Crise humanitária

Mitos e fatos sobre mudanças climáticas e deslocamento humano, segundo a ONU

Confira o esclarecimento de cinco dos mitos mais comuns associados à crise climática e ao deslocamento de pessoas

19/05/2024 09:35
Mitos e fatos sobre mudanças climáticas e deslocamento humano, segundo a ONU

New York, EUA - A crise climática e o deslocamento de pessoas estão cada vez mais interligados. Além do fato de que os desastres relacionados ao clima provocaram mais da metade dos novos deslocamentos relatados em 2022, quase 60% dos refugiados e das pessoas deslocadas internamente vivem em países que estão entre os mais vulneráveis às alterações climáticas.


Com o entendimento sobre essas questões se consolidando, as formas pelas quais o clima, em rápida transformação, está forçando as pessoas a se deslocarem, tornam a vida mais difícil para aqueles que já foram ou estão em deslocamento.


Por se tratar de questões complexas e de terminologias nem sempre apuradas, este cenário de tragédias climáticas permitiu que mitos e desinformações se proliferassem.

A Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) propõe abaixo o esclarecimento de cinco dos mitos mais comuns associados à crise climática e ao deslocamento de pessoas, contribuindo assim para a disseminação de informações relevantes e confiáveis.


Mito 1: as mudanças climáticas desencadearão movimentos transfronteiriços em larga escala do Sul Global para o Norte Global


Fato: As sugestões de que grandes números de pessoas que fogem das mudanças climáticas no Sul Global se dirigirão para o Norte Global não são sustentadas por evidências atuais. A maioria das pessoas forçadas a fugir devido a desastres relacionados ao clima se desloca dentro de seus próprios países.


Em 2022, por exemplo, os desastres provocaram um recorde de 32,6 milhões de deslocamentos internos, dos quais 98% foram causados por riscos relacionados ao clima, como inundações, tempestades, incêndios florestais e secas, de acordo com o Centro de Monitoramento de Deslocamento Internacional (IDMC, sigla em inglês).


Há poucos dados disponíveis sobre movimentos transfronteiriços após desastres naturais, mas sabemos que 70% de todas as pessoas refugiadas vivem em países vizinhos aos seus. Seja fugindo de conflitos ou desastres naturais, as pessoas preferem permanecer o mais próximo possível de suas casas e da família.


As pessoas que foram forçadas a abandonar uma área severamente afetada pelas mudanças climáticas também têm menos probabilidade de ter os meios para se deslocar por longas distâncias.


Mito 2: As pessoas deslocadas pelas mudanças climáticas são “refugiados climáticos”


Fato: “Refugiados climáticos” é uma expressão frequentemente usada para descrever pessoas forçadas a deixar suas casas devido a eventos relacionados ao clima, mas não é um termo oficialmente reconhecido no direito internacional. Como mencionado acima, a maioria dos deslocamentos relacionados ao clima ocorre dentro dos países, enquanto a Convenção de Refugiados de 1951 oferece proteção apenas àqueles que fogem de guerra, violência, conflito ou perseguição e cruzaram uma fronteira internacional em busca de segurança.


Embora o deslocamento exclusivamente no contexto das mudanças climáticas ou desastres naturais não esteja coberto pela Convenção de 1951, ele pode se aplicar quando o risco de enfrentar perseguição ou violência aumenta devido às mudanças climáticas.


Por exemplo, no norte de Camarões em 2021, centenas de pessoas foram mortas e dezenas de milhares fugiram para o Chade após a violência entre pastores e pescadores, que foi desencadeada pela escassez de recursos hídricos relacionada às mudanças climáticas.


Leis regionais de refugiados também podem fornecer proteção. As definições de refugiados na Convenção da Organização da Unidade Africana e na Declaração de Cartagena da América Latina incluem aqueles que buscam a condição de refugiado devido a eventos que “perturbam seriamente a ordem pública”, o que poderia incluir eventos relacionados ao clima.


Um caso emblemático nesse sentido é o vivenciado atualmente no Haiti. Em síntese, o ACNUR recomenda a terminologia “deslocados internos em razão das mudanças climáticas” ao invés de “refugiados ambientais”.


