Meio Ambiente

COLUNA VER AMAZÔNIA: Aumento do nível do mar põe Marajó em alerta

Grandes marés invadem áreas habitadas, deixando as comunidades sem saída. Não há plano de gestão de desastres. A ilha está no mapa dos territórios com riscos ambientais elevados.

Mariluz Coelho/João Ramid | Especial para o POD

15/10/2024 11:48
COLUNA VER AMAZÔNIA: Aumento do nível do mar põe Marajó em alerta

A Coluna Ver Amazônia inicia uma nova série sobre riscos e desastres, abordando os efeitos das mudanças climáticas nas regiões costeiras, com foco inicial na Ilha do Marajó. "O que fazer para que nossa praia maravilhosa não desapareça?". O apelo é da professora Sandra Maria Cruz, que também é proprietária de um estabelecimento comercial na Praia do Pesqueiro. Ela faz parte das comunidades impactadas pelas grandes marés que assolam o território marajoara.


O registro da maré alta que avançou e destruiu as barracas da praia, ameaçando a comunidade local, foi realizado durante a pesquisa científica sobre a comunicação de riscos socioambientais no contexto da crise climática. Este estudo está em desenvolvimento no curso de doutorado em Território, Riscos e Políticas Públicas da Universidade de Coimbra, Portugal, e está, também, vinculado ao Observatório de Riscos de Coimbra, em Portugal.


O Marajó está no mapa das regiões costeiras que perderão parte do seu território em 2150

O que está acontecendo no Marajó foi previsto pela ciência em 2021. Um mapa desenvolvido pela Climate Central, organização independente dedicada à pesquisa sobre mudanças climáticas, estimou que um aumento de 1,5ºC na temperatura global seria suficiente para causar uma elevação de 3 metros no nível do mar ao longo da costa brasileira. 


O estudo foi feito com base nas projeções de elevação do nível do mar divulgadas em 2021 pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), da ONU. Em 2024, já atingimos 1,5 ºC na temperatura global, em relação ao período pré-industrial. 


Projeções de avanço de 2020 a 2150 no Marajó. Imagem: Climate Central.


Os estudos científicos sempre projetam o que pode ocorrer com base nos dados disponíveis. Em relação aos impactos das alterações climáticos, as previsões convergem para o mesmo caminho. As consequências são sentidas pelas pessoas, principalmente as mais vulneráveis. 


Riscos elevados 








A Ilha de Marajó, localizada entre duas das maiores massas de água do planeta - Rio Amazonas e Oceano Atlântico - é um território único, marcado por intensos ciclos hidrológicos. Durante o inverno, os vastos campos da ilha ficam alagados, enquanto, no verão, secam, revelando um cenário contrastante e impressionante. Essa alternância de ciclos é uma característica própria do Marajó e atrai turistas em busca de experiências.


No entanto, o que impulsiona o turismo também expõe a região a grandes desafios ambientais. Uma dinâmica peculiar de alagamento e seca, que define o ritmo de vida na ilha e torna o território ainda mais vulnerável frente ao aumento do nível do mar.


Os habitantes locais percebem que o equilíbrio do ecossistema da ilha está ameaçado, percepção que a ciência já confirmou. O estudo com base nos dados da ONU foi feito há três anos. Desde então, o planeta esquentou. Os anos de 2023 e 2024 atingiram recordes históricos de temperaturas.

A ONU e a Organização Mundial de Saúde (OMS) apontam que as temperaturas acima de 40°C e até 50°C são cada vez mais frequentes e mortes por calor chegam a quase meio milhão por ano. Além de atingir diretamente as pessoas, o aquecimento global derrete as geleiras e eleva o nível dos mares em todo o planeta.


Medo e omissão 


Sandra Cruz: “O que fazer para que a nossa praia maravilhosa não desapareça?”

A Coluna Ver Amazônia acompanha os momentos angustiantes que a comunidade da Praia do Pesqueiro vive. “A gente não consegue dormir. Estamos há um mês parados. A maré leva os sombreiros e temos medo do que pode acontecer”, relata a professora Sandra Cruz. Ela tem um restaurante na praia, juntamente com outros trabalhadores da comunidade que estão no local há mais de 50 anos.



As águas salobras da Praia do Pesqueiro são uma mistura do Rio Amazonas, da Baía do Marajó e do Oceano Atlântico. Um local de rara beleza, mas com riscos constantes para as comunidades locais.


