estados, a maioria envolvendo comunidades em luta pela terra. No Pará, houve 15 casos desse tipo de conflito.

 

O impacto direto sobre terras e territórios indígenas e os conflitos trazidos estão ligados a projetos de infraestrutura e grandes obras que ganharam avanços depois do anúncio do Novo Programa de Aceleração do Crescimento.

 

Dentre esses projetos, destaca-se a ferrovia EF-170, a Ferrogrão, com quase mil quilômetros, voltada ao escoamento da produção do agronegócio, que pretende ligar o município Sinop, em Mato Grosso, ao Distrito de Miritituba, no Pará. A obra afetaria diversos territórios e povos indígenas e quilombolas, que têm se manifestado contra o projeto.

 

Invasões possessórias

 

Em 2023, foram registrados 276 casos de invasões possessórias, exploração ilegal de recursos naturais e danos diversos ao patrimônio em pelo menos 202 terras e territórios indígenas em 22 Estados. Os casos indicam a continuidade de situações já registradas em anos anteriores e mostra a incapacidade do Estado de garantir proteção efetiva e contínua aos territórios indígenas.

 

No Pará, foram registrados 40 casos nesse segmento, com operações realizadas nas TIs Apyterewa, do povo Parakanã, Trincheira-Bacajá, dos povos Mebengôkre, Kayapó e Xikrin; e Ituna-Itatá, onde vivem indígenas isolados, na região do médio Xingu. Essas e outras TIs da região têm registrado os maiores índices de desmatamento em terras indígenas da Amazônia Legal, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

 

A desintrusão da TI Apyterewa, determinada pela Justiça Federal e pelo STF, começou somente em outubro, após hesitação do governo federal. A atuação do governador do Pará, Helder Barbalho, e de outros políticos do Estado para evitar a retirada de grileiros, madeireiros, garimpeiros e outros invasores da terra foi amplamente noticiada.

 

Um dos tipos de invasão registrados na terra Apyterewa, que já perdeu 31,9 mil hectares de floresta, é o garimpo ilegal, que segue recorrente em diversos territórios. Pelo menos 30 terras e territórios indígenas registraram invasão ou impactos diretamente provocados pelas práticas de mineração e de garimpo.

 

Os três tipos de invasões mais comuns são: desmatamento (com 66 territórios afetados), extração ilegal de madeira, areia, castanha e outros recursos naturais (62 territórios) e invasão possessória de fazendeiros ou posseiros (51 territórios). Garimpo e mineração aparecem em sétimo lugar, impactando 30 territórios.  

 

Violência contra pessoa

 

Os casos de Violência contra a Pessoa totalizaram 404 registros em 2023. Esta seção é dividida em nove categorias, nas quais foram registrados os seguintes dados: abuso de poder (15 casos); ameaça de morte (17); ameaças várias (40); assassinatos (208); homicídio culposo (17); lesões corporais (18); racismo e discriminação étnico-cultural (38); tentativa de assassinato (35); e violência sexual (23).

 

Em 2023, dos 15 casos de abuso de poder contra indígenas no Brasil, um foi no Pará, na comunidade Tembé. No dia da abertura de um evento preparatório para a Cúpula da Amazônia, 4 de agosto do ano passado, policiais militares de Belém e seguranças de uma empresa promoveram uma ação considerada ilegal e arbitrária contra indígenas na aldeia Bananal.

 

Quatro casos de ameaças de morte foram registrados contra indígenas no Pará. Também foram registrados 40 casos de ameaças várias contra povos indígenas em 2023, com cinco registros no Pará, sendo do tipo como ameaça, intimidação e entrada sem autorização em terras indígenas.

 

Mais de 200 assassinatos

 

O relatório registrou a ocorrência de, pelo menos, 208 assassinatos de indígenas no Brasil. Como em anos anteriores, os Estados que registraram o maior número de assassinados foram Roraima (47), Mato Grosso do Sul (43) e Amazonas (36), que representam 39% do total. Os crimes foram registrados em 26 Estados e vitimaram 179 homens e 30 mulheres.

 

As tentativas de assassinatos foram 35 contra, ao menos, 44 pessoas, e em 21 dos 35 casos foram usadas armas de fogo. No Pará, foram dois assassinatos, todos do sexo masculino, sendo um em julho e outro em novembro, de 2023. Mas não houve registros de lesões corporais, nem de homicídios culposos.

 

Racismo e discriminação

 

No ano passado, foram registrados 38 casos de racismo e discriminação étnico-cultural. Os maiores números foram registrados no Maranhão, com sete. No Pará, foram três. Entre os 23 casos de violência sexual contra crianças, adolescentes e mulheres indígenas, não há nenhum no Pará.

 

Falta de assistência 

 

Foram registrados 66 casos de desassistência geral a povos indígenas no Brasil em 2023, sendo cinco no Pará, em Belém, Paragominas, Santarém, Itupiranga e Altamira. As ocorrências se referem, na maioria, à falta de acesso à terra e acesso limitado à água potável.


Também foram registrados 100 casos de desassistência na área da saúde que afetaram indígenas de 17 Estados do País, sendo dez no Pará. A contaminação por mercúrio, utilizado de forma ilegal nos garimpos de ouro é muito presente. Os Yanomami, em Roraima e no Amazonas, e Munduruku, no rio Tapajós, no Pará, são os mais afetados. Também há casos de contaminação de rios por níquel e outros metais pesados, como no caso dos Xikrin do Cateté, também no Pará. 

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