Mito 3: O “deslocamento interno em razão das mudanças climáticas” refere-se apenas às pessoas que fogem de eventos climáticos extremos


Fato: À medida que as mudanças climáticas causam eventos mais frequentes e extremos, mais pessoas estão sendo deslocadas por inundações, ciclones e secas. Os quase 32 milhões de deslocamentos causados por riscos relacionados ao clima em 2022 representam um aumento de 41% em comparação com os níveis de 2008.


Mas além dos deslocamentos diretamente resultantes de condições climáticas extremas, as mudanças climáticas atuam como o que chamamos de “multiplicador de ameaças” — ampliando o impacto de outros fatores que podem contribuir para o deslocamento, como pobreza, perda de meios de subsistência e tensões relacionadas à escassez de recursos, criando condições que podem levar a violência, conflitos e, consequentemente, novos deslocamentos.


Em Burkina Faso, por exemplo, algumas das piores violências e deslocamentos dos últimos anos ocorreram nas áreas mais pobres e afetadas pela seca, onde grupos armados exploraram tensões relacionadas à diminuição das fontes de água e terras aráveis. Ao mesmo tempo, a presença de violência e conflito pode prejudicar gravemente a capacidade dos governos de responder aos efeitos das mudanças climáticas.


Essa compreensão das mudanças climáticas, não apenas como um impulsionador direto do deslocamento, mas como um “multiplicador de ameaças”, é fundamental para a resposta do ACNUR.


Mito 4: Podemos prever quantas pessoas serão deslocadas à força devido às mudanças climáticas


Fato: Embora saibamos que desastres naturais súbitos estão deslocando milhões de pessoas em todo o mundo, as interligações complexas entre o clima e outros fatores, como conflitos e instabilidades sociais, dificultam a compreensão de quantos deslocamentos forçados podem ser atribuídos exclusivamente às mudanças climáticas.


Prever quantas pessoas serão deslocadas no futuro é ainda mais difícil, pois esse número dependerá em grande parte das medidas a serem tomadas agora para limitarmos o aumento da temperatura global e nos adaptarmos às mudanças climáticas.


Uma projeção que se pode fazer é usar dados para visualizar tendências, incluindo riscos climáticos futuros, para antecipar a vulnerabilidade de diferentes populações e identificar esforços de adaptação e preparação que possam mitigar esses riscos e futuros deslocamentos.


O Projeto de Análise Preditiva do Sahel, por exemplo, identifica os principais fatores de vulnerabilidade no Sahel, incluindo as mudanças climáticas, e fornece previsões sobre como esses riscos podem mudar no futuro, dependendo de nossa resposta proativa.


Mito 5: É tarde demais para agir e prevenir o deslocamento relacionado às mudanças climáticas


Fato: É verdade que as condições climáticas estão mudando e que a temperatura média está agora cerca de 1,1 °C mais quente do que no final do século XIX. No entanto, não é tarde demais para agir, seja para reduzir as emissões e minimizar o aquecimento global, seja para investir em adaptações que aumentem a resiliência das populações vulneráveis e reduzam o risco de deslocamento ou outros impactos adversos.


Podemos ajudar as pessoas a se prepararem melhor para condições climáticas extremas e se adaptarem às mudanças climáticas. Também podemos abordar algumas das outras causas subjacentes do deslocamento amplificadas pelas mudanças climáticas, como pobreza, desigualdade e violência.


Pessoas refugiadas e deslocadas internas estão entre aquelas que estão agindo para construir resiliência e se adaptar aos impactos das mudanças climáticas, por meio de projetos de plantio de árvores, campanhas de advocacy, esforços de preparação para desastres, atuação na economia verde, empreendimentos sustentáveis e de baixo carbono.


Na Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP), pessoas refugiadas estão pedindo mais apoio às organizações lideradas por refugiados que estão realizando tais intervenções, bem como uma participação ativa para garantir que as decisões inerentes à comunidade não sejam tomadas sem elas.


Foto: Reuben Lim Wende/ACNUR

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