suposto afastamento das instituições de ensino e pesquisa da Região Norte da COP30, objeto de críticas recentes por conta da escolha da Fundação Getúlio Vargas e da Universidade de São Paulo para planejar e organizar a Conferência em Belém, merece algumas considerações por parte de especialistas, inclusive da UFPA.
É fato que instituições de grande tradição, como a UFPA, se afastaram e até fizeram oposição ao governo do Pará por questões ideológicas nos últimos anos. Como todo mundo está careca de saber, a Universidade é gerida há alguns anos de acordo com os interesses de um partido político, o Psol, que, última eleição no Estado, apresentou candidato contra o atual governador e, mais recentemente, tem se colocado como oposição direta ao MDB na Prefeitura de Belém.
Tudo junto e separado
Totalmente partidarizada e aparelhada
na gestão do ex-reitor Emmanuel Tourinho, que durou até o final do ano passado,
a UFPA, além de se afastar, se recusou a participar de iniciativas ou parcerias
propostas pelo governo, mesmo as de cunho mais institucional - algo que o atual
reitor, professor Gilmar Pereira, parece ter incorporado. Esses gestores devem
ter esquecido que dirigem uma instituição de ensino e pesquisa e não um partido
político e, que, para além de questões partidárias, existe uma série de ações e
projetos de interesse coletivo que demandam a atuação conjunta UFPA e Estado.
E os pesquisadores, de passagem -
alguns vinculados à UFPA - que acusam o governo de " colonialismo
interno", como no caso de reportagem recente da BNC Amazonas,
por supostamente prestigiar instituições de pesquisas não locais na organização
da COP30, idem com relação ao fato de que a própria UFPA tem trazido a USP para
"guiar" as ações de pesquisa na região amazônica, conforme outra
matéria, esta divulgada pela universidade em seu site, sob o título "Em
visita à UFPA, o pesquisador Paulo Artaxo, diretor do recém-criado Centro de
Estudos da Amazônia Sustentável, da USP, reuniu-se com o reitor, Emmanuel
Tourinho para discutir possibilidades de parcerias em pesquisas na Amazônia."
Milagre e santo de casa
À época, essa reunião causou forte
reação dos pesquisadores e das unidades acadêmicas da UFPA que se dedicam, há
décadas, à investigação de temas amazônicos e que foram ignorados pela
Reitoria, que demonstrou total desprezo pelo próprio capital intelectual, onde
se destacam docentes reconhecidos internacionalmente como expoentes
pesquisadores da Amazônia.
A antiga máxima segundo a qual “santo
de casa não faz milagre” parece guiar as decisões dos magníficos reitores da Universidade.
Colonialismo interno
Veja, em sequência, trechos da
reportagem do BNC Amazonas sobre o chamado “colonialismo interno” praticado
pelo Estado, assinada pelo jornalista Wilson Nogueira, e as informações sobre a
visita do representante da USP à UFPA:
A escolha da Fundação Getúlio Vargas
e da Universidade de São Paulo para planejar e organizar a Conferência das
Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas no Brasil, a COP30, marcada para
novembro em Belém (PA), é problematizada por pesquisadores da região.
“Esse é mais um caso de colonialismo
interno”, reagiu a pesquisadora da Universidade Federal do Pará (UFPA) Violeta
Loureiro, em rodada de conversas sobre mudanças climáticas promovida pela Valer
Teatro, em Manaus.
O poeta e escritor Paes Loureiro,
também da UFPA, expressou, no mesmo evento, a sua preocupação com essa escolha,
que passa pelo crivo do governo federal, por intermédio do Ministério das
Relações Exteriores, do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos
Renováveis (Ibama) e da Casa Civil da Presidência da República.
Para a socióloga Marilene Corrêa, a
reputação e a competência das duas instituições não estão em questão. Mas a
pesquisadora adverte que é preciso vigilância sobre a metodologia a ser
aplicada na formulação do documento final do encontro. Isso para que as
demandas das populações amazônicas não sejam deixadas de lado.
De boas intenções...
