Descontos condicionados ao CPF em farmácias de Belém levantam dúvidas sobre legalidade e ética

Até que ponto essa troca é genuína, justa e transparente? A prática pode violar tanto o Código do Consumidor quanto a Lei de Proteção de Dados.

13/06/2025, 15:00
Descontos condicionados ao CPF em farmácias de Belém levantam dúvidas sobre legalidade e ética
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m praticamente todas as farmácias de Belém, um ritual se repete: ao tentar obter desconto na compra de medicamentos ou produtos, o consumidor é pressionado a informar o CPF. A prática, embora disseminada e aparentemente inofensiva, esconde implicações legais e éticas preocupantes - e pode violar tanto o Código de Defesa do Consumidor quanto a Lei Geral de Proteção de Dados.

Procon alerta que condicionar descontos ao CPF não é necessariamente legal, mas a verdade é que falta informação ao consumidor/Divulgação.
A exigência de dados pessoais em troca de “descontos” levanta sérias questões: até que ponto essa troca é genuína, transparente e justa? O consumidor, muitas vezes sem saber, pode estar autorizando cadastros, monitoramento de hábitos de consumo e até o uso comercial de seus dados sensíveis - tudo isso em troca de uma suposta economia cujo valor real raramente é comprovado.

Segundo o especialista em Direito do Consumidor Antônio Gama, há sérios indícios de que essa conduta afronta a legislação. “A LGPD estabelece que o tratamento de dados pessoais deve observar princípios como finalidade, adequação, necessidade, transparência e segurança. O CDC, por sua vez, proíbe práticas abusivas que coloquem o consumidor em desvantagem excessiva e garante o direito à informação clara e adequada”, afirma.

Dois em um

Nas farmácias, o cenário é o de uma aceitação quase automática. Muitos consumidores nem chegam a questionar o motivo do pedido do CPF, o que revela não só a naturalização da prática, mas também um desconhecimento preocupante sobre os riscos envolvidos.

A servidora pública Ana Clara Pureza, por exemplo, conta que está acostumada a fornecer o CPF sem pensar duas vezes. “Geralmente, compro os medicamentos pelo aplicativo da farmácia, onde o CPF já é obrigatório para acessar. E quando vou à loja física, como eles já têm meus dados, acabo passando o número sem medo”, relata. Apesar disso, ela admite: “Nunca parei para pensar como esses dados são usados. A gente só quer resolver rápido e pagar menos. Com o preço que estão os medicamentos, qualquer desconto já ajuda.”

A gestora de recursos humanos Kátia Eloi tem uma postura mais crítica e desconfiada. “Eles praticamente forçam a gente a fornecer o CPF. Quando você diz que não quer, às vezes a atendente olha com cara feia ou diz que ‘sem CPF, não tem desconto’. Isso me incomoda. Não me sinto confortável em entregar meus dados assim, especialmente sem saber como vão usá-los. E mais: quem garante que o desconto é real? Não tem como saber se o preço ‘sem CPF’ foi inflado só para parecer que há uma vantagem.”

Para Antônio Gama, a experiência dos consumidores revela uma assimetria clara na relação de consumo: “A obrigatoriedade de fornecer dados pessoais para acessar um benefício pode ser enquadrada nas vedações do art. 39, IV e V, do CDC, que proíbem exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva. A sensação de que não há escolha, de que se está sendo pressionado ou manipulado é suficiente para caracterizar abuso.”

O Procon Pará, em nota, reforça o caráter ilegal da conduta: “Condicionar descontos ao fornecimento do CPF, sem informar claramente sobre a abertura de cadastro é uma violação do Código de Defesa do Consumidor.” Ainda assim, o órgão afirma não ter recebido denúncias formais sobre o tema, o que pode indicar falta de informação ou percepção dos consumidores sobre a violação.

Vinculação ao desconto

Em contraponto às críticas, a Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias se manifestou com um posicionamento firme em defesa da exigência do CPF. Em nota assinada por seu CEO Sergio Mena Barreto, a entidade argumenta que a coleta de dados nas farmácias vai muito além de estratégias comerciais.

Segundo a Abrafarma, “a identificação do cliente é prática comum em diversos setores da economia” e, no caso das farmácias, “atua como ferramenta essencial para garantir segurança nas transações e personalizar ofertas”. A entidade também sustenta que os dados são usados para “impedir a falta de medicamentos e reduzir os alarmantes índices de abandono de tratamento no Brasil, que chegam a 54%”.

Barreto reforça que a exigência de CPF atende inclusive a obrigações legais e regulatórias, como o Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados, mantido pela Anvisa, e programas sociais como o Aqui Tem Farmácia Popular. A participação em programas de fidelidade, segundo ele, é “totalmente voluntária e revogável a qualquer momento”, conforme assegurado pela LGPD.

A entidade também se posiciona contra a “demonização” da prática, que segundo Barreto, “penaliza o país e o coloca no rumo do atraso”. Para ele, identificar o cliente é sinônimo de colocar o paciente no centro do cuidado farmacêutico. “Queremos garantir acesso à saúde com mais conveniência e assertividade. A proibição seria uma forma de tutelar indevidamente o cidadão.”

Apesar da contundência no discurso da Abrafarma, especialistas alertam que transparência e consentimento genuíno devem ser pilares inegociáveis no uso de dados pessoais. Afinal, o que está em jogo não é apenas o desconto no balcão da farmácia, mas o controle e o respeito sobre informações sensíveis de milhões de brasileiros. 

Papo Reto

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•Antes, cobriu a saga do pistoleiro Quintino, personagem que rendeu noticiário nacional até ser caçado e abatido. 

Sem Edivaldo Mendes, o jornalismo perde um dos seus grandes colaboradores. 

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