Cultura

Canadenses fundam, na Amazônia, colônia que rejeita tecnologia e convívio social

Menonitas buscam modo de vida semelhante ao de séculos passados, quando nem mesmo a energia elétrica era utilizada

25/08/2024 16:02
Canadenses fundam, na Amazônia, colônia que rejeita tecnologia e convívio social

Loreto, PER - Depois de semanas vivendo em barracas na selva, o punhado de famílias menonitas tentando construir um novo lar no coração da Amazônia peruana começou a entrar em desespero. Vespas os atacavam enquanto tentavam derrubar árvores. Chuvas fortes transformaram a estrada para o acampamento em pura lama.


Com os suprimentos acabando, alguns queriam desistir. Em vez disso, o grupo trabalhou mais e conseguiu fundar uma colônia.


"Há um lugar aqui onde eu queria viver, então viemos e abrimos parte dele", diz Wilhelm Thiessen, um fazendeiro menonita, em referência às árvores derrubadas para que a colônia fosse fundada. "Foi isso que todos fizeram para ter um lugar para viver."


Hoje, sete anos depois, o aglomerado de casas é uma colônia próspera chamada Wanderland, onde moram aproximadamente 150 famílias, com uma igreja - que também funciona como escola - e uma fábrica de processamento de queijo.


É uma das várias colônias menonitas que se estabeleceram ao longo da Amazônia, transformando a floresta em fazendas prósperas, mas também disparando alarmes entre ambientalistas preocupados com o desmatamento do bioma, já ameaçado por indústrias como a pecuária e o garimpo.


As comunidades menonitas também têm sido alvo das autoridades locais, como no Peru, onde várias colônias são investigadas sob a acusação de desmatamento ilegal. As colônias negam qualquer irregularidade.


Migração


Os menonitas começaram a migrar para a América Latina vindos do Canadá há cerca de um século, depois que aquele país revogou leis que isentavam o grupo religioso do serviço militar e do sistema educacional.


O presidente do México na época, Álvaro Obregón, buscando consolidar as regiões rebeldes do norte após a Revolução Mexicana, concedeu aos menonitas terras não cultivadas e garantias de que poderiam viver como desejavam.


Nas décadas seguintes, outros países da América Latina, buscando expandir suas fronteiras agrícolas, fizeram convites semelhantes.


Crescimento


Hoje, mais de 200 colônias menonitas em nove países da América Latina ocupam cerca de 3,9 milhões de hectares, uma área maior do que a da Holanda, onde a denominação cristã surgiu pela primeira vez, de acordo com um estudo de 2021 realizado por pesquisadores da Universidade McGill, em Montreal.


As colônias na Bolívia cresceram mais rápido do que em qualquer outro país da América Latina - agora são 120. Na última década, meia dúzia de assentamentos, incluindo Wanderland, surgiram no Peru, de acordo com analistas.


Os menonitas também compraram terras no Suriname, país da América do Sul rico em florestas intocadas, provocando protestos de grupos indígenas e quilombolas.


"No fundo, eles estão tentando encontrar os últimos lugares na Terra que ainda têm essas áreas enormes e vazias que possam sustentar seu estilo de vida, e acontece que essas áreas estão na Amazônia", diz Matt Finer, especialista sênior da Amazon Conservation, uma organização ambiental.


Vida secular


Wanderland, por exemplo, parece parada no tempo. Carroças puxadas por cavalos transportam passageiros ao longo de estradas de terra. Homens de suspensório trabalham em campos que se estendem atrás de casas simples de madeira.


Não há eletricidade. Ao cair da noite, as famílias jantam à luz de velas após rezar em Plautdietsch, um dialeto germânico falado quase exclusivamente entre os menonitas nas Américas.


Fragmentos do lugar onde estão se fazem visíveis. Um macaco de estimação em uma varanda. Um papagaio em uma gaiola. Em um galpão nos fundos, Johan Neufeld, 73, exibiu três pacas, um roedor amazônico caçado por sua carne. Ele os capturou na floresta e quer tentar criá-los em cativeiro.


Wanderland é um assentamento da "Colônia Antiga", composto por menonitas cuja história remonta à uma colônia do século 18, Chortitza, que agora faz parte da Ucrânia.


Assim como outros menonitas, eles seguem os ensinamentos do religioso holandês Menno Simons, que foi perseguido por se opor ao batismo infantil e ao recrutamento militar. Com o tempo, viver separado do resto do mundo e rejeitar novas tecnologias tornaram-se marcas da fé e cultura da Colônia Antiga - e a migração para outros países, um meio de preservá-las.


"Nossos ancestrais pensavam que se vivêssemos longe, no campo, haveria mais possibilidade de controlar o mal", diz Johan Bueckert, um fazendeiro da Colônia Antiga que agora vive em Providencia, uma colônia próxima a Wanderland. "Queremos viver como eles viveram. Não queremos mudanças constantes.”


À medida que as colônias menonitas em diferentes países se tornam mais povoadas e prósperas, o valor das terras próximas aumenta - e seguir uma vida agrícola austera, em terrenos baratos, torna-se mais difícil. Assim, grupos se separam para construir novos assentamentos.


(Com o The New York Times)

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