Brasília, 03 - Divergências sobre os rumos do PT e do
governo Lula marcaram o primeiro debate entre os candidatos à presidência do
partido, na noite desta segunda-feira, 2. Favorito na disputa, o ex-prefeito de
Araraquara (SP) Edinho Silva - que é apoiado pelo presidente Luiz Inácio Lula
da Silva - foi o principal alvo dos ataques.
Críticas à política econômica conduzida pelo ministro da Fazenda, Fernando
Haddad (PT), aos juros altos praticados na gestão de Gabriel Galípolo à frente
do Banco Central e a alianças com o Centrão ocuparam boa parte das discussões.
Adversários de Edinho, o deputado Rui Falcão, o historiador Valter Pomar e o
secretário de Relações Internacionais do PT, Romênio Pereira, pregaram uma
guinada à esquerda do governo. Avaliaram, ainda, que Lula precisa ir para as
ruas e mudar a política econômica, se quiser vencer a próxima disputa contra a
direita, em 2026, mesmo sem o ex-presidente Jair Bolsonaro no páreo.
As eleições que vão renovar o comando do PT, com voto dos filiados, ocorrerão
em 6 de julho. O que está em jogo nesse embate, porém, vai além da escolha de
uma cúpula partidária. O novo presidente do PT ficará à frente da sigla até
2029 e dirigirá a campanha de Lula ou de quem ele ungir como sucessor para o
confronto do ano que vem. Além disso, terá a tarefa de começar a preparar o
período pós-Lula.
Coube a Edinho, alvejado pelos oponentes, defender o governo no debate. Ao
ouvir Valter Pomar, da Articulação de Esquerda, afirmar que o momento era grave
e que ele não estava tratando do socialismo como norte, o ex-prefeito se
exaltou.
"Eu não trato o socialismo como se fosse a tomada de assalto de poder de
dentro do gabinete", reagiu Edinho, candidato da corrente Construindo um
Novo Brasil (CNB), majoritária no PT. "A consciência da classe
trabalhadora não se faz com gente discursando, bravateando", completou
ele, citando bandeiras do PT, como o orçamento participativo.
A preocupação com o avanço da extrema-direita apareceu em vários momentos da
discussão. "Estamos correndo o risco de virar um partido meramente
institucionalizado e, pior, que não ganha eleição", resumiu o deputado Rui
Falcão, ex-presidente do PT. "Vamos combinar: a direita tomou as ruas da
gente".
Apoiado por várias tendências de esquerda, Falcão votou contra o corte de
gastos proposto por Haddad, no ano passado. "Quero crer que esse pacote do
corte de gastos é um dos fatores que tem contribuído para que o presidente Lula
não tenha recuperado a popularidade", destacou.
A taxa básica de juros (Selic) na estratosfera após Galípolo assumir a
presidência do Banco Central foi descrita no auditório do Diretório Nacional do
PT, em Brasília, como algo "inaceitável".
Em uma alfinetada na direção de Galípolo, Falcão chegou a dizer que o nome
tratado como "lesa-pátria", antes, era o de Roberto Campos Netto.
"Não dá para o nosso governo indicar o atual presidente do Banco Central e
ele colocar a maior taxa de juros", concordou Romênio Pereira, candidato
da tendência Movimento PT.
Romênio disse que tem ouvido "muita reclamação" sobre o terceiro
mandato de Lula. "Eu sinto que o governo está muito fechado em alguns
grandes centros do País. Isso é errado. É difícil ver ministros andando pelo
interior. Não sei qual ministro já visitou Roraima, Acre...", observou o
secretário de Relações Internacionais do PT. "Quando o presidente vai aos
Estados (as pessoas), não podem sequer chegar perto do palanque."
Uma dos poucos pontos de acordo entre Edinho e seus adversários foi a
constatação de que o PT se distanciou da juventude. "Mas não tem como
trazer a juventude se não tiver um projeto de futuro", provocou Falcão.
"O Brasil está encalacrado no limbo perpétuo de um fazendão: estamos
submetidos ao agronegócio e não temos apoio para fazer a reforma agrária",
emendou.
Apesar de morno, o primeiro debate entre os candidatos do PT serviu para
mostrar as divisões do partido, principalmente em relação ao que deve ser feito
para corrigir a rota do governo, que enfrenta uma crise atrás da outra.
Pomar afirmou que Haddad não podia ceder à "chantagem" do presidente
da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), que deu um ultimato até 10 de junho
para a equipe econômica apresentar uma alternativa ao aumento do Imposto sobre
Operações Financeiras (IOF). "Querem nos obrigar a fazer o ajuste no lombo
da classe trabalhadora", avaliou o candidato da Articulação de Esquerda.
"É uma pancada ou para nos derrotar (em 2026) ou para criar uma situação
de ingovernabilidade".
Sem citar o nome de José Múcio Monteiro, Pomar também voltou a defender a saída
do ministro da Defesa. "A gente precisa de um ministro da Defesa capaz de
olhar para os acampamentos (do 8 de Janeiro) e ver golpistas, e não parentes e
amigos", criticou.
Falcão, por sua vez, cobrou que o PT se organize para 2026 com um pé nas
instituições e "muitos pés" nas ruas. "Quando um partido perde
sua identidade, sua razão de ser, ele fenece", argumentou, sem rodeios.
Fonte: Estadão conteúdo
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