A notícia de que um furacão iria atingir a ilha havaiana de Maui não provocou grandes emoções entre os moradores da região, acostumados com fenômenos do tipo. No entanto, quando os estragos causados pela ventania aumentaram, o casal de surfistas brasileiros Pedro Robalinho, de 47 anos, e Rafaela Bentes, de 37, cogitou abandonar a própria casa. Nesta terça-feira, os dois já sabiam que havia focos de incêndio na área, embora a ameaça parecesse distante. Foi só quando viram a fumaça se aproximar e sentiram o calor do fogo que decidiram ir embora.
“Sempre que tem situações de emergência por aqui, costumamos ouvir alarmes e instruções na mídia, mas desta vez não teve isso”, disse Rafaela ao jornal O Globo. "Nossa decisão de sair ocorreu quando os ventos começaram a apertar um pouco mais. Vimos uma fumaça preta muito grande, e meu marido sentiu o calor. Falei para minhas filhas, de 12 e 9 anos, fazerem uma mochila com as coisas delas, e eu já tinha uma pasta com nossos documentos separada. Então, decidimos sair”.
De acordo com Rafaela, só deu tempo de pegar os itens mais próximos, como um computador e algumas roupas espalhadas. Para trás ficaram, além da casa, dois carros, cerca de 50 pranchas usadas para dar aulas e todo o material da empresa que eles construíram desde 2016, quando saíram do Rio de Janeiro para morar na cidade de Lahaina. Apesar disso, a decisão de fugir do local veio no tempo certo: segundo ela, a família foi embora 15 minutos antes de precisar dirigir em meio ao fogo, como ocorreu com outros moradores da ilha.
"Para dirigir estava complicado, o vento estava forte. É uma sensação difícil. Não queríamos ficar desesperados, mas também não queríamos dar mole. Tentamos fazer a coisa certa o tempo inteiro”, afirmou. "Minha filha mais nova ficou bem apreensiva. Ela conseguiu ver a fumaça, então chorava e sentia medo. Já a mais velha estava com o nosso gato no colo, e ela é um pouco mais madura, mas vi que ficou nervosa, com os olhinhos bem esbugalhados, mas tentando cuidar da irmã. Elas sentiram medo daquilo chegar perto da gente, e estava chegando”.
Naquele momento, ela contou também ter sentido “muito medo”, mas disse ter tentado “se colocar no lugar de mãe”. Enquanto o marido dirigia, foi para o banco de trás do carro e abraçou as crianças. A ideia de que a fumaça poderia atingi-los fez com que o tempo parado no trânsito parecesse ainda maior, e o instrutor de surfe cogitou entrar na contramão. Rafaela, porém, pediu que ele não fizesse isso. Para ela, iria piorar as coisas, já que estava “todo mundo esperando”, e “havia carros de bombeiros e da polícia indo na direção contrária”, ressaltou.
"Nós conversávamos e pensávamos que, caso qualquer coisa acontecesse, pularíamos no mar, porque o fogo não chegaria lá. Então, estávamos tensos, dirigindo com um plano B. Imaginávamos o que poderíamos fazer, porque não sabíamos quanto tempo ficaríamos parados no trânsito”, explicou ela. "Fomos para o centro da ilha, e agora estamos na casa de uns amigos. Eles disseram que podemos ficar o quanto quisermos, mas sabemos que vamos precisar recomeçar”.
Incêndio deixou 53 mortos
Nesta quinta-feira, o presidente americano Joe Biden declarou estado de catástrofe no Havaí, onde os incêndios florestais causaram a morte de ao menos 53 pessoas. Intensificadas pelos fortes ventos causados pelo furacão, as queimadas ainda destruíram empresas na cidade histórica de Lahaina. Em comunicado, o governo do condado de Maui anunciou que “trabalha incansavelmente para garantir a saúde e a segurança das pessoas afetadas”. Segundo o PowerOutage, que mapeia a falta de eletricidade, quase 11 mil pessoas ainda estão sem energia na região.
Além disso, mais de 130 membros da Guarda Nacional do Havaí foram ativados, e helicópteros têm procurado por aqueles que ficaram para trás. De acordo com o Serviço Meteorológico Nacional, na quarta-feira, alguns moradores chegaram a se jogar no oceano para escapar das chamas, e mesmo a linha de emergência (911) ficou fora do ar, o que tornou impossível relatar possíveis incidentes. Já os turistas foram retirados de hotéis nas redondezas, disse Rafaela.
"Não sei se eles vão realocar residentes nos hotéis. Não sei o que vão fazer, se vão dar algum tipo de ajuda. Os próprios abrigos não têm estrutura. São galpões, ginásios — disse”. "Tenho uma amiga que está em um desses locais que abriram para quem não conseguiu ir para a casa de amigos. Ela me disse que está muito cheio. Acho que vai ser um grande problema. Quando a poeira assentar, a gente vai ver a dimensão do que aconteceu. Vai ter muita gente desamparada”.
Agora, Rafaela disse que o marido deseja voltar para casa “e ver se sobrou alguma coisa”. No entanto, os dois já assumiram que tiveram “perdas materiais”, uma vez que receberam relatos de que a região foi tomada pelas chamas. Pedro Robalinho, que já foi técnico de Silvana Lima - anunciada oito vezes como a melhor surfista brasileira -, recomeçou a carreira no Havaí em 2016, e no último ano esteve por trás da evolução do jovem Imaikalani deVault, uma das promessas do surfe.
"Quando saímos de casa, meu marido cogitou voltar para pegar uma prancha, mas depois desistiu. Como trabalhamos com isso, acho que ele tem sentido muito. É muito trabalho para construir a nossa empresa aqui. Ela é pequena, mas era bem-sucedida. No momento em que nos afastamos um pouco [do local], comecei a chorar. Uma descarga mesmo. Estou falando e fico até arrepiada, porque foi muito tenso”.
Apesar da situação, ela destacou que a família não pensa em voltar para o Brasil, e que eles desejam poder recomeçar a vida na ilha, local em que Rafaela classifica como “a sua casa no mundo”. Afirmou, também, que espera poder ajudar na reconstrução da região, atuando como voluntária.
"É difícil ocupar esse espaço de ser ajudada, mas eu também preciso de ajuda agora. Não sabemos se vamos poder trabalhar, mas com certeza vamos ajudar. Temos muita disposição e amor por este lugar. Vamos fazer de tudo”.