A Suprema Corte americana declarou inconstitucionais nesta quinta-feira os programas de admissão com base na cor da pele ou na origem étnica dos candidatos da Universidade Harvard e da Universidade da Carolina do Norte (UNC, na sigla em inglês), as mais antigas dos EUA, resultando na restrição da ação afirmativa em faculdades e universidades de todo o país.
A decisão histórica, que reverte um entendimento que há 45 anos é um pilar do ensino superior americano, ocorre um ano após o revés no direito constitucional ao aborto. Além de refletir a divisão do país ao longo de linhas raciais e políticas em relação à ação afirmativa, a sentença deve forçar centenas de instituições a reformular suas políticas de admissão, também abrindo caminho para desafios aos esforços de diversidade no mundo corporativo.
Em sua decisão, a Corte - dominada por uma maioria conservadora de 6 a 3, incluindo três juízes nomeados pelo ex-presidente republicano Donald Trump (2017-2021) - rejeitou os argumentos das universidades de que seus programas foram implementados para garantir a diversidade nos campi.
Para os magistrados conservadores, as universidades são livres para levar em consideração a experiência pessoal - como, por exemplo, ter sido alvo de racismo - ao contrastar um candidato a aluno perante outros mais qualificados academicamente. Mas, indicaram, seria até mesmo discriminação racial fazer essa seleção com base em alguém ser branco ou negro.
Tanto o caso contra Harvard quanto contra a UNC foram apresentados em 2014 pelo grupo Students for Fair Admissions (Estudantes pelas admissões justas, em tradução livre do inglês), fundado por Edward Blum, um estrategista legal conservador que organizou muitos processos contestando as políticas de admissão com base na raça e as leis de direito de voto, vários dos quais chegaram à Suprema Corte.
No caso da UNC, os queixosos defendiam que a universidade discriminou candidatos brancos e asiáticos ao dar preferência aos negros, hispânicos e americanos nativos. Já o caso contra Harvard acusava a universidade de discriminar estudantes asiático-americanos usando um padrão subjetivo para avaliá-los.
As duas universidades haviam vencido as ações em tribunais federais, e a decisão a favor de Harvard havia sido confirmada por um tribunal federal de apelações. Depois dessas derrotas, Blum recorreu à Suprema Corte que, ironicamente, nunca havia sido tão diversificada como atualmente, com dois juízes afrodescendentes e uma hispânica.
Reações adversas
Logo após a decisão, o ex-presidente Trump descreveu a notícia como um "grande dia" para os EUA. "Essa é a decisão que todos esperavam e desejavam, e o resultado foi surpreendente. Além disso, nos manterá competitivos contra o resto do mundo", disse o republicano, principal pré-candidato do partido para as eleições presidenciais de 2024, em uma declaração em sua rede Truth Social. "As nossas mentes mais brilhantes devem ser valorizadas, e é isso que este dia maravilhoso trouxe. Vamos voltar a tudo com base no mérito, e é assim que deve ser!", acrescentou.
Em um discurso televisionado, o presidente democrata Joe Biden disse estar "fortemente em desacordo (com a decisão)", afirmando que as "universidades são mais fortes quando há diversidade racial. A discriminação segue existindo nos EUA”, disse na Casa Branca. "A decisão de hoje não muda isso. É um fato simples que, se um estudante teve de superar a adversidade em seu caminho até a educação, as universidades devem reconhecê-lo e valorizá-lo".
O ex-presidente Barack Obama - que se formou em Harvard e se tornou o primeiro negro a ocupar o Salão Oval da Casa Branca - também criticou a decisão. "A ação afirmativa nunca foi uma resposta completa para a busca de uma sociedade mais justa, mas, para gerações de estudantes sistematicamente excluídos da maioria das principais instituições americanas, nos deu a chance de mostrar que merecíamos mais do que um lugar à mesa", escreveu.
Reação nas Universidades
Harvard reagiu indicando que utilizará a parte da sentença que permite às instituições levar em conta as "experiências pessoais" para amenizar o impacto geral da decisão. "A Corte determinou que se pode ter em consideração 'os comentários de um candidato sobre como sua cor afetou sua vida, que seja em termos de discriminação, inspiração ou outros'. Sem dúvida, acataremos essa decisão", afirmou a universidade nesta quinta.
Em uma análise da consultoria McKinsey & Co., com 840 instituições, quase dois terços aumentaram a representação de minorias em seus corpos estudantis entre 2013 e 2020. Mais de 50% também melhoraram as taxas de graduação para minorias. Porém, nove estados dos EUA, incluindo Flórida e Califórnia, atualmente proíbem a ação afirmativa nas admissões em universidades públicas. Nesses lugares, a composição racial nas melhores escolas mudou dramaticamente.
Metade dos americanos desaprova que faculdades e universidades levem em consideração raça e etnia nas decisões de admissão, de acordo com um relatório recente do Pew Research Center, enquanto um terço aprova a prática. Mas um olhar mais atento sobre pesquisas recentes mostra que as atitudes sobre ação afirmativa diferem dependendo a quem e como se pergunta sobre o assunto.
(Com New York Times, AFP e Bloomberg.)