Meio Ambiente

Coluna Ver Amazônia: Por que a COP 30 em Belém não será igual às outras?

Será mais uma conferência igual a todas as outras 29 edições, que prometeram muito e entregaram pouco? Sim, o modelo é o mesmo. Porém, há sinais de onda contrária.

Mariluz Coelho/João Ramid | Especial para o POD

15/12/2024 21:16


No emaranhado das obras em Belém para a COP30, com trânsito caótico em meio aos temporais de dezembro, que alagam a cidade, a gente se pergunta: 10 anos após o Acordo de Paris, o que esperar desta COP, a primeira no Brasil e na Amazônia?


Será mais uma conferência igual a todas as outras 29 edições, que prometeram muito e entregaram pouco? Sim, o modelo é o mesmo. Porém, há sinais de onda contrária.


Belém na berlinda

Floresta amazônica com Belém ao fundo, sede da COP 30, em 2025.


Existem três pontos a considerar. Primeiro: a COP 30 recebeu a responsabilidade de decidir o que Baku, na COP 29, não decidiu. O Azerbaijão choveu no molhado e decepcionou muito. Da expectativa de US$ 1 trilhão dos países ricos para investimentos em ações climáticas nos países mais pobres, veio o anúncio de apenas US$ 300 bilhões.


Baku aprovou o mercado de carbono descrito no artigo 6 do Acordo de Paris, que permite a transferência de créditos de carbono entre países. Isso significa que um país com emissões abaixo do teto estipulado poderá vender o excedente para grandes poluidores que precisam compensar suas emissões para cumprir metas. Baku aprovou, mas, jogou as discussões para Belém.



Licença para poluir? 


Venda de crédito de carbono será um dos assuntos polêmicos na COP30



Da forma como foi regulamentado, o crédito de carbono é visto como uma licença para poluir. A indústria do petróleo adorou a maneira como foi licenciada a venda de créditos. Na prática, se você tiver dinheiro, poderá poluir e compensar. O assunto voltará na COP30, com os movimentos contrários e a necessidade de estabelecer novos critérios para o mercado de carbono. 


O segundo ponto: a COP de Belém deverá reavaliar as metas históricas da COP de Paris. O Acordo da COP21, em 2015, feito há 10 anos, estabeleceu como desafio manter o aumento da temperatura média global em menos de 2°C e empenhar-se para limitar o aumento da temperatura a 1,5°C acima dos níveis pré-industriais. O ano de 2024 foi o mais quente da história e, em alguns momentos, a temperatura média mundial ultrapassou o limite de 1,5°.


Floresta destruída ao longo dos anos: a COP da Amazônia será a COP das emergências.



Já estamos em emergência climática. Rever o Acordo de Paris não irá desfazer o que a humanidade já fez e deixou de fazer em relação ao meio ambiente. Mas a meta estabelecida há 10 anos não reflete mais a realidade. No limite dos limites, resta saber o que os países-membros, que são os que têm direito a voto e decisão de fato na conferência, vão estabelecer.


Terceiro ponto: a COP 30 ocorrerá no Brasil, um país com tradição de movimentos sociais fortes e organizados. Enquanto o governo corre com os preparativos para receber a COP 30, os movimentos da sociedade civil investem nas organizações de demandas para a Cúpula dos Povos na COP30. Mesmo sem poder de voto, os sinos soarão fortes.


COP das emergências


Sem água e com o ar seco, florestas inteiras são consumidas pelo fogo.


A COP 30 não será igual a todas as outras também porque o planeta apertou o sinal vermelho em relação às alterações climáticas.  A próxima conferência do Clima da ONU ocorrerá entre 10 e 21 de novembro de 2025, um período de seca na Amazônia. 

Se em 2024 o clima alterado já atingiu quem mora na floresta, 2025 promete agravar ainda mais esses efeitos. A crise do clima não é de hoje. Ela vem se intensificando ao longo dos anos. No entanto, as percepções das pessoas sobre as alterações climáticas estão florescendo agora. Isso porque estamos sentindo na pele e no bolso. 

