São Paulo, SP - Zerar o desmatamento até 2030, conforme se comprometeu o Brasil, pode não apenas tirar o país da lista dos maiores emissores do mundo, mas transformá-lo em removedor global de CO2, afirma o climatologista Carlos Nobre, do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo e co-presidente do Painel Científico para a Amazônia. Autoridades e especialistas dizem que a meta é viável e abre caminho para novos negócios em créditos de carbono e bioeconomia.
“É inadmissível que ainda exista desmatamento ilegal, e mesmo o legal pode ser evitado com políticas públicas, incentivos. Podemos transformar um grande problema numa enorme oportunidade. Mas, se não fizermos isso, sofreremos ainda mais com a crise do clima, pois a Amazônia está muito perto do ponto de não retorno. O Cerrado também já atravessa graves transformações com mais seca e calor”, destaca Nobre.
Reiterado pelo presidente Lula, o compromisso de zerar o desmatamento ilegal em todos os biomas até 2030 é parte da Meta 15 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável assumidos pelo Brasil. Mas os especialistas enfatizam a necessidade e a viabilidade de zerar todo tipo de desmatamento, seja legal ou ilegal.
Compromisso
O desmatamento zero é também uma forma de cumprir a atual contribuição nacionalmente determinada (NDC, na sigla em inglês) brasileira, que traz o compromisso de alcançar a emissão zero de gases-estufa em 2050. Uma nova NDC, ainda mais ambiciosa, deve ser apresentada pelo governo brasileiro antes da COP29, em Baku, no mês que vem.
“Estamos no caminho de zerar o desmatamento. Na Amazônia, no ano passado, tivemos uma redução de 50%, e nos primeiros oito meses de 2024 de 45% sobre a diminuição de 2023. Também tivemos redução na Mata Atlântica. No Cerrado, houve queda este ano pelo quinto mês seguido”, afirma a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva.
A ministra reconhece que as queimadas deste ano têm impacto nas emissões de CO2, mas diz que não impedirão o país de cumprir seus compromissos. Porém, a escalada preocupa especialistas.
Dados do Global Forest Watch (GFW) mostram que os grandes incêndios florestais fizeram o Canadá saltar em 2023 para o primeiro lugar entre os países do G20 com maior perda de cobertura vegetal.
Os países do bloco foram responsáveis por 68% (19,3 milhões de hectares) da perda de cobertura arbórea no mundo em 2023. Canadá, Rússia, Brasil, Indonésia e EUA ficaram no topo do ranking, sendo que nos dois primeiros, os incêndios foram a principal causa.
Ponto de não retorno
De acordo com os dados do SEEG, zerar o desmatamento levaria a uma diminuição de 43% das emissões líquidas previstas no país em 2030. O Brasil é o único entre os grandes emissores (está em sétimo no ranking do Climate Watch) que tem o desmatamento entre as principais fontes de emissão. Segundo o SEEG, cerca da metade das emissões do país provém de desmate.
“Zerar o desmatamento é totalmente possível e extremamente necessário. E o Brasil sabe como fazer”, reitera Paulo Moutinho, pesquisador do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) e especialista na investigação de causas e consequências do desmatamento.
Moutinho ressalva que é preciso considerar não apenas o ilegal, mas também o legal. Ele diz que na Amazônia há 11 milhões de hectares de excedentes de reserva legal, que poderiam ser derrubados. No entanto, se isso ocorrer, a Amazônia poderá chegar a um ponto de não retorno, num processo de savanização.
“Não é necessário mudar a lei para evitar que isso ocorra. O proprietário de terra pode ser compensado por não desmatar. Temos uma experiência bem-sucedida que protege 30 mil hectares de excedentes legais com fundos públicos da Noruega e da Holanda. Compensar é muito mais barato do que recuperar”, ressalta o cientista.
Ações
Moutinho e Tasso Azevedo sublinham que os danos do desmatamento vão muito além das emissões. Há, por exemplo, perda hídrica. Segundo Moutinho, 40% dos 1.090 municípios do Cerrado tiveram redução da superfície de água entre 1983 e 2023. Em 10% desses municípios, a diminuição chegou a 70%. Na Amazônia, a perda chega a 25%.
Ele cita quatro instrumentos que podem ser usados para evitar o desmatamento legal. O primeiro é a regulação, vincular a autorização de desmate à restauração ou à manutenção de outra área. Outro é a criação de mais unidades de conservação, transferindo para o poder público os custos de manutenção.
Um terceiro instrumento é retirar qualquer tipo de subsídio ou incentivo para áreas desmatadas. Por fim, um quarto mecanismo para manter a floresta de pé é a criação de compensações como o programa Bolsa Verde, que hoje beneficia 40 mil famílias.
Ex-presidente do Ibama e coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima, Suely Araújo vê ainda outro desafio. “A maior parte do desmatamento na Amazônia é ilegal, uma questão de monitoramento e fiscalização. Mas, no Cerrado e em outros biomas, ele ocorre muitas vezes com licenças concedidas pelos estados. Há estados que dão essas licenças burocraticamente, sem avaliar se a área tem aquíferos. É necessária uma articulação maior entre os governos federal e estaduais”, diz ela.
Mariana Oliveira, gerente do Programa de Florestas, Uso da Terra e Agricultura do WRI Brasil, diz que o país tem políticas sofisticadas de controle de desmatamento, que funcionam muito bem na Amazônia. Para ela, assim como para a maioria dos especialistas, há um grande desafio que é deter a derrubada do Cerrado e dos remanescentes da Mata Atlântica e demais biomas.
Foto: AFP
(Com O Globo)