Metamorfose” talvez seja o romance mais conhecido de Franz Kafka. Conta a história de Gregor Samsa, um caixeiro-viajante que, ao acordar, percebe que se transformou em um inseto gigante. Sua família, chocada, tenta lidar com a situação, mas a transformação de Gregor provoca tensão e crescentes dificuldades financeiras. Inicialmente, sua irmã Grete cuida dele, mas, gradualmente, sua presença começa a escassear. Com o tempo, Gregor se sente cada vez mais isolado e desesperado, até morrer em abandono.
Essa história explora temas de alienação e de desumanização na sociedade moderna. Kafka questiona a compaixão humana em tempos de crise. Para nós, ilustra uma mudança de estado entre um elemento e sua antítese - e desperta algumas analogias.
O Estado sou eu?
Acumulando vitórias políticas e anulando o surgimento de uma oposição relevante, Gregor Samsa saiu de seu primeiro mandato como governador com índices de aprovação acima de 70%, o que lhe garantiu uma vitória no primeiro turno praticamente por WxO, considerando o baixo poder ofensivo do adversário Zequinha Marinho, que deve aos Samsa seu lugar no Senado.
Ao entrar no terceiro ano de seu segundo mandato, Gregor Samsa enfrenta seus maiores desafios. Ao voltar de Davos, se sente como que transformado em um inseto gigante.
O ano de 2024 terminou com a Polícia Federal deflagrando a “Operação Ratio Reddencia”, para apurar a suposta prática de crimes de peculato, fraude em licitação, lavagem de dinheiro e organização criminosa. O jornalista Aguirre Talento, colunista do UOL, relata que a investigação apura “desvios de recursos”, tendo Helder como alto, ainda que “indireto”. Equipes da PF cumpriram mandados de busca e apreensão em Belém em endereços de pessoas ligadas à família Barbalho. Uma aeronave da PF chegou a ser deslocada para a capital paraense para executar os mandados.
Janeiro mal havia começado e a Polícia Federal prendia um assessor do deputado federal Antônio Doido, do MDB, com R$ 1 milhão em espécie, em Belém. Doido é muito próximo do governador do Pará e foi um dos kamikazes deslocados para Ananindeua durante as eleições, visando produzir, sem sucesso, um segundo turno na cidade governada por Daniel Santos.
Comenta-se em Brasília que a vigilância sobre o deputado paraense é “permanente” e sobre o seu entorno, “constante”. Como não está na Câmara Federal para legislar, e sim para operar, seu mandato corre risco.
De Belém para o mundo
Ao passo em que o deputado do MDB se explicava para as autoridades em Belém, Helder Barbalho defendia a liderança ambiental do Brasil no Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça. Ao lado de representantes dos setores público e privado, ligados à agenda ambiental, o governador destacou a liderança ambiental do Brasil no mundo e a capacidade de escuta de seu governo aos povos ancestrais que habitam a floresta.
Enquanto suas palavras eram traduzidas para 87 idiomas, indígenas do oeste do Pará - Tapajós e Arapiuns -, acompanhados por dirigentes do Sintepp e lideranças do Psol, ocupavam a sede da Secretaria de Educação, em Belém.
Anatomia de uma crise
O movimento se justificava como uma reação à Lei estadual 10.820/2024, aprovada em dezembro e sancionada pelo governador Helder Barbalho. Os manifestantes alegam que a nova legislação “ameaça programas de ensino voltados às comunidades rurais, ribeirinhas, quilombolas e indígenas, pondo em risco o acesso à educação em áreas remotas”.
Na verdade, a leitura atenta da lei aprovada não permite essa interpretação. O fato de não fazer menção explícita ao Some ou ao Somei - ensino presencial nas comunidades indígenas rurais iniciado no segundo governo Jader Barbalho - indicaria, segundo os manifestantes, que ele seria “descontinuado”, quando, na verdade, a sua não inclusão significaria, como informa a Seduc, justamente o contrário.
“Essa manifestação tem por base uma manipulação feita pelo Sintepp, que convenceu as lideranças indígenas de que elas teriam perdas para usá-los como escudo humano na defesa de seus próprios interesses corporativos”, disse um dos parlamentares da base governista na Assembleia Legislativa. “Legislação é letra; vale o que está escrito. Se não está escrito que haverá mudanças, elas não acontecerão. Serão regulamentadas por norma futura e o governo já montou um grupo de trabalho com representantes indígenas para esse fim”, esclarece.
Para os dirigentes do sindicato, isso abria uma brecha para a extinção gradativa desses programas e facilitaria a expansão do ensino à distância em detrimento do ensino presencial. “As comunidades temem que essa mudança signifique cada vez mais aulas gravadas”, diz uma dirigente em Belém.
Casa de marimbondo
Para uma advogada especializada em temáticas dos direitos indígenas consultada pela Coluna Olavo Dutra, não seria possível a um governo estadual mexer na legislação que trata da educação indígena. “A Educação Escolar Indígena é assegurada na Constituição Federal Brasileira de 1988, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/96), que assegura às comunidades indígenas o direito à educação diferenciada, específica e bilíngue”, informa.
