Imunizações

Oito a cada 10 brasileiros vivem em cidades que não atingiram as metas de cobertura vacinal

Anuário destaca que, apesar de registrar melhorias desde 2022, o cenário do país ainda não voltou ao preconizado pelas autoridades de saúde

18/06/2025, 16:00
Oito a cada 10 brasileiros vivem em cidades que não atingiram as metas de cobertura vacinal

Rio de Janeiro (RJ) – Embora o Brasil registre sinais de recuperação nas coberturas vacinais, cerca de 80% da população ainda vive em municípios que não alcançaram as metas estabelecidas pelo Programa Nacional de Imunizações (PNI) em 2023. A constatação está no novo Anuário VacinaBR 2025, lançado nesta terça-feira (18), pelo Instituto Questão de Ciência (IQC), com apoio da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).

 

Queda histórica e lenta retomada

O estudo analisou dados de 2000 a 2023 e evidenciou uma queda acentuada e generalizada nas coberturas vacinais a partir de 2015, apontada pelos pesquisadores como uma das mais graves crises de saúde pública desde a criação do PNI, em 1973. Após uma piora adicional em 2020, durante a pandemia de Covid-19, os índices começaram a apresentar melhora tímida a partir de 2022.

 

No entanto, a cobertura nacional ainda não retornou aos níveis ideais anteriores a 2015, quando era comum o Brasil atingir as metas necessárias para manter doenças imunopreveníveis sob controle. Em 2023, nenhum imunizante alcançou os 95% de cobertura preconizados pelo Ministério da Saúde.

 

Desempenho por vacina

Das 13 vacinas avaliadas no anuário, nove não alcançaram a cobertura ideal nos municípios brasileiros. A vacina contra a varicela (catapora), por exemplo, teve o pior desempenho: apenas 3% da população vive em cidades que atingiram a meta, o menor percentual desde o início da vacinação contra a doença, em 2013.

 

Vacinas como a da poliomielite, meningocócica C, Haemophilus influenzae tipo b (Hib) e varicela não alcançaram as metas em nenhum dos 26 estados e no Distrito Federal. O caso da vacina meningocócica C é considerado crítico: nenhuma unidade da federação atingiu a meta entre 2021 e 2023. No último ano, quase 90% da população brasileira residia em municípios abaixo da meta, contra apenas 25% em 2011.

 

Avanços pontuais em 2024

Apesar dos desafios, dados preliminares de 2024 do Ministério da Saúde, que não integraram o anuário, trazem sinais positivos:

Vacina BCG: 95,85% de cobertura

Primeira dose da tríplice viral: 95,5%

Hepatite B: chegou a 94,04%, próxima da meta

Abandono do esquema vacinal preocupa

 

O anuário também aponta como problema central a alta taxa de abandono em vacinas que exigem mais de uma dose. A tríplice viral, por exemplo, teve bom desempenho com a primeira dose em alguns estados (Mato Grosso do Sul, Tocantins, Rondônia e Santa Catarina), mas nenhum deles atingiu a meta com a segunda dose. Em 14 estados, a cobertura da segunda aplicação ficou abaixo de 50%. Em São Paulo, o índice foi de apenas 70%.

 

Há estados com abandono superior a 50% entre as duas doses, como o Mato Grosso do Sul, onde o índice chega a 63,1%. Para os especialistas, essa descontinuidade compromete a efetividade da imunização e eleva o risco de reintrodução de doenças como o sarampo.

 

“O que mais chama atenção é essa proporção de pessoas que não completam o esquema vacinal. A percepção de que apenas uma dose já protege pode gerar esse relaxamento”, afirma Isabella Ballalai, diretora da SBIm.

Causas da hesitação vacinal

Segundo Luciana Phebo, chefe de Saúde do Unicef no Brasil, os dados refletem avanços importantes, mas ainda há muito a ser feito. “Após anos de queda, o Brasil tem retomado a vacinação com conquistas relevantes em várias regiões.”

 

Isabella Ballalai complementa que a principal barreira atual não é a desinformação em si, mas o acesso e a conveniência:

“Nem todo mundo sabe onde vacinar ou se lembra da campanha. Muitas vezes não encaixa na agenda. A hesitação não se dá tanto por rejeição às vacinas, como ocorre nos Estados Unidos ou Europa, mas por fatores logísticos.”

 

Desigualdade regional e “bolsões” de baixa cobertura

O relatório evidencia também desigualdades expressivas entre estados, regiões e até municípios vizinhos. Mesmo em estados com desempenho geral satisfatório, há "bolsões de baixa cobertura" que podem ameaçar a imunidade coletiva.
Nos estados do Amazonas, Pará, Maranhão e Rio Grande do Sul, por exemplo, há municípios com coberturas que variam de 95% a menos de 50%, comprometendo a eficácia do controle de doenças.

 

A região Norte é a mais vulnerável, concentrando os menores índices de cobertura vacinal para doenças como sarampo, caxumba, rubéola, varicela e poliomielite.

 

Casos específicos: poliomielite e HPV

A cobertura vacinal contra poliomielite não atinge a meta de 95% desde 2016. Em 2023, menos de 20% da população vivia em cidades que atingiram o índice recomendado.

No caso da vacina contra o HPV, os números também são preocupantes: menos de 80% das meninas e apenas 50% dos meninos receberam a vacina. Mesmo assim, o vírus está associado a vários tipos de câncer, inclusive entre os homens (pênis e ânus).

 

Metodologia e objetivo do anuário

O Anuário VacinaBR 2025 utiliza dados de fontes públicas, como DataSUS, InfoMS, IBGE e o Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc). Foram analisadas doses aplicadas, taxas de abandono e homogeneidade da cobertura vacinal infantil e da vacina contra o HPV em adolescentes.

 

O diretor executivo do IQC, Paulo Almeida, reforça que o objetivo da publicação é qualificar o debate público e apoiar políticas públicas de imunização baseadas em evidências. Segundo ele, a meta é lançar uma nova edição do anuário anualmente, sempre com dados atualizados.


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