Rio de Janeiro, RJ - Estatísticas do Ministério dos Direitos Humanos mostram que a população de presos brasileiros cresceu 46% em dez anos e segue vivendo em locais insalubres, sem alimentação adequada e atendimento à saúde no Brasil, o terceiro país com a maior número de detentos do mundo. De 2013 a 2023, a quantidade passou de 581 mil a 850 mil, um número recorde da série histórica.
As estatísticas apontam que ao longo do século houve uma redução de pessoas privadas de liberdade mas em regime mais leve, como o domiciliar, na comparação com internos em presídios sem direito a sair. Em 2000, o número de pessoas nos presídios era composto por 174.980 pessoas, mas a quantidade total dos que tinham alguma privação de liberdade era de 232.755. Em 2023, a população carcerária de 844 mil detentos representava 98% de todos os brasileiros com alguma restrição legal à liberdade.
Insalubridade
Os dados mostram um elevado número de presos que ainda não foram julgados (24%) e 32,3% dos estabelecimentos foram classificados como ruins ou péssimos. Coordenador-geral de Indicadores e Evidências em Direitos Humanos no ministério, Pedro Lemos reconhece que as instalações em geral têm problemas de saneamento, alimentação e higiene.
“Estamos falando de condições inadequadas de alimentação, se os colchões estão em boas condições, se o chuveiro funciona, se tem banho quente, se o lugar é limpo, se há atendimento médico”, explica.
Coordenadora do Conectas Direitos Humanos, Carolina Diniz cita problemas de circulação de ar, umidade, pessoas dormindo no chão, colchões velhos, convivência com insetos e espaços sem contato com a luz solar como problemas do ambiente nas celas: “Tem um cheiro de umidade, de pessoas juntas em um ambiente claustrofóbico, sem ar, sem sol. Muitas vezes as próprias famílias encaminham produtos de limpeza a pedido dos presos”.
Doenças
A baixa circulação de ar agrava questões de saúde, como casos de tuberculose, um problema histórico nos presídios. Em 2023, mais de 7,8 mil detentos tinham a doença. As estatísticas mostram ainda que mais de 10 mil eram portadores de HIV e 9 mil tinham sífilis. Segundo o ministério, uma em cada 100 pessoas presas está afetada por alguma doença. Mas o acesso aos tratamentos é limitado: uma em cada quatro unidades não possuía qualquer atendimento de saúde.
Carolina relata que é comum que unidades prisionais tenham apenas um profissional de saúde, com uma carga de quatro horas diárias para todos os atendimentos necessários.
“As pessoas levam tempo para conseguir atendimento médico ou transferência para hospitais porque não há escolta disponível. Tem gente que morre antes de encontrar um médico”, afirma.
Outros problemas são o armazenamento inadequado de medicamentos e o baixo controle nas aplicações de doses controladas, impedindo o acesso ao tratamento adequado de doenças. Assim, os dados mostram que o maior número de mortes nas celas é provocado por questões de saúde - 46,8% das 3.091 registradas em 2023. Esse número ainda pode ser maior por falhas documentais que podem, desconsiderar mortes de detentos em hospitais.
Incoerência
O relatório do Ministério dos Direitos Humanos também aponta que o acesso ao trabalho, direito garantido pela Lei de Execuções Penais com remuneração de dois terços do salário mínimo, é restrito. Apenas 19,5% dos presos estavam envolvidos em alguma atividade no segundo semestre de 2023. O trabalho é apontado como um ponto crucial para a ressocialização do preso e sua sobrevivência no sistema prisional. A remuneração é um caminho para aliviar as despesas de parentes com a sua permanência na cadeia.
O Secretário Nacional de Políticas Penais do Ministério da Justiça, André Garcia, afirma que o governo está trabalhando para ampliar e atualizar a Política Nacional de Trabalho no Âmbito do Sistema Prisional, criada em 2018 para aumentar a inserção de ex-detentos no mercado de trabalho.
Denúncia de torturas
O governo vai lançar ainda em parceria com o Conselho Nacional de Justiça no dia 12 o plano Pena Justa, uma resposta à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que expôs a violação dos direitos humanos no sistema penitenciário e suas inconstitucionalidades.
“Não se faz segurança em um sistema superlotado. Não se ressocializa”, reconhece Garcia.
Outro ponto crítico são as torturas e maus-tratos. Desde 2015, foram 120 mil casos relatados em audiências de custódia, dos quais 31 mil em 2023. “Não é algo concentrado em uma região. Está presente em todos os estados, ninguém ainda conseguiu registrar uma melhora. É um problema estrutural da sociedade brasileira”, diz Pedro Lemos.
A alimentação também é apontada como inadequada na maior parte dos presídios brasileiros, e o acesso à água potável é limitado. Há relatos de problemas no preparo e guarda dos alimentos, com comida crua ou azeda, com insetos, cabelos e plásticos.
Foto: Felipe Sampaio/STF
(Com O globo)