A história mais vitoriosa do futebol brasileiro teve seu capítulo final
no início da madrugada deste sábado, no Rio. Aos 92 anos, Mario Jorge Lobo
Zagallo morreu. Seu legado ao mundo da bola é imensurável: foi multicampeão por
onde passou, além de sempre ter se mostrado um apaixonado pelo Brasil, pela
seleção brasileira. Carismático, supersticioso - era obcecado pelo número
‘treze’ - e com fama de pão duro, era atacante e foi um dos primeiros pontas a
voltar para ajudar na marcação. Jogador técnico, de extrema obediência tática,
tornou-se um treinador capaz de motivar seus comandados mesmo nos momentos mais
difíceis. O ‘Velho Lobo’, que presenciou o ‘Maracanazo’ de 1950 e depois esteve
presente em quatro dos cinco títulos mundiais brasileiros, deixará saudades.
A morte foi comunicada pelo perfil oficial de Zagallo no Instagram. "Um
pai devotado, avô amoroso, sogro carinhoso, amigo fiel, profissional vitorioso
e um grande ser humano. Ídolo gigante. Um patriota que nos deixa um legado de
grandes conquistas", diz a nota. "Agradecemos a Deus pelo tempo que
pudemos conviver com você e pedimos ao Pai que encontremos conforto nas boas
lembranças e no grande exemplo que você nos deixa".
Alagoano, nascido em 9 de agosto de 1931, Zagallo e sua família migraram para o
Rio de Janeiro quando ele tinha apenas oito meses - seu pai, representante de
uma fábrica de tecidos de propriedade do seu tio, precisava trabalhar. Criado
no bairro da Tijuca, começou no futebol como quase toda criança - jogando com
os amigos na rua. Sua primeira bola foi um presente de uma vizinha, que o viu
chutando pedrinhas numa calçada.
Aos poucos, o esporte foi crescendo em sua vida. Seu pai, Haroldo, que em
Maceió foi jogador do CRB, comprou um título do América Futebol Clube. Lá, ele
disputava torneios de natação, tênis de mesa e futebol. Aos sábados, então com
14 anos, Zagallo percorria campos da cidade disputando - e conquistando -
festivais. Destacava-se dos demais pelo bom preparo físico e pela excelente
visão de jogo, em campos de terra batida e numa época de bolas pesadas e
avermelhadas Tempos depois, foi incluído na equipe juvenil da equipe onde ficou
por dois, em 1948 e 1949 e, de longe, observava a construção do Maracanã, maior
templo do futebol nacional.
Aos 18 anos, como todo garoto, Zagallo precisou se alistar ao Exército do
Brasil. Meses antes da Copa do Mundo de 1950, foi junto com seu pelotão retirar
as madeiras que serviram para a construção das arquibancadas do estádio.
Conseguiu folgas para ver de pertinho todos os jogos da seleção brasileira, mas
na finalíssima contra o Uruguai não conseguiu fugir do serviço. Em entrevista
ao Estadão em 2011 ele se recordou do dia da decisão. "Eu estava lá, de
verde-oliva, cassetete, capacete, ‘bate-bute’. Na arquibancada, eu deveria
ficar de costas para o campo, mas vi perfeitamente o gol fatal do Gigghia.
Aquele delírio de antes do jogo, com 200 mil pessoas acenando lenços, acabou
tudo ali, na hora do gol."
Fora do serviço militar, Zagallo voltou aos gramados e logo transferiu-se para
o Flamengo. No rubro-negro, aumentou sua lista de conquistas iniciada nas
categorias de base do América - em toda carreira como jogador foram nada menos
do que 50 títulos Entre os mais importantes pelo clube da Gávea estão o
tricampeonato carioca em 1953, 1954 e 1955. Suas grandes apresentações lhe
valeram uma oportunidade na seleção brasileira treinada por Vicente Feola, que
se preparava para o Mundial de 1958. Eram três craques para duas posições -
Pepe, Canhoteiro e Zagallo.
"Na minha estreia pela seleção, no Maracanã, contra o Paraguai (em 4 de
maio de 1958), ganhamos de 5 a 1, e eu fiz dois gols. Mas em outro amistoso com
a Bulgária, no Pacaembu, eu olhei a escalação e não vi o meu nome. Fiquei
preocupado, estávamos às vésperas da Copa do Mundo na Suécia. Então o médico
Hilton Gosling me chamou num canto e disse: ‘Fica quieto, você já está
escolhido. Agora o Pepe e o Canhoteiro vão disputar uma vaga’." Zagallo
conseguiu mais do que ser convocado. Foi titular e marcou o quarto gol na
vitória por 5 a 2 contra a Suécia na final.
Zagallo retornou da Europa em outro patamar e transferiu-se para o Botafogo,
onde conquistou dois Torneios Rio-São Paulo e ainda foi bicampeão carioca em
1961 e 1962. Em alto nível, foi chamado por Aimoré Moreira para a Copa do Mundo
do Chile. Lá, com a contusão de Pelé, ajudou a liderar o time que trouxe para o
País o bicampeonato mundial de futebol.
"Aquela seleção era uma equipe mais velha, com vários jogadores acima de
30 anos. Só fomos campeões porque a evolução física ainda não tinha chegado ao
mundo do futebol, então levamos aquela Copa na base da experiência mesmo."
Após o segundo título, Zagallo ainda jogou por mais alguns anos no Botafogo,
mas logo encerrou sua carreira de jogador e deu início à mais uma trajetória de
sucesso - agora como treinador. Sua primeira equipe foi o próprio Botafogo,
onde logo conquistou o bicampeonato carioca (1967-1968) e o título brasileiro
de 1968
Em 1970, ao assumir o lugar de João Saldanha às vésperas da Copa do Mundo, foi
o comandante da maior seleção brasileira de todos os tempos. Com craques, como
Pelé, Tostão, Gerson e Rivellino, o Brasil venceu os sete jogos do Mundial. Ele
foi ainda o técnico da Copa seguinte, na Alemanha, em 1974.
Na carreira, Zagallo passou pelo Botafogo em quatro oportunidades, Flamengo por
três vezes, Vasco, duas vezes, além de Fluminense, Al-Hilal, Bangu e
Portuguesa. Dirigiu ainda as seleções do Kuwait, Arábia Saudita e Emirados
Árabes.
Zagallo Eterno tem 13 letras.
Fonte: Estadão conteúdo
Foto: Redes Sociais/ Instagram