Brasília, DF - O Brasil quer ir além das declarações diplomáticas e chegar ao final da edição brasileira da Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima com entregas concretas do ponto de vista econômico. Em novembro, na COP30, em Belém, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, pretende tirar do papel um fundo global para a proteção de florestas tropicais de modo a romper com a dependência de países ricos no financiamento de medidas para proteger as matas e buscar capital privado. Também está nos planos montar uma coalizão de nações para a integração de mercados de créditos de carbono.
“Há duas grandes entregas concretas para a COP nas quais o ministro Haddad está especialmente focado. É para ir além da declaração diplomática e ser uma ação concreta que gera impacto imediato para as empresas e para o planeta”, explicou o secretário-executivo adjunto da Fazenda, Rafael Dubeux, que lidera a iniciativa de transformação ecológica na pasta.
O fundo de investimento para preservação de florestas tropicais, chamado de Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF, na sigla em inglês), está em fase avançada de discussão. A ideia é substituir os fundos nacionais, como o Fundo Amazônia no Brasil, que são abastecidos por doações, por um novo instrumento que seja baseado em investimento, com recursos soberanos de países patrocinadores, mas também com captação junto ao mercado, totalizando US$ 125 bilhões (aproximadamente R$ 700 bilhões).
A avaliação é que o modelo atual não é sustentável no longo prazo, porque depende da “benevolência” de países ricos, cujas prioridades mudam, como mostram as decisões do presidente dos EUA, Donald Trump. “Seguir com um modelo baseado em doações é muito difícil e não sustentável no longo prazo”, disse Dubeux.
Retorno em até 40 anos
Com o TFFF, o objetivo é que os cotistas tenham um ganho similar às taxas de mercado, como títulos de dívida de países “seguros” para investimentos, a exemplo dos Treasuries americanos, ao mesmo tempo em que contribuem para a preservação das florestas e a redução das emissões de carbono. A expectativa é que o dinheiro dos investidores seja devolvido com juros em um prazo de 30 a 40 anos.
Isso colocaria o TFFF em pé de igualdade com outros fundos, com a vantagem de que o investidor também estará contribuindo com um mundo mais sustentável.
Para viabilizar o modelo, a ideia é que o fundo invista em ativos mais arriscados, de modo a ter um retorno superior aos títulos “seguros”. A diferença entre a remuneração dos cotistas - que corresponderia à desses títulos - e a remuneração dos investimentos seria destinada aos países que fazem o dever de casa no combate ao desmatamento.
Os critérios de seleção dos projetos a serem contemplados ainda estão em discussão. Teriam direito ao repasse integral dos recursos as localidades ou projetos que mantivessem a área verde intacta de um ano para o outro. Caso o desmatamento aumente, a área receberá menos dinheiro.
Mas o montante do repasse não será proporcional ao percentual desmatado. Será menor, de modo a incentivar a preservação. Por exemplo, se houver um desmatamento de 10% da área, o projeto poderia receber menos 20% dos recursos acertados.
A ideia foi apresentada pela primeira vez pelo Brasil em 2023, na COP28, em Dubai. Neste mês, uma comitiva brasileira foi a Londres discutir o desenho do fundo com países que detêm florestas tropicais e potenciais investidores, tanto governos de países do Hemisfério Norte quanto bancos, gestoras e seguradoras.
Amazônia em chamas
O objetivo é que os países patrocinadores entrem com US$ 25 bilhões, e o restante seja captado junto ao mercado. Dentre os potenciais patrocinadores, estão França, Alemanha, Noruega, Reino Unido e Emirados Árabes. Junto com a Colômbia e o Brasil, eles formam o Comitê Consultivo Interino do TFFF, que tem parceria técnica do Banco Mundial. Gana e Malásia também têm interesse em participar como beneficiários.
O grupo solicitou que o Banco Mundial seja responsável pela gestão do fundo, mas ainda não obteve resposta. Outra possibilidade é uma gestão feita por um consórcio de bancos de desenvolvimento.
“Estamos trabalhando com a ideia de que, na COP, o fundo já esteja operacional, recebendo os primeiros investimentos e, em mais um ou dois anos, os primeiros desembolsos”, disse Dubeux.
Mercado de carbono
No Brasil, a intenção é que esses recursos possam ser usados, por exemplo, para um projeto de pagamento por serviços ambientais. O objetivo é remunerar pessoas ou empresas que estão deixando de explorar uma atividade econômica em favor do bem público, para preservar a floresta. Por exemplo, agricultores com terras no meio da Amazônia, que deixam de aumentar sua produção.
A Fazenda ainda quer que a COP de Belém seja palco da formalização de uma coalizão para integração dos mercados de carbono: quem poluir mais precisaria comprar títulos de quem polui menos ou captura carbono.
A intenção é vencer a resistência a um mercado global de carbono, para o qual é difícil de ter consenso, e unir os países que estão mais dispostos a participar dele. Há conversas com União Europeia, Reino Unido, Coreia do Sul, China e com o estado americano da Califórnia sobre a iniciativa.
Com essa proposta plurilateral, a avaliação é que será possível superar o poder de veto dos países em comparação a um desenho global desse mercado. Quem não se juntar à coalizão e não tiver um mercado doméstico de precificação de carbono, teria de pagar uma taxa para acessar mercados que integram o grupo, um modelo semelhante ao ajuste de fronteira adotado na Europa.
O Brasil propõe que o teto de emissão de gases do efeito estufa leve em conta o inverso da renda per capita (por pessoa) dos países. Assim, países mais pobres teriam um teto de emissão maior. Países mais ricos poderiam comprar cotas das localidades de baixa renda, representando uma transferência de recursos. Outra proposta é que países mais pobres fiquem isentos do mecanismo de ajuste de fronteira.
A operacionalização é complexa, porém. A meta para a COP é ter a coalizão montada, além de um esboço de como o mercado funcionaria e um cronograma de implementação para o ano seguinte. “É uma proposta inicial. Não temos a ilusão de chegar à COP com o mercado integrado já operacional”.
Um dos desafios é interno. O Brasil aprovou a lei do mercado de carbono, mas ainda trabalha na sua regulamentação. A expectativa é que o arcabouço regulatório esteja pronto até o próximo ano. As empresas terão dois anos para medir a emissão de carbono para que sejam definidos os tetos.
Foto: Divulgação/Semas
(Com O Globo)