O número de ações de entregadores e
motoristas que pedem o reconhecimento de vínculo empregatício com aplicativos
como Uber e iFood aumentou em 1.400% desde 2019, de acordo com levantamento
feito pela plataforma de jurimetria Data Lawyer a pedido do Broadcast (sistema
de notícias em tempo real do Grupo Estado). O valor vem aumentando de forma
exponencial em meio a divergências entre a Justiça do Trabalho e o Supremo
Tribunal Federal (STF) sobre a existência de vínculo nesses casos.
Em 2019, eram 659 processos. No ano seguinte, o número triplicou, para 1,9 mil
ações, e voltou a triplicar em 2021, quando atingiu 4,8 mil. O ápice foi em
2023, quando os trabalhadores ajuizaram 9,6 mil ações. Até esta terça-feira, 9,
o sistema de jurimetria havia identificado 4,2 mil processos ajuizados em 2024.
A maior parte dos processos é movida por motoristas por aplicativos.
Ao todo, de acordo com a Data Lawyer, quase 40 mil trabalhadores por
aplicativos foram à Justiça desde 2014 em ações que disputam valores na ordem
de R$3,17 bilhões.
Os dados ainda mostram que a Justiça do Trabalho vem rejeitando a maioria das
ações que buscam vínculo de emprego. Cerca de 8,1 mil desses processos foram
julgados improcedentes, e em 3,2 mil ações os pleitos dos motoristas e
entregadores foram atendidos parcialmente. Outras 10 mil foram extintas por
meio de acordo entre os trabalhadores e as plataformas. Os números se limitam
ao desfecho dos processos, sem detalhar as decisões.
Para o levantamento, a Data Lawyer realizou uma busca por filtro de assunto
(reconhecimento de relação de emprego) e pelos termos: "motorista" ou
"entregador" e "aplicativo". Os dados somente alcançam os
processos que não estão sob segredo de justiça.
Na discussão sobre existência de vínculo de motoristas com as plataformas, a
palavra final será dada pelo Supremo, que julgará o tema com repercussão geral.
No entanto, o relator, Edson Fachin, ainda não determinou a suspensão nacional
dos processos que discutem o tema na Justiça. A medida é prevista no
regulamento da Corte e costuma ser tomada para evitar posições conflitantes nas
instâncias ordinárias da Justiça até a decisão definitiva do STF.
A Uber já solicitou duas vezes a suspensão dos processos. De acordo com
manifestação da empresa enviada ao Supremo, há 7.960 processos ativos contra a
Uber na Justiça do Trabalho. Só até 31 de maio deste ano, foram ajuizadas 2.580
ações contra a empresa para pedir o reconhecimento do vínculo empregatício e o
pagamento de verbas trabalhistas. "Desde que a Corte sinalizou que
enfrentaria [o tema] em definitivo, a litigiosidade aumentou de modo geral",
observam os advogados da plataforma.
Em setembro do ano passado, a 4ª Vara do Trabalho de São Paulo condenou a Uber
a contratar, via CLT, todos os motoristas ativos em sua plataforma, além de
pagar R$ 1 bilhão em danos morais coletivos. A empresa recorreu e o caso está
agora no Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de São Paulo. De acordo com a
Uber, foram proferidas quase 500 decisões desfavoráveis à plataforma entre
março e junho deste ano. Para a empresa, as decisões descumprem precedentes do
Supremo, que vem consolidando um entendimento que permite contratos
alternativos à CLT.
O tema divide até mesmo a Justiça do Trabalho. Na semana passada, a 3ª Seção do
TST decidiu suspender todos os processos que tramitam no colegiado sobre
vínculo empregatício de trabalhadores de aplicativo. A 2ª Seção, por outro
lado, negou a suspensão. A Uber citou a disparidade na manifestação enviada ao
STF e reclamou de um quadro de "falta de isonomia" e
"insegurança jurídica".
A Federação Nacional dos Sindicatos de Motoristas por Aplicativos (Fenamaspp)
defende que os processos devem continuar correndo. Para Leandro Medeiros,
presidente da federação, "o STF está julgando errado" e deve aguardar
a regulamentação por parte do Congresso. "O próprio Judiciário não conhece
bem a categoria", argumenta. A maioria dos ministros do Supremo tem
cassado decisões da Justiça do Trabalho que haviam reconhecido vínculo. A
expectativa é que a Corte mantenha esse entendimento quando julgar a ação com
repercussão geral.
"Enquanto não existir um normativo que defina de fato [as regras para
motoristas por aplicativos], o Judiciário é a única forma que nós temos para
tentar alcançar o mínimo de benefícios", disse Medeiros ao Broadcast.
Em nota, a Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec) afirmou
que "o formato estabelecido pela CLT não se adequa à realidade de trabalho
criada pelas plataformas tecnológicas" e citou decisões do STF, do TST e
do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que declararam a ausência de vínculo
empregatício nesses casos. "As decisões do Poder Judiciário brasileiro são
majoritárias neste sentido", disse a entidade que representa empresas como
Uber, iFood, 99 e Buser.
Paralelamente, tramita no Congresso um projeto de lei que regula o trabalho de
motoristas de aplicativo. O texto foi enviado pelo governo federal e ainda não
avançou em nenhuma das duas Casas. Em fevereiro, o Broadcast mostrou que Fachin
deve aguardar a votação e depois avaliará se a norma supriu a falta de
regulamentação na área.
Fonte: Estadão conteúdo
Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil