Os 32 brasileiros
resgatados da Faixa de Gaza chegaram em Brasília, onde foram recebidos pelo
presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O pouso, no final da noite desta
segunda-feira, 13, encerrou a longa espera pela repatriação do grupo que ficou
mais de um mês retido no enclave onde Israel trava uma guerra contra o grupo
terrorista Hamas.
Após o desembarque, Lula declarou que esse foi o "coroamento de um
trabalho sério do governo". O presidente então passou a palavra para os
repatriados, que falaram sobre a tensão vivida ao longo do último mês. Após
ouvir os relatos, o presidente acusou Israel de "terrorismo".
"Se o Hamas cometeu um ato de terrorismo, o Estado de Israel está
cometendo mais um ato de terrorismo ao não levar em conta que as crianças não
estão em guerra, que as mulheres não estão em guerra. Ao não levar em conta que
eles não estão matando soldados, eles estão matando junto crianças", disse
Lula. "São mais de 5 mil crianças, tem mais de 1.500 crianças
desaparecidas que certamente estão no meio dos escombros", acrescentou.
O presidente nunca tinha feito tal comparação. Antes, ele e seu assessor
especial, Celso Amorim, usaram a palavra "genocídio" para se referir
à ação militar de guerra de Israel, em resposta aos ataques terroristas do
Hamas.
O PT, partido de Lula, equiparara os atos do Hamas ao de Israel. O partido
dissera que condenava "assassinatos e sequestro de civis, cometidos tanto
pelo Hamas quanto pelo Estado de Israel, que realiza, neste exato momento, um
genocídio contra a população de Gaza, por meio de um conjunto de crimes de
guerra"
Lula afirmou que nunca viu uma violência tão "bruta e desumana"
contra inocentes. Revelou que tenta um telefonema com o presidente da China, Xi
Jinping. Ele disse que é necessário "cobrar dos outros presidentes um
comportamento humanista, de afeto com crianças e mulheres".
Sem citar o premiê israelense, Benjamin Netanyahu, Lula afirmou que "parte
dos seres humanos que governam o mundo de humanos não têm mais nada".
"Se alguém não tem dó de soltar uma bomba para matar gente no hospital,
recém-nascido, criança, sinceramente não sei que ser humano estamos
falando", afirmou o presidente.
As manifestações de Lula coincidem com críticas também mais eloquentes dos
governos da França e dos Estados Unidos, vistos como aliados de Israel. Tanto
Paris quanto Washington manifestaram preocupação pelo excesso de mortes em
Gaza, principalmente mulheres e crianças. A fala de Lula ocorre após atritos do
governo com o embaixador israelense em Brasília, que se encontrou com o
ex-presidente Jair Bolsonaro.
O ministro Mauro Vieira (Itamaraty) afirmou que as embaixadas na região seguem
mobilizadas para encontrar brasileiros na região, que possam querer retornar ao
Brasil, e que o País ainda considera viável estabelecer uma pausa humanitária
para saída de estrangeiros, feridos e reféns.
Drama dos brasileiros em Gaza
O desembarque foi marcado pelo encontro de Mohamned Jaber com a mulher e os
filhos, que estavam na Faixa de Gaza. Abraçada ao pai, a pequena Lin contou que
se assustou "ao ver as pessoas mortas" e que agora o sentimento é de
alívio: "sinto que estou chegando em uma cidade maravilhosa".
A menina de 11 anos estava em Gaza com a mãe Ahmalad e com os irmãos Ahmad e
Anas de 11 e 13 anos. "Eles estão com muito medo e não querem voltar para
lá", disse Jaber, que há cinco meses não via as crianças pessoalmente e
foi recepcioná-los na pista da Base Área de Brasília, onde os abraçou
intensamente: "o mais importante e que eles chegaram aqui vivos".
Durante os 37 dias em meio à guerra, os filhos ficaram sem água, sem energia e
sem comida. Além disso, a comunicação com a família era difícil, relatou Jaber.
Ahmalad, a mulher dele, disse que estar feliz por chegar em segurança no
Brasil. "Não tem mais vida em Gaza. Está muito perigoso ficar lá",
afirmou a mulher, que fala apenas árabe.
Apesar do alívio em reencontrar a mulher e os filhos, Mohammed Jaber ainda tem
quatro irmãos, sem opção de sair do enclave e teme pelo que está por vir.
"O futuro de Gaza vai ser muito difícil. Reconstruir Gaza vai demorar.
Metade de Gaza está destruída", disse ele.
Além do trauma, os brasileiros resgatados em Gaza também sofreram com
restrições de alimento e água em mais de um mês de guerra. Duas crianças
chegaram ao Brasil com um quadro de desnutrição e receberam atendimento médico
imediato após o desembarque em Brasília, nas ambulâncias que foram mobilizadas
para a pista da Base Aérea.
Profissionais de saúde das Forças Armadas que acompanharam o grupo disseram que
o estado deles, em geral, é bom e estável. As crianças, no entanto, tiveram
problemas como virose e amidalite. Todos precisam de acompanhamento porque
passaram por estresse e estavam com alimentação e água restritas.
Quatro dos repatriados tem a capital federal como destino final, 24 vão para
São Paulo, sendo que a metade será levada para um abrigo no interior do Estado
e a outra metade vai para casa de familiares. Mais dois vão para Florianópolis
(SC), um para Novo Hamburgo (RS) e um para Cuiabá (MS).
Segunda lista
Lula comprometeu-se a ajudar a retirar mais brasileiros de Gaza e da
Cisjordânia. Uma segunda lista de pessoas interessadas em deixar a zona de
guerra está em elaboração. O petista garantiu a empreitada, mesmo que não sejam
brasileiros.
"A chegada de vocês ainda não é todo mundo. Vamos continuar trabalhando
para tentar trazer toda e qualquer pessoa que esteja sofrendo e queira voltar
ao Brasil", disse Lula. "A gente vai fazer todo o esforço ao alcance
da diplomacia brasileira para tentar trazer todos os brasileiros que lá estão e
querem vir para o Brasil. Inclusive, alguns companheiros que tinham parentes,
eu pedi para trazer os parentes mesmo que não fossem brasileiros que a gente ia
tratar de legalizar aqui no Brasil. Ainda tem gente para trazer da Cisjordânia,
tem mais gente na faixa de Gaza. Enquanto tiver lista e possibilidade de tirar,
mesmo que seja uma pessoa só na Faixa de Gaza, a gente vai estar à disposição
para mandar buscar as pessoas. Mesmo que seja nascido lá, que seja palestino de
origem, a gente vai buscar se os parentes estiverem aqui e pedirem, vamos
tentar trazer."
Hasan Rabee, que estava no grupo, havia ido a Gaza para o casamento da irmã.
Ele pediu ajuda ao presidente para que elas sejam retiradas e venham ao Brasil.
Afirmou que elas não tiveram ainda aval para regressar ao Brasil. Segundo
Hasan, ambas foram inscritas na segunda lista de brasileiros junto ao
escritório de representação do Brasil em Ramala.
"O que está acontecendo lá, na verdade, é um massacre. As bombas caem por
todo lado, minhas filhas ficaram chocadas", disse Hasan
A estudante universitária Shahed al-Banna, de 18 anos, também pediu a Lula que
ajudasse a retirar os demais familiares de Gaza Ela disse que vivia há 1 ano e
meio em Gaza, porque a mãe estava com câncer e foi se despedir de parentes. Ela
morreu em território palestino.
A jovem contou que o dia 7 de outubro seria apenas "um dia normal" na
Faixa de Gaza, mas os bombardeios israelenses, resposta ao ataque terrorista do
Hamas, começaram sem que ela e seus familiares soubessem o motivo.
"Pensamos que todos iríamos morrer e que ninguém saberia de nós",
afirmou Shahed. "Perdi muitas amigas e familiares, minha casa foi
destruída. A maioria das pessoas que veio com a gente não pode mais voltar para
lá, perdeu tudo. Estou muito preocupada com nossos familiares que continuam na
Faixa de Gaza. Queria muito ajudar a retirar nossos familiares de lá."
Os repatriados foram recepcionados por autoridades brasileiras. A comitiva para
receber os brasileiros incluiu, além de Lula, a primeira-dama, Janja da Silva,
os ministros Mauro Vieira (Itamaraty), Flávio Dino (Justiça), Paulo Pimenta
(Comunicação Social), Márcio Macedo (Secretaria-Geral da Presidência), Nísia
Trindade (Saúde) e Silvio Almeida (Direitos Humanos). Os comandantes do
Exército, Tomás Paiva, da Marinha, Marcos Olsen, e o assessor especial da
presidência para assuntos internacionais, Celso Amorim, também estiveram
presentes.
Saída da Faixa de Gaza
Os brasileiros conseguiram cruzar no domingo, 12, a passagem de Rafah, na
fronteira com o Egito. De lá, eles seguiram de ônibus para Cairo, onde a
aeronave VC-2, cedida pela Presidência da República, esperava para dar início
ao voo com escalas em Roma (Itália), Las Palmas (Espanha) e na base aérea do
Recife, antes do pouco em Brasília.
A passagem para o Egito, única fronteira que a Faixa de Gaza não divide com
Israel, ficou completamente fechada até o início de novembro, quando um acordo
com mediação dos EUA e do Catar possibilitou a saída gradual de palestinos
feridos e estrangeiros. O Brasil, no entanto, não foi contemplado nas primeiras
listas e a fronteira voltou a ser fechada, o que dificultou ainda mais a
repatriação dos brasileiros.
Dentre as 32 pessoas que desembarcaram nesta segunda-feira em Brasília, são 22
brasileiros, 7 palestinos que têm RNM (Registro Nacional Migratório) e 3
palestinos que são familiares próximos. Dentre eles, 17 são crianças, 9 são
mulheres e 6 são homens. Inicialmente, a expectativa era de que 34 pessoas
fossem repatriadas.
Segundo o secretário nacional Justiça, Augusto de Arruda Botelho, os resgatados
vão passar duas noites em Brasília antes de seguir viagem. Eles receberão
atendimento de saúde e psicológico, além de checagem de documentos e
imunização.
Retorno
Lula recebe brasileiros vindos de Gaza e fala em 'terrorismo' de Israel
PT equiparara os atos do Hamas ao de Israel
14/11/2023 08:10