São Paulo, 05 - Mudanças na lei há mais de uma década
e meia levaram ao entendimento de que os crimes sexuais praticados virtualmente
podem caracterizar o estupro. Em 2009, o Código Penal sofreu alterações e o
conceito de estupro passou a ser definido como "constranger alguém,
mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou
permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso."
O ato libidinoso é entendido como todo ato de cunho sexual destinado a
satisfazer a lascívia e o apetite sexual de alguém. A lei estabeleceu, para
esse crime, pena de 6 a 10 anos de reclusão, aumentada em caso de lesão e se a
vítima é menor de 18 anos, agravada ainda mais em caso de morte.
O assunto ganhou força na quinta-feira, 3, após uma operação da Polícia Civil
de São Paulo cumprir 22 mandados de busca e apreensão e outros nove de
internação de adolescentes em seis Estados e no Distrito Federal, suspeitos da
prática de crimes pela internet, entre eles o estupro virtual.
Meninas eram obrigadas a introduzir objetos cortantes nas partes íntimas e a
praticar automutilação cortando o bico dos seios. Tudo isso era transmitido
online para várias pessoas, que dão ordens para mais autoagressões. Muitas das
vítimas tentam o suicídio por causa das chantagens e humilhações.
Um dos adolescentes apreendidos no Rio de Janeiro obrigou a vítima a tomar
ácido, além de ter praticado estupro virtual contra uma menina de 12 anos. Na
maioria dos casos, as famílias dos agressores e das vítimas desconhecem toda a
situação.
Não é preciso o contato físico direto
Em fevereiro de 2021, ao julgar um habeas corpus impetrado por um condenado por
estupro de vulnerável que alegava a impossibilidade de sua condenação por não
ter havido contato físico com as vítimas (duas crianças), o Superior Tribunal
de Justiça (STJ) reforçou o entendimento de que não é preciso o contato físico
direto para caracterizar o crime. A decisão consolidou a figura do estupro
virtual - praticado por meio eletrônico ou digital sem contato físico com a
vítima.
Com isso, o STJ negou o habeas corpus e manteve a condenação do réu. "É
pacífica a compreensão, portanto, de que o estupro de vulnerável se consuma com
a prática de qualquer ato de libidinagem ofensivo à dignidade sexual da vítima,
conforme já consolidado por esta Corte Nacional. Doutrina e jurisprudência
sustentam a prescindibilidade (não exigência) do contato físico direto do réu
com a vítima, a fim de priorizar o nexo causal entre o ato praticado pelo causado,
destinado à satisfação de sua lascívia, e o efetivo dano à dignidade sexual
sofrido pela ofendida", diz a decisão dada na época.
No caso, ficou comprovado que o autor tinha nítido poder de controle
psicológico sobre as duas crianças por ser parente delas. Assim, incitou-as à
prática dos atos de estupro contra elas, com o envio das imagens via
aplicativo, "as quais permitiam a referida contemplação lasciva e a
consequente adequação da conduta ao tipo do art. 217-A do Código Penal (crime
de estupro)."
A decisão estabeleceu o entendimento de que o estupro virtual se caracteriza
quando o autor constrange alguém, mediante violência ou grave ameaça, a
praticar ato libidinoso através da internet ou outros meios (telefone, carta,
rádio) sem que haja contato físico direto. Geralmente o estupro virtual se
consuma através das redes sociais, especialmente as que permitem
compartilhamentos de telas e participação simultânea de várias pessoas.
Nos casos recentes em que houve ação da polícia, como os da operação realizada
na terça, os autores ameaçaram divulgar vídeos íntimos da vítima e a
constrangiam, via internet, a se auto masturbar ou a introduzir objetos nas
partes íntimas. Nesses casos, o estupro é caracterizado, pois a vítima,
mediante grave ameaça, foi constrangida a praticar ato libidinoso diverso da
conjunção carnal para satisfazer a lascívia do autor.
O uso da tecnologia que facilita a prática do crime acaba permitindo também a
comprovação dele para a penalização do autor, já que na hipótese de estupro
virtual, tudo fica registrado nos endereços de IP dos computadores e celulares
e nas redes sociais. Os registros eletrônicos são aceitos como provas seguras
desses casos na Justiça.
Fonte: Estadão conteúdo
Foto: Pixabay