A partir de 2023, mais de 8 bilhões de moradores da Terra passaram a notar que algo está fora do lugar. Vivemos extremos: calor intenso e enchentes repentinamente que matam e destroem vidas em todo o mundo, como ocorreu pouco antes da COP 29, em Sevilha, na Espanha, quando mais de 200 pessoas morreram em uma enchente repentina.


efeitos da seca


A seca do rio Xingu muda a paisagem e dificulta a vida de todos


Em outubro deste ano, a Coluna Ver Amazônia acompanhou o impacto das alterações climáticas no rio Xingu, nas aldeias indígenas. O cacique Kwai Assurini relatou como os impactos climáticos transformaram a vida dos povos indígenas. Conhecedores da natureza, eles sempre adquiriram saberes ancestrais para manter uma relação equilibrada com o meio ambiente. No entanto, a seca extrema está alterando essa dinâmica.


A seca do Xingu, que atinge os povos indígenas, voltará em 2025.

"Algo está fora do lugar", desabafou o cacique Kwai. Ele explicou que, com a falta de água, os peixes migram para locais mais profundos, tornando a pesca um desafio diário. A caça, essencial para a alimentação, também foi afetada, já que os animais estão se deslocando para regiões distantes em busca de água, dificultando o acesso à carne para as comunidades. 


O Marajó e o Atlântico

Mírian Lima, marajoara.


As zonas costeiras, como o Marajó, também enfrentam riscos elevados, com o avanço do Oceano Atlântico forçando as comunidades a se prepararem para deixar seus locais de vivência sem um destino definido. 


O aumento no nível do Oceano Atlântico e vida difícil no Marajó


A vida da moradora do Marajó, Mirian Lima, está sendo atingida pelas alterações do clima: “Sei que vai ser muito triste, muito difícil deixar isso tudo para trás e ter que ir embora. Mas, foi até aqui que eu cheguei. Não posso fazer nada. Me dói muito ver meus companheiros de trabalho, cada um com uma tristeza no rosto cansado de tanto trabalho. Há pessoas mais idosas do que eu aqui, e hoje, pensar que vamos ter que desistir de tudo isso é doloroso. Nós não temos como recuperar. O certo é entregar à natureza” (acompanhe o depoimento na Ver Amazônia em Vídeo, acima). 


Em Santarém, as queimadas inundaram a cidade de fumaça, causando doenças respiratórias.



Do mesmo ângulo, o ambiente sofrido de uma Santarém coberta de fumaça (Foto: Daniel Govino)



Discursos oficiais


Os movimentos de organização para a COP30, que envolvem os povos tradicionais do Brasil, especialmente os da Amazônia, ainda correm de forma silenciosa. Porém, as populações querem saber que lugar elas terão na COP30. Pergunta-se: até o ponto da conferência sairá do perfil “terno e gravata”? Isso porque a COP vai discutir e decidir sobre a vida das pessoas diante da crise climática. No entanto, ao longo das 29 edições da conferência, a representatividade popular sempre foi limitada aos grupos. 


Esta COP será diferente porque estará no quintal da Amazônia, um lugar que contribuiu pouco para as mudanças do clima no planeta, mas que passou a sofrer com os efeitos dessas mudanças. Diante da injustiça climática, a pressão popular será inevitável, e o barulho na COP 30 promete ser ensurdecedor para os discursos oficiais.


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Farol COP 30


Campeões

A ministra Sônia Guajajara foi agraciada com o Prêmio Campeões da Terra, concedido pela ONU. Além dela, outras cinco pessoas defensoras das causas ambientais e sociais, provenientes dos Estados Unidos, Romênia, China, Egito e Índia, também foram agraciadas.


Trânsito COP30

A comparação entre o trânsito de Belém e da Índia é inevitável quando olhamos para as ruas. O fluxo de motos e bicicletas toma conta das vias. Não há espaço planejado e, pelo que se vê, as obras em andamento serão concluídas sem considerar um planejamento geral, incluindo a Região Metropolitana de Belém. 


Turismo da COP30 - 1

Já é perceptível o aumento do fluxo de passageiros no Aeroporto Internacional de Belém por conta dos eventos pré-COP 30. Em 2023, entre embarques e desembarques, forma mais de 3,6 milhões de viajantes, número que, segundo o Ministério do Turismo, será superado este ano. 


Turismo da COP30 - 2

O Ministro do Turismo, Celso Sabino, participou, neste domingo, 15/12, de um evento no próprio aeroporto para comemorar a quebra de recordes de passageiros que movimentaram Belém este ano.





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