As barreiras de madeira e palha, que antes mitigavam os riscos das marés, já não são suficientes para conter o avanço das águas.

 O Brasil está dando os primeiros passos na gestão de riscos e desastres. Normalmente, as forças de defesa funcionam quando o desastre já aconteceu. Pouco se vê de prevenção. O que acontece no Marajó é um exemplo. A comunidade está buscando soluções para conter a força das marés grandes, com base no conhecimento tradicional adquirido.


Porém, até para tomar precauções por conta própria, as pessoas relatam que enfrentam dificuldades. Para construir uma barreira de contenção na praia, a comunidade precisou pedir autorização do ICMBio. O órgão de controle ambiental autorizou, mas somente após muita insistência. 


A barreira construída com madeira e palha é insuficiente. A técnica sempre foi usada na história da comunidade e costumava funcionar na contenção das águas. A comunidade percebe que algo mudou. O mar avança e atinge áreas habitadas. “As pessoas que moram aqui precisam disso para sobreviver. Tem o garçom, tem a cozinheira. Temos medo. Não sabemos o que fazer”, conta a professora. 


Comunidade ameaçada


Quem menos contribuiu para o aquecimento do planeta é quem mais sofre com a crise climática

O que acontece no Marajó e em outras regiões costeiras do planeta surpreende até os cientistas pela rapidez com que tudo está ocorrendo. Os estudos estimavam os avanços do mar, mas não tão rápido. As comunidades da Amazônia, por exemplo, que sempre utilizaram os conhecimentos ancestrais numa relação saudável com o meio ambiente, também se assustam diante do que vem ocorrendo.


Por outro lado, o ritmo das ações vindas do poder público é lento e burocrático. Existe uma lacuna entre o que é dito e planejado pelas autoridades, os chamados tomadores de decisão, e o que realmente é feito em relação à gestão de riscos e desastres, seja em níveis municipais, estaduais ou federal. Somente depois da tragédia no Rio Grande do Sul o Brasil despertou para a necessidade de dar mais importância ao tema.


O ministro das Cidades, Jader Filho, disse que o governo Lula já destinou recentemente R$ 636 milhões para a área de riscos e desastres, no Brasil. Outros R$ 15 bilhões foram orçados, via PAC, para obras de drenagem e R$ 1,7 bilhão, especificamente, para a prevenção de desastres. 


Dinheiro é importante, mas, no Brasil, ainda falta uma estratégia eficiente de gestão de riscos nos ambientes de governança. A principal questão é como utilizar os recursos disponíveis diante de urgências, como a que afeta a Ilha do Marajó - onde não há um plano de prevenção e mitigação dos riscos climáticos. 


Foto: arquivo de pesquisa científica sobre comunicação de riscos socioambientais (M. Coelho)


As comunidades locais enfrentam ameaças diretas da natureza. O meio ambiente, afetado pelas ações humanas que desequilibraram ecossistemas antes em harmonia, agora reage de forma imprevisível. E, como em muitas partes do mundo, são os mais pobres e vulneráveis que sofrem de forma mais intensa com secas, enchentes, tempestades e elevação do nível do mar.




Farol Ver Amazônia


Eleição 1

A eleição do novo prefeito de Belém terá impacto direto na COP 30, que acontecerá em 2025. O “negacionismo ambiental” não terá espaço no evento, que trará propostas claras sobre o aquecimento global e suas consequências para a humanidade. 


Eleição 2

Qualquer postura contrária será, sem dúvida, motivo de polêmica. O novo prefeito de Belém terá que se alinhar a esse cenário global e contribuir ativamente para o enfrentamento da crise climática. 


Holofotes 

O impacto da COP 30 já foi sentido durante o Círio de Nazaré, com os holofotes voltados para Belém, que será palco da Conferência do Clima da ONU em 2025. Celebridades e políticos, que antes transitavam somente entre Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo, agora têm Belém como destino frequente. 


Negócio

A COP 30 também atraiu o interesse do empresariado brasileiro, que vê em Belém uma oportunidade para expandir seus negócios e aumentar o faturamento. Outro movimento crescente vem dos “novos defensores da natureza e especialistas ambientais”, que surgiram de repente em defesa do meio ambiente. Todos "vestidos de Amazônia para o bem da Amazônia". Será?



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