Violeta Loureiro disse que apesar da
boa intenção do presidente Lula de colocar R$ 4 bilhões em Belém para preparar
a COP-30, a entrega da organização do evento à USP e à Fundação Getúlio Vargas
só reforça a sua tese de que a Amazônia sempre foi e ainda é colônia do Brasil.
Ela é autora do livro Amazônia
colônia do Brasil (Valer), lançado em Manaus na Valer Teatro, em sessão de
autógrafos. O livro é resultado de estudos das etapas do colonialismo na região
e seus efeitos na contemporaneidade amazônica.
Ela justifica que a sua inquietação
se refere à escolha de duas instituições de impacto nacional para montar um
evento da dimensão da COP-30, porque esse comportamento ignora os saberes e
conhecimentos que existem na Amazônia.
“A
escolha dos grupos [FGV e USP), instituições de alta competência, mas, de certa
forma, é a reprodução de uma mentalidade colonialista que se reproduz
internamente. É mais um exemplo desse comportamento de como o governo central
brasileiro, historicamente, sempre, e até hoje, imagina a Amazônia como uma
colônia do resto do Brasil”, reafirma.
UFPA chama USP
Em visita à Universidade Federal do
Pará, o pesquisador Paulo Artaxo, diretor do recém-criado Centro de Estudos da
Amazônia Sustentável da USP, reuniu-se com o reitor da UFPA para discutir
possibilidades de parcerias em pesquisas na Amazônia. O encontro ocorreu na
última terça-feira, 13 de junho, no Gabinete da Reitoria, com as participações
da pró-reitora de Pesquisa e Pós-Graduação da UFPA, Iracilda Sampaio, e da
coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais da UFPA, Julia
Cohen.
Paulo Artaxo explicou que o Ceas foi
criado em março de 2023 como um órgão vinculado diretamente à Reitoria da USP e
possui um Comitê Gestor composto de seis pesquisadores, com representantes de
instituições da Amazônia. Agora o Centro está em fase de aprovação do seu
regimento interno e de constituição de um Comitê Consultivo, que deverá ser
formado metade por pesquisadores da Amazônia e metade por pesquisadores de
outras regiões brasileiras.
O reitor Emmanuel Tourinho agradeceu
a busca de diálogo, destacou a liderança nacional de Paulo Artaxo e lembrou que
o pesquisador já colaborou em projetos com a participação da UFPA em outras
ocasiões. Em seguida, ressaltou que a UFPA é hoje a maior universidade da
Pan-Amazônia, destacando-se também como a segunda maior universidade brasileira
em número de alunos e a sexta, em número de programas de
pós-graduação, o que demonstra seu porte de produção de conhecimento e formação
de profissionais e pesquisadores especializados na região. Essa potência da Universidade já
vem sendo reconhecida nacional e internacionalmente por meio de avaliações e rankings.
Ações atropeladas
Após essa contextualização,
Emmanuel Tourinho reforçou que, assim como a UFPA, outras
instituições de ensino e pesquisa na Amazônia têm um papel fundamental para a
ciência da região e do País, contudo muitas vezes são invisibilizadas em
políticas nacionais de financiamento e apoio à pesquisa.
“Nossas instituições e pesquisadores
da Amazônia lutam em fóruns nacionais por uma distribuição equitativa dos
investimentos em educação e ciência e pelo fim das assimetrias históricas nessa
partilha de recursos. Apesar de representarmos 10% do Produto Interno Bruto e
da população do País, não recebemos nem 5% dos investimentos em ciência e
tecnologia. A UFPA, por exemplo, recebe menos recursos para o ensino e para a
pesquisa que outras instituições de igual ou menor porte, mesmo sediada em uma
região cujos custos operacionais e de pesquisa são muito acima dos do
Sul e do Sudeste”, ponderou o reitor.
Simetria intelectual
Por meio de diálogo sobre
possibilidades de parcerias entre o Ceas-USP e a UFPA, foi definida a
elaboração de um termo de cooperação entre as instituições, com a
garantia da simetria na liderança intelectual de projetos e na gestão dos recursos
captados com participação de pesquisadores da UFPA e da USP (Texto: Assessoria
de Comunicação Institucional da UFPA).