“Outro documento importante é a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho sobre Povos Indígenas e Tribais, promulgada no Brasil por meio do Decreto nº 5.051/2004, bem como a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 da Organização das Nações Unidas e a Declaração das Nações Unidas sobre os direitos dos povos indígenas de 2007. A Assembleia Legislativa não teria como mudar algo que está consolidado desse modo”, explica a especialista.
Pelo sim, pelo não, a ideia de que os indígenas estariam perdendo direitos tornou a metamorfose do governador assunto nacional e internacional. Formadores de opinião, artistas, intelectuais, pressionaram o governo a “recuar” da lei. Insuflado pelo Psol, o movimento radicalizou e começou a pedir a demissão do secretário de Educação. A crise escalou e chegou à ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, que veio para tentar intermediar o diálogo.
Mobilização na aldeia
Ao retornar de Davos, o governador mobilizou a ministra, lideranças de diferentes etnias, a Procuradoria Geral do Estado, o secretário de Educação, e a secretária dos Povos indígenas, Puyr Tembé. Contudo, os ocupantes da Seduc não responderam ao chamado do governador para esse primeiro acordo.
A ministra Sonia Guajajara e a secretária Puyr Tembé insistiram em organizar nova reunião com o governador em resposta a um movimento que mobiliza lideranças acampadas na Secretaria. A reunião, no dia 28 de janeiro, não resultou em acordo, mas o governo propôs ampliar um grupo de trabalho para elaborar um projeto de lei específico e uma nova reunião foi agendada.
Dias depois, o governo anuncia reunião com Sintepp, informa a suspensão de efeitos da Lei n° 10.820, além da criação imediata de uma comissão, com prazo de atuação de até 30 dias, para fazer uma revisão ampla da legislação a fim de garantir direitos dos profissionais da educação - sem perdas financeiras -, e refazer o Plano de Cargos, Carreiras e Remuneração da categoria.
“Uma das observações preocupantes desse episódio e que pesou entre os políticos foi o modesto papel da vice-governadora, que esperou o retorno do governador diante de um Psol ativo e de uma narrativa negativa para o governo se alastrando”, disse o cientista político Sérgio Damasceno.
Lições da metamorfose
Kafka explora a alienação e a desumanização, cruzando com temas de arrogância e soberba. A transformação de Gregor serve como uma crítica à sociedade que aliena indivíduos "anormais". A metamorfose de Helder Barbalho por certo não é um sinal de apocalipse como gostariam seus opositores, mas certamente mostra que nem todos o veem e o temem como antes, abrindo por essa via um campo de disputas e incertezas à esquerda e à direita que balizam o horizonte de maneira nova.
Sem dúvida, 2026 não será 2022; não para Helder.
Papo Reto
·O senador Davi Alcolumbre (foto), do União Brasil-AP, acabou eleito com ampla maioria dos votos para a presidência da Casa, ontem. Pouco antes da votação, o senador governista Randolfe Rodrigues confirmou o conterrâneo como nome de consenso entre a maioria.
·Na hora da apuração, quando Alcolumbre já tinha 40 e faltava apenas um voto, com os apoiadores prontos para aplaudir, o voto saiu para o senador astronauta Marco Pontes, do PL-SP, o que gerou uma inevitável risada dos congressistas em lugar dos aplausos.
·Em Belém, fonte dos bastidores garante que a eleição de Alcolumbre dá um susto em políticos que já precisaram de favores do senador amapaense e foram atendidos, mas não demonstraram a devida gratidão. É a volta do anzol.
·O Condomínio Lago Azul, em Ananindeua, lembra o seriado americano dos anos 1957 Peyton Place, que chegou ao Brasil sob o título de “A caldeira do diabo” três anos depois. Só lembra.
·Peyton Place era uma cidadezinha pacata que, digamos assim, escondia muitos segredos.
·No caso do Lago Azul, porém, a calmaria escancara um boom imobiliário e um entra e sai de carrões importados, inclusive Ferrari, jamais visto.
·Não é verdade que o pagamento da primeira parcela do 13° dos servidores do Estado foi paga com os recursos do Detran. É intriga da oposição.
·Houve um tempo em que a Granja Modelo e o Horto Municipal chegaram a produzir e plantar 3 mil mudas de mangueiras por mês, com o trabalho de 500 funcionários, inclusive terceirizados, sob o comando do engenheiro agrônomo Benito Calzavara.
·O sistema recebia consultoria de engenheiros florestais e apoio do chamado “Grupo verde”, que incluía Camillo Vianna e Scyla Fecury.
·Na mesma época, técnicos de outras instituições faziam o levantamento da sanidade das mangueiras e outras árvores na cidade, mas ainda assim o serviço de supressão e arborização nunca foi fácil.