relatório Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil, publicação anual do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), divulgado em Brasília, na última terça-feira, 23, apresenta dados de 2023, primeiro ano do terceiro governo Lula, que, segundo o Conselho, foi marcado por impasses e contradições na política indigenista.
O relatório tem três capítulos que apresentam os tipos de violências contra os indígenas: contra o patrimônio; contra a pessoa e por omissão do poder público.
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Dados de violência
No capítulo sobre Violência Contra o
Patrimônio, o relatório mostra tópicos como omissão e morosidade na
regularização de terras (com 850 casos); a situação geral das terras indígenas
no Brasil; conflitos relativos a direitos territoriais (150 registros);
invasões possessórias, exploração ilegal de recursos naturais e danos ao patrimônio
(276 casos).
Em 2023, o Diário Oficial da União
publicou apenas três Relatórios Circunstanciados de Identificação e Delimitação
referentes às Terras Indígenas (TIs): a Krenak de Sete Salões, em Minas Gerais,
do povo Krenak; a Sawré Ba’pim, do povo Munduruku, no Pará; e Kapôt Nhinore,
dos povos Kayapó e Yudja, nos Estados do Pará e de Mato Grosso. O relatório
considera que esse segmento ainda está muito lento na atual gestão do
presidente Lula.
O Pará tem 48 terras indígenas com
alguma pendência administrativa. Doze delas ainda precisam ser identificadas;
cinco são identificadas; cinco declaradas; uma com portaria de restrição e 24
delas sem qualquer providência.
Conflitos territoriais
O relatório informa que o governo que
mais homologou terras indígenas no Brasil foi o de Fernando Henrique Cardoso,
de 1995-2002, com 145 homologações, média de 18 ao ano; e o pior, o de Jair
Bolsonaro, de 2019-2022, que não teve homologação alguma.
Em 2023, foram registrados 150 casos
de conflitos relativos a direitos territoriais em 124 terras e territórios
indígenas em 24 Estados, a maioria envolvendo comunidades em luta pela terra.
No Pará, houve 15 casos desse tipo de conflito.
O impacto direto sobre terras e
territórios indígenas e os conflitos trazidos estão ligados a projetos de
infraestrutura e grandes obras que ganharam avanços depois do anúncio do Novo
Programa de Aceleração do Crescimento.
Dentre esses projetos, destaca-se a
ferrovia EF-170, a Ferrogrão, com quase mil quilômetros, voltada ao escoamento
da produção do agronegócio, que pretende ligar o município Sinop, em Mato
Grosso, ao Distrito de Miritituba, no Pará. A obra afetaria diversos
territórios e povos indígenas e quilombolas, que têm se manifestado contra o
projeto.
Invasões possessórias
Em 2023, foram registrados 276 casos
de invasões possessórias, exploração ilegal de recursos naturais e danos
diversos ao patrimônio em pelo menos 202 terras e territórios indígenas em 22
Estados. Os casos indicam a continuidade de situações já registradas em anos
anteriores e mostra a incapacidade do Estado de garantir proteção efetiva e
contínua aos territórios indígenas.
No Pará, foram registrados 40 casos
nesse segmento, com operações realizadas nas TIs Apyterewa, do povo Parakanã,
Trincheira-Bacajá, dos povos Mebengôkre, Kayapó e Xikrin; e Ituna-Itatá, onde
vivem indígenas isolados, na região do médio Xingu. Essas e outras TIs da
região têm registrado os maiores índices de desmatamento em terras indígenas da
Amazônia Legal, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
(Inpe).
A desintrusão da TI Apyterewa,
determinada pela Justiça Federal e pelo STF, começou somente em outubro, após
hesitação do governo federal. A atuação do governador do Pará, Helder Barbalho,
e de outros políticos do Estado para evitar a retirada de grileiros,
madeireiros, garimpeiros e outros invasores da terra foi amplamente noticiada.
Um dos tipos de invasão registrados
na terra Apyterewa, que já perdeu 31,9 mil hectares de floresta, é o garimpo
ilegal, que segue recorrente em diversos territórios. Pelo menos 30 terras e
territórios indígenas registraram invasão ou impactos diretamente provocados
pelas práticas de mineração e de garimpo.
Os três tipos de invasões mais comuns
são: desmatamento (com 66 territórios afetados), extração ilegal de madeira,
areia, castanha e outros recursos naturais (62 territórios) e invasão
possessória de fazendeiros ou posseiros (51 territórios). Garimpo e mineração
aparecem em sétimo lugar, impactando 30 territórios.
Violência contra pessoa
Os casos de Violência contra a Pessoa
totalizaram 404 registros em 2023. Esta seção é dividida em nove categorias,
nas quais foram registrados os seguintes dados: abuso de poder (15 casos);
ameaça de morte (17); ameaças várias (40); assassinatos (208); homicídio
culposo (17); lesões corporais (18); racismo e discriminação étnico-cultural
(38); tentativa de assassinato (35); e violência sexual (23).
Em 2023, dos 15 casos de abuso de
poder contra indígenas no Brasil, um foi no Pará, na comunidade Tembé. No dia
da abertura de um evento preparatório para a Cúpula da Amazônia, 4 de agosto do
ano passado, policiais militares de Belém e seguranças de uma empresa
promoveram uma ação considerada ilegal e arbitrária contra indígenas na aldeia
Bananal.
Quatro casos de ameaças de morte
foram registrados contra indígenas no Pará. Também foram registrados 40 casos
de ameaças várias contra povos indígenas em 2023, com cinco registros no Pará,
sendo do tipo como ameaça, intimidação e entrada sem autorização em terras
indígenas.
Mais de 200 assassinatos
O relatório registrou a ocorrência
de, pelo menos, 208 assassinatos de indígenas no Brasil. Como em anos
anteriores, os Estados que registraram o maior número de assassinados foram
Roraima (47), Mato Grosso do Sul (43) e Amazonas (36), que representam 39% do
total. Os crimes foram registrados em 26 Estados e vitimaram 179 homens e 30
mulheres.
As tentativas de assassinatos foram
35 contra, ao menos, 44 pessoas, e em 21 dos 35 casos foram usadas armas de fogo.
No Pará, foram dois assassinatos, todos do sexo masculino, sendo um em julho e
outro em novembro, de 2023. Mas não houve registros de lesões corporais, nem de
homicídios culposos.
Racismo e discriminação
No ano passado, foram registrados 38
casos de racismo e discriminação étnico-cultural. Os maiores números foram
registrados no Maranhão, com sete. No Pará, foram três. Entre os 23 casos de
violência sexual contra crianças, adolescentes e mulheres indígenas, não há
nenhum no Pará.
Falta de assistência
Foram registrados 66 casos de
desassistência geral a povos indígenas no Brasil em 2023, sendo cinco no Pará,
em Belém, Paragominas, Santarém, Itupiranga e Altamira. As ocorrências se
referem, na maioria, à falta de acesso à terra e acesso limitado à água
potável.
Também foram registrados 100 casos de
desassistência na área da saúde que afetaram indígenas de 17 Estados do País,
sendo dez no Pará. A contaminação por mercúrio, utilizado de forma ilegal nos
garimpos de ouro é muito presente. Os Yanomami, em Roraima e no Amazonas, e
Munduruku, no rio Tapajós, no Pará, são os mais afetados. Também há casos de
contaminação de rios por níquel e outros metais pesados, como no caso dos
Xikrin do Cateté, também